O AMOR SEGUNDO WONG KAR-WAI

A sensibilidade de um tango improvisado por dois homens em uma cozinha suja. A delicadeza da cabeça de uma mulher que suavemente desliza para o ombro de seu inconfesso amado, no banco traseiro de um táxi. A solidão de um homem que passa as noites conversando com objetos inanimados. Pessoas tristes, que buscam a felicidade de maneiras diferentes, e geralmente erradas. São essas as personagens preferidos de Wong Kar-Wai.

O diretor chinês buscou referências na cultura ocidental, principalmente para a trilha sonora de seus filmes, digeriu-as com paciência oriental e criou obras-primas que vão da rapidez e superficialidade de uma Hong Kong noturna à imponência e aparente imutabilidade de uma Catarata do Iguaçu.

Seus três filmes mais aclamados são “Amores Expressos” (1994), “Felizes Juntos” (1997) e “Amor à flor da pele” (2000). Todos falam sobre amor, mas não os amores fáceis, em que os apaixonados são separados brevemente por maldades de terceiros ou por mal-entendidos. Os maiores inimigos dos amores de Wong Kar-Wai são os próprios amantes que não conseguem conciliar seus próprios sentimentos e vontades com seus atos e que, mesmo assim, ainda têm a pretensão de terem esperanças.

“Amores Expressos” são na verdade dois médias-metragens que contam as histórias de dois policiais de Hong Kong, o nº 233 e o nº 633, e seus amores rápidos, passageiros. 233 é um jovem que depois de muito tempo tentando recuperar-se do fim de seu namoro resolve ir para uma boate no dia de seu aniversário, onde conhece uma mulher com capa de chuva amarela, peruca loira e óculos escuros. Ela é uma traficante que tem poucas horas para encontrar imigrantes que desapareceram com uma grande quantia de drogas, antes de ser morta por seu chefe. Um não conhece a profissão do outro. Pouco conversam na noite que passam juntos. No entanto o espectador sente, desde o início, que um pode resolver a vida do outro. Mas infelizmente o espectador não tem como dizer isso às personagens.

O policial 633 (interpretado por Tony Leung Chiu-Wai, que também é o protagonista nos dois outros filmes citados) também é um policial que foi abandonado por sua ex, no caso uma comissária de bordo, e ocupa as noites conversando com miniaturas de aviões e bichos de pelúcia. Todos os dias ele vai a um trailer, onde uma jovem de cabelo curto escuta “California Dreaming” incessantemente (durante a segunda metado do filme escutamos a música do The Mamas and the Papas 18 vezes). Ele nem desconfia do fato de que ela se apaixonou por ele e que todos os dias vai fazer limpeza em sua casa, enquanto ele trabalha como policial, apenas para conhecer o amado mais a fundo, sem precisar trocar palavras com ele.

“Vamos recomeçar” é a frase que permeia todo o filme “Felizes Juntos”. Lai Yiu-Fai (Tony Leung Chiu-Wai) e Ho Po-Wing (Leslie Cheung) são um casal gay de Hong Kong que, para tentar dar mais uma chance ao seu relacionamento fracassado resolvem viajar para a Argentina e conhecer as cataratas do Iguaçu. Já na chegada ao país estrangeiro uma briga faz com que se separem. Entre idas e vindas embaladas por tangos de Astor Piazzolla, instrumentais de Frank Zappa e “Paloma” de Caetano Veloso, eles tentam, a todo custo, serem felizes juntos, mas “Felizes Juntos” é apenas o título, uma grande ironia. Em Hong Kong o momento é de ebulição política, visto que foi em 97 que a ilha deixou de ser colônia britânica e passou ao domínio chinês, transição que as personagens acompanham apenas pelas televisões com chiado de seu pequeno quarto. O relacionamento do casal (que poderia muito bem ser o de qualquer casal hétero) parece com as portas que não fecham direito que muitas vezes aparecem no filme. Sempre há como se espreitar para o outro lado, na tentativa de ver, pelo menos uma vez, algo diferente.

Em “Amor a Flor da Pele”, Tony Leung Chiu-Wai é Chow, aspirante a escritor que é vizinho da secretária Li-Zhen (Maggie Cheung). Ambos são casados com pessoas totalmente ausentes (o que nos é passado pela falta do rosto das personagens, já que sempre os vemos de costas) e levam suas vidas como se fossem totalmente sós no mundo. Quando descobrem que seus esposos são amantes, Chow e Li-Zhen passam a se encontrar regularmente, para que ela o ajude a escrever seu livro, e o amor nasce entre os dois. Os encontros escondidos, as tentativas de que esconder dos outros vizinhos seu relacionamento não se justifica, pois eles resolvem não serem tão baixos quanto aqueles com quem casaram. São amantes apenas pela aventura dos encontros escondidos, das conversas sobre seus casamentos, e jamais por concretizam seus desejos. “Amor à flor da pele” é um dos mais belos romances já filmados, mesmo sem mostrar sequer um beijo.

Wong Kar-Wai inovou também na estética, com suas imagens sujas, cheias de neons, sua fotografia granulada ora em preto e branco ora em cores brilhantes, suas câmeras superlentas mostrando quadris femininos caminhando sensualmente, que logo são seguidas por câmeras super-rápidas que mostram uma Hong Kong, ou uma Buenos Aires, que nunca param. Tudo não passa de artifício para mostrar pessoas comuns, com amores medíocres, do tipo que realmente acontecem no dia-a-dia. Amores que de tão reais, com sua quase certeza de final infeliz, fazem dos espectadores cúmplices. Somos nós que estamos na tela, tendo de diferente apenas o formato dos olhos.

O AMOR SEGUNDO WONG KAR-WAI, pelo viés de Felipe Severo.

felipesevero@revistaovies.com

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