Ao invés de respostas, os fatos que vêm acontecendo desde o fim do ano passado e que se fortaleceram no início deste ano trazem mais dúvidas. Abarcar todos os problemas que ocorreram antes das insurreições (ou, como anteriormente utilizado, revoluções), os problemas suscitados por elas e os que ainda se apresentarão é tarefa das mais inglórias, ainda mais se levadas em conta as particularidades existentes em cada conflito e em cada país. Não há, por exemplo, como considerar as situações que ocorrem na Árabia Saudita, Egito e Líbia como fatos conjuntos sem cair na superficialidade.
Na edição brasileira de março do Le Monde Diplomatique vários textos questionam o futuro dos países árabes, tanto aqueles que permanecem em regimes fechados, como o Marrocos e a Árabia Saudita, quanto aqueles que se “libertaram”: Tunísia e Egito e aqueles que passam por conflitos essencialmente bélicos, como a Líbia e o Sudão. O questionamento mais necessário é: para onde recorrer depois de décadas de ditaduras? Quem pode representar o povo que saiu às ruas e às praças se os movimentos políticos contrários aos regimes foram extintos ou perderam suas principais forças?
Duas opções despontam nos países já “libertos”: as lideranças religiosas e os exércitos desses países. Há, quem sabe, uma terceira via: um movimento mais brando da sociedade civil que pode seguir os mais diversos ideais: de um regime nacionalista com viés socialista a um Estado neoliberal de livre mercado. Mas sem grandes representações, extinguidas pelas ditaduras, essas alternativas “civis” parecem pouco prováveis.
Diferente das ditaduras latino-americanas, os exércitos nos países árabes mantinham uma força independente do governo. Suas lideranças estavam satisfeitas com o regime, mas não o representavam em si. Assim, a injeção de verba estadunidense nas tropas egípcias não eram, primordialmente, pela manutenção do governo egípcio, por exemplo – mesmo que essa verba acabasse tendo também essa função -, mas pelo controle das lideranças das forças armadas, para que, saciados, os generais não iniciassem um motim contra o presidente Hosni Mubarak.
Assim, o exército do Egito manteve-se aliado ao ditador por comodismo, mas não aceitou controlar uma ofensiva contra os insurgentes. Esse exército acomodado não parece disposto a controlar por muito tempo um pais em crise, mesmo que essa disposição possa surgir a qualquer momento.
Por fim, a alternativa que coloca mais medo no establishment ocidental: uma República Islâmica. Na noite da última quinta-feira, em um debate sobre o tema em Santa Maria, o debatedor convidado José de Campos Ferreira, presidente do SINDISPREV/RS, comentou a situação vivida por estes países. Na sua visão, a força da religião nesses países tem como causa a falta de organizações fortes dos trabalhadores. Assim, as lideranças religiosas se consolidam como única força contrária ao regime ditatorial e, por consequência, única alternativa de “escape” das políticas implementadas por esses regimes.
TEMOR DO OCIDENTE
O medo ocidental do surgimento de uma República Islâmica não é à toa. A insatisfação popular no Irã liberal de 1979 levou ao que ele é hoje: uma república teocrática fundamentada nos preceitos do Corão. Essa política de Estado é combatida pelo Ocidente por desrespeitar os Direitos Humanos e por cercear direitos básicos como o da liberdade de expressão. Isso numa análise superficial desse conflito Ocidente imperialista x República Islâmica radical.
Por trás dessa “cruzada” humanista, há um outro interesse do Ocidente – a posíção nacionalista e independente de Teerã. Não por acaso os EUA se aliaram a Saddam Hussein na Guerra Irã-Iraque (1980-1988). E não à toa esses direitos irrevogáveis defendidos pelo Ocidente não são cobrados dos seus aliados, como a Arábia Saudita. Não é necessário reafirmar, assim, que esse suposto medo de regimes extremistas é, na verdade, um outro medo: de ver acordos comerciais e políticos sendo dissolvidos por regimes nacionalistas.
Em 1970 Kadhafi, com apenas 28 anos, torna-se líder da Revolução Líbia. Em mais de 40 anos à frente do país, tomou as mais diversas posições políticas, sempre resoluto. Não há mais como defender um ditador instituído por 40 anos, mas devem se levar em conta as motivações estrangeiras em tirá-lo do poder nesse momento conturbado na região. O maior deles não poderia deixar de ser o petróleo – a Líbia desponta como a oitava maior reserva desse recurso – e o momento, para os líderes ocidentais, é perfeito: voltar a ter controle total das reservas de petróleo líbias e escrever esta história como um gesto de apoio à “democracia”.
OFENSIVA NA LÍBIA
Não é a primeira vez que uma ofensiva liderada pelos EUA ataca a Líbia. Em 1986, por ordem do presidente Ronald Reagan, um ataque ao país foi lançado. A justificativa eram provas inquestionáveis da atuação do governo líbio em atentados terroristas na Europa. Em especial em um atentado a bomba em Berlim Ocidental.
O alvo da ofensiva era, claramente, o General Khadafi – chamado de ‘Cachorro Louco’ pelos generais e pelo presidente estadunidense – e as dependências de seu palácio foram bombardeadas várias vezes, matando uma de suas filhas adotivas e ferindo outros dois filhos do general. Dias mais tarde, a intervenção se encerrou sem sucesso e as investigações sobre o atentado em Berlim nunca provaram a participação da Líbia.
AS LIGAÇÕES ENTRE AS INSURREIÇÕES DO MUNDO ÁRABE E A CRISE MUNDIAL
José de Campos Ferreira, no debate da última quinta-feira, lembrou a ligação quase elementar entre os conflitos atuais e a Crise Mundial deflagrada em 2008: “Por que só agora ditaduras que tem 25, 30, 40 anos estão sendo questionadas? Por que só agora os trabalhadores, os estudantes e a juventude – que tem papel tão importante – vão às ruas e questionam isso? Por que isso não aconteceu antes? A resposta está na Crise Econômica. Há uma situação em que o imperialismo, o sistema financeiro, para sobreviver à Crise que vivemos, exige mais dos países, exige mais expropriações dos direitos. E isso chegou a uma situação limite no Oriente Médio e no Norte da África”.
Em outro ponto, José de Campos lembrou do fato da Democracia não ser a única demanda nesses países. Para ele, a insistência da mídia em dar as revoltas como encerradas tenta estabelecer que mudanças mais profundas não sejam pleiteadas e que, para os líderes mundiais como Estados Unidos, França e Inglaterra, a população deve ser reconduzida às suas casas e aos seus empregos para que demandas mais importantes sejam postas de lado, ficando apenas como marco futuro da revolução o “ato democrático do voto”.
De uma forma geral, pode-se considerar que o estopim das insurreições no mundo árabe são frutos de um processo que o mundo passa desde 2008. José de Campos Ferreira falou da proximidade das lutas no Mundo Árabe e no resto do mundo: “Se a gente for observar os processos que aconteceram e que desencadearam esses eventos no Norte da África e no Oriente Médio, nós vamos encontrar semelhanças muito grandes com os processos que desencadeiam as lutas que nós estamos travando aqui no Brasil e na América Latina nos últimos anos”.
Os conflitos no mundo árabe estão longe de ter fim e as perguntas por muito tempo ainda serão mais numerosas que as respostas.
REVOLTAS NO MUNDO ÁRABE: MAIS PERGUNTAS, POUCAS SOLUÇÕES, pelo viés de João Victor Moura
Ilustração pelo viés de Rafael Balbueno
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