O documentário Objeto de desejo (Objectified, 2009), do diretor estadunidense Gary Hustwit, mostra a relação que nós, humanos, mantemos com os objetos e qual o papel dos desenhistas industriais – os designers – na provável criação dessa relação. São 75 minutos de, basicamente, entrevistas com desenhistas famosos, como Dieter Rams, Jonathan Ive e Karim Rashid.
Segundo os relatos do filme, os objetos têm duas dimensões: uma abstrata e uma concreta. O objeto concreto é uma ferramenta e data do período Paleolítico (2.500.000 a.C. até 10.000 a.C.), quando os hominídeos aprenderam a lascar as pedras. Uma ferramenta tem um papel específico: uma cadeira serve para sentar; uma faca, para cortar. Os verbos “funcionar” e “servir” resumem a dimensão concreta do objeto – a sua funcionalidade. O objeto abstrato não tem funcionalidade, é a concretização de um sentimento ou de um pensamento. A subjetividade, por mais contraditório que possa parecer, define a dimensão abstrata do objeto. Essas mesmas duas dimensões abrem a discussão entre artesanato (funcional e concreto) e arte (subjetiva e, na origem, abstrata).
Como um objeto que, em princípio, é uma ferramenta, torna-se uma obra de arte, como dizem os desenhistas? Não há dúvidas de que os desenhistas industriais de hoje se preocupem com a estética e com as sensações dos produtos que criam, mas qual é a evolução que fez com que uma coisa se tornasse contemplável pela forma e não pela função?
Por trás da relação entre coisas e sentimentos, está o capitalismo. Com o advento da indústria, surge a chance de se copiar algo infinitas vezes com o mínimo de distorção. Surge, aí, a produção em massa e, com ela, a necessidade de se venderem essas cópias – eis a publicidade. A indústria copia a coisa e a publicidade a vende.
Se fossem produzidas só as coisas necessárias, elas seriam racionalmente consumidas, mas a indústria cresceu e, com seu crescimento, veio a competição, a variar superficialmente produtos que fazem o mesmo. Vamos a um supermercado e vejamos quantas versões do mesmo produto existem. Todas elas servem para a mesma coisa, mas, mesmo assim, escolhemos uma no lugar da outra. Por quê? Porque a estratégia da publicidade é incitar sentimentos pelos produtos. Não só a publicidade faz isso, mas também o desenho industrial. O que o produto faz é tão importante quanto a forma que ele tem.
Transformar um sentimento a uma coisa chama-se reificação, mas poderia se chamar simplesmente coisificação, como talvez proponha o nome do documentário. Inclusive, nesse mesmo filme, é unânime entre os desenhistas entrevistados que desenhar ferramentas é, cada vez mais, fazer arte. Não basta que uma tesoura se encaixe melhor na mão e que sua lâmina dure mais, é preciso uma tesoura bonita – até mesmo mais: ela deve ser bela.
Parece apocalíptico, sentimentos nos objetos. Muitos se apoiam aí para justificar sua revolta com o materialismo do mundo atual, mas, que pessoa vive sem objetos? Os objetos, como ferramentas, são extensões das mãos, do próprio corpo – não somos capazes de serrar uma tábua sem um serrote; não conseguimos abrir uma garrafa de vinho sem um saca-rolha (ou uma faca, uma quina, alguns dentes fortes talvez). Os objetos, como arte, são uma extensão da mente, do retalho de sentimentos que carregam os seres humanos. O problema não são os objetos, mas os produtos meramente comercializáveis. A reificação é inerente ao ser humano: por isso temos tatuagens, bijuterias, roupas, enfeites. A exploração da reificação em prol do lucro é o problema.
Outro consenso entre os desenhistas entrevistados no filme é a revolução do computador nessa relação coisa-homem. O computador, coisa física, é uma plataforma para programas que expandem a mente humana – é possível criar realidades virtuais, que não são tocáveis, mas que, de certa maneira, existem. A partir de agora, como serão os novos objetos de desejo?
HOMEM E COISA, pelo viés de Gianlluca Simi
gianllucasimi@revistaovies.com
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