A paranóia que nos oprime, os medos que nos sufocam. O que há de vir e o que foi o passado? Qual o tempo que temos, quanto tempo passou? Quem nos rodeia, quem devo ser, quem sou, quem és, quem são? Qual remédio tomar, qual emagrecedor usar, qual calmante abusar, como descobrir quais doenças temos, como saber o que realmente é verdade e o que realmente é mentira? Há verdade plena? Não? Então as mentiras são meias-verdades? Por que vocês são assim, por que não seguem a linha que está escrita? Mas onde está a linha?
Cagar verde, mijar sangue, viver duplamente, ter um dublê a vida inteira, viver metade sua vida e deixar que o dublê viva a outra metade. Deixar escapar as vontades próprias mais exalantes e entregá-las para que o dublê as viva pois assim saberás como seria e como pode ser?
Será? As pessoas nos procuram por medos, o que é o planeta terra, o que é a vida humana? Um poço escuro que percorremos até a morte ou uma passagem que pode ser vivida mesmo conhecendo-se o final? Sabemos o final? Não? Somos ou não diretores de nossas próprias vidas? Se nem mesmo das nossas conseguimos ser, será que da vida de outros conseguiríamos? Temos a tendência ao afastamento ou à aproximação? Queremos o pior dos outros. Queremos o melhor de poucos? E quem quer o quê de nós? Quem irei conhecer se cruzar a linha, se estender a mão, se beijar, se correr, se parar. E o que seria se às 7:44 da manhã eu morresse? E se tu morresses? O que viria depois? É melhor morrer agora por medo do futuro? Sim. Não. O quê? Como morrer? E o que será dos outros sem mim. Mas eles não necessitam de minha presença. O mundo é uma passagem. A passagem é onde encontramos outros em outras passagens.
Podemos administrar a vida? E a vida de dezenas? Sim. Não. Somos todos. Claro! Somos todos. Somos um pouco de cada um. Todos exalamos energias, todos temos sonhos. Cada janela, de cada casa, de cada edifício, de cada cidade, cada janela tem um sonho. E os sonhos dos sonhos dos outros um dia podem encontrar-se com nossos sonhos. Podemos viver sem ela, sem eles, sem alguém? O que você faria se amanhã alguém desaparecesse? Há como dirigir a vida? Há como escolher um caminho, não ter um filho, não querer que o filho seja alguém, não conseguir separar-se da vida de alguém que, em alguma passagem, cruzou por ti?
É. O mundo é estranho. Há os ateus, há os fervorosos. Há Deus. Não há Deus. Há futuro. Não há futuro. Há destino. Não há nada escrito.
Assista “Sinédoque, Nova York”. Aproveite. Ou vá apenas até a esquina.
Goste ou não de Charlie Kaufman, o roteirista admirado pelos textos de “Quero ser John Malkovich”, “Adaptação” e “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”. Seja um pouco o alter-ego de Philip Seymour Hoffman, apaixone-se por Adelle ou Hazel. Ou, como já disse, apenas viva o que há de se fazer. Vá até a esquina e volte.
Filme: Sinédoque, Nova York Direção: o mesmo roteirista de “Brilho eterno de uma mente sem lembranças Elenco: Catherine Keener, indicada ao Oscar por Melhor Atriz Coadjuvate em “Quero Ser John Malkovich”, Hope Davis, de “A vida secreta dos dentistas”, Samantha Morton, indicada ao Oscar por “Terra dos Sonhos”, Michelle Willians, de “Geração Prozac”, Dianne Wiest, indicada três vezes ao Oscar de atriz coadjuvante, Emily Watson, aclamada em “Ondas do Destino e Philip Saymour Hoffmann, vencedor do Oscar de Melhor Ator em Capote.
SINÉDOQUE, NOVA YORK, pelo viés de Bibiano Girard
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