Em 1167, o rei Henrique II da Inglaterra proibiu os ingleses de frequentarem a Universidade de Paris, na França, levando à criação da primeira instituição de ensino superior da Inglaterra – a Universidade de Oxford. Desde então, passando pela formação do Reino Unido em 1707 (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte), existem atualmente 165 higher education institutions (instituições de educação superior, como são chamadas).
Como na maior parte da Europa, a maioria das IES do Reino Unido são públicas e, até meados dos anos 1990, adotavam, como ainda se faz na maior parte do continente, o princípio de educação superior gratuita. Em 1997, o então primeiro-ministro conservador (tory) John Major lançou o Relatório Dearing (Dearing Report), em que propunha a cobrança de anuidades (tuition fees) dos alunos universitários para complementar os fundos anuais das instituições. Aprovada, a proposta virou lei e, a partir de 1998, os estudantes começaram a pagar mil libras por ano (algo em torno de R$ 2.700 por ano ou, para melhor compararmos ao Brasil, R$ 225 por mês para se estudar numa universidade pública).
O financiamento das universidades britânicas é um pouco diferente do das brasileiras. Por aqui, só uma parte dos fundos anuais (endowment) vem do governo e o restante provém de doações e contratos de serviços. O Relatório Dearing alegou que as instituições precisariam de £ 2 bilhões a mais para manter um nível acadêmico satisfatório nos próximos vinte anos. A solução encontrada pelo parlamento foi, pois, começar a cobrar dos estudantes. Apesar da decisão ser teoricamente aplicável a todos os países-membro do Reino Unido, os parlamentos nacionais têm certa autonomia sobre alguns assuntos. Tanto a Escócia como o País de Gales tentaram barrar a cobrança de anuidades, mas só o parlamento escocês conseguiu fazê-lo. Desde 2008, o princípio de educação superior gratuita se aplica nas universidades escocesas – somente aos estudantes deste país no entanto; estudantes de outros países do Reino Unido pagam anuidades, mesmo que menores que a média britânica.
Em 2003, o trabalhista (labour) Charles Clarke propôs que as anuidades fossem aumentadas para £ 3 mil por ano (R$ 8.000,00). Depois de a proposta ter quase causado uma crise dentro do Partido Trabalhista (Labour Party), a proposta foi aprovada e, a partir de 2004, os estudantes teriam de pagar três vezes mais para estudar numa instituição pública.
Em nove de novembro de 2009, um novo relatório foi aprovado. Liderado pelo crossbencher [nome dado àqueles que não são nem conservadores nem trabalhistas] Lorde Browne de Madingley, os resultados do estudo foram lançados em 12 de outubro de 2010. De acordo com o Relatório Browne, se as universidades britânicas quisessem manter sua excelência acadêmica, as bolsas e os empréstimos estudantis deveriam ser diminuídos e as anuidades, aumentadas. Logo em nove de dezembro de 2010, o parlamento consentiu às recomendações do relatório e aprovou as anuidades de £ 9 mil por ano (R$ 24.000,00) – um aumento de 900% em 12 anos.
Compreensivamente, o segundo aumento despertou a ira nos estudantes, levando-os às ruas desde então. As últimas manifestações ocorreram em Manchester e em Londres no último sábado, dia 29 de janeiro, pelas ruas de onde milhares de pessoas marcharam. Em ambas cidades, alguns manifestantes romperam a linha pacífica acordada e lançaram pedras contra a polícia e quebraram vidraças. Dezesseis pessoas foram presas em Manchester e seis em Londres.
O aumento nas anuidades, alegam os parlamentares favoráveis, é resultado da crise, que também afetou as universidades. Para os estudantes, não há lógica em triplicar o preço das anuidades de um serviço que, já de início, deveria ser gratuito. Algumas universidades endossam o aumento, a dizer que ele possibilitará uma educação “no estilo dos Estados Unidos”, onde as anuidades estão em torno de US$ 40 mil (R$ 67.000,00).
Uma das soluções encontradas para atenuar os efeitos do aumento foi chamada de graduation tax (imposto de graduação). Segundo a proposta, os estudantes só pagariam o total das anuidades após se formarem e só a partir do momento em que ganhassem £ 21 mil (R$ 56.700,00) por ano, algo como um salário de £ 1.750,00 (R$ 4.726,00). Somada à dívida, haveria correção monetária e juros de 2.2% ao ano, o que, segundo o periódico The Guardian, dobraria o valor total da educação superior. A dívida prescreveria em 30 anos. O presidente da União Nacional dos Estudantes (National Union of Students) Aaron Porter endossou a alternativa, o que o levou a ser alvo das manifestações do último sábado.
Os críticos dizem que o aumento diminuirá, logicamente, o acesso à educação superior no Reino Unido e levará os estudantes a considerar transferência para outras universidades europeias – como na Alemanha, onde a anuidade é de £ 420 (R$ 1.139,00) e na França, onde as universidades públicas são totalmente gratuitas. De qualquer maneira, os argumentos dos parlamentares favoráveis ao aumento são falhos, pois, mesmo que a crise tenha dificultado a situação financeira britânica, um aumento de 300% na anuidade não procede, ainda mais por se tratar de educação, um setor fundamental para a sociedade. O Reino Unido caminha ao encontro da política estadunidense pela qual a educação é uma mercadoria e se submete, como tal, às leis do mercado. Por aqui, enquanto isso, o parlamento tem uma digna pedra no sapato: a população, que segue nas ruas a protestar contra o aumento nas anuidades e, quiçá, contra qualquer cobrança para se estudar.
É PÚBLICA, MAS TEM QUE PAGAR MAIS, pelo viés de Gianlluca Simi
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