Vinte e sete dias depois do presidente da República colocar os pés em solo santamariense, dia 30 de setembro foi a vez do candidato ao governo gaúcho e ex-ministro do Governo Lula, Tarso Genro, que até o momento desta reportagem, com 90% dos votos apurados, tinha 54,2% dos votos válidos e não poderia ser mais alcançado pelos demais candidatos.
Os ares de uma vitória no primeiro turno surgiram semanas antes, mas o público, mesmo assim, fez questão de comparecer a qualquer envolvimento político com Tarso Genro.
Eram 17 horas de uma tarde ensolarada de fim de setembro. Santa Maria, no centro do estado do Rio Grande do Sul, respirava ares de eleições. Por onde se passava, bandeiras. Pelas vias, carros e ônibus de som. Uma chamada, porém, despertava nos ouvintes algo diferente: o candidato do Partido dos Trabalhadores ao governo do estado encerraria seu último dia de campanha institucional na cidade onde viveu por anos.
No início, cerca de cinquenta pessoas aguardavam pelo ainda candidato petista numa pequena rua da parte antiga da cidade. Dali, em caminhada, partiriam acompanhando o candidato e alguns aliados, como o candidato ao Senado, Paulo Paim (reeleito com a maioria dos votos dos gaúchos ao Senado), e a também candidata ao Senado, Abigail Pereira.
Porém, numa atitude bem pensada, a caminhada iniciou mais cedo, sem Tarso, e fez um trajeto diferente do estipulado inicialmente. A programação previa que os simpatizantes o acompanhassem pelo calçadão da cidade, espaço não muito largo, mas os assessores conduziram a população para a praça Saldanha Marinho, espaço adjacente porém mais aberto. Lá, as aproximadas cinquenta pessoas iniciais tornaram-se mais de mil. Um bandeiraço vermelho, amarelo e branco coloriu a sóbria Avenida Rio Branco com seus prédios antigos e alguns degradados. O microfone anunciava que em breve Tarso estaria entre o público.
Pelas sacadas e janelas pessoas a assistir. O trânsito ficou quase inviável e perigoso. Crianças, adultos, idosos, cães de rua acalorados com a movimentação, fotógrafos, assessores e políticos tomaram por completo o encontro da Rio Branco com a Rua Venâncio Aires. O sol se escondia e a espera aumentava. Entre os eleitores, uma senhora com óculos “Janis Joplin” e camiseta do Ozzy Ousborne eufórica balançava sua bandeira.
Eis que uma van estaciona por ali. O empurra-empurra foi geral e as câmeras da imprensa tiveram que ser levantadas para assegurar boas imagens e um cuidado especial. Quando a porta do carro se abriu, uma onda de gente foi literalmente empurrada. O povo parecia não se importar. O astro da tarde dava seus primeiros passos no asfalto santamariense. Os flashes reluziam e o povo cantava. Tarso era puxado por mãos desconhecidas e sorria para câmeras anônimas.
Clique nas imagens para ver a sessão especial da caminhada
O locutor, de cima de um trio elétrico amarelo estacionado entre a praça e o carro de onde Tarso descera, avisava com parcimônia de mestre de cerimônia que a caminhada aconteceria da seguinte forma: na frente, os candidatos. Atrás, depois de uma extensa faixa, o público. A imprensa poderia ir à frente entre os candidatos e um cano fino marrom que era segurado por dois seguranças de cada ponta. A calma do locutor era antagônica à vontade dos eleitores de verem seu candidato de perto. Mal foram dados dez passos e a faixa era pisoteada por milhares e o cano fino era amassado em pedacinhos. O chafariz fora o único ponto a não virar arquibancada, até porque ninguém ali estava a fim de molhar-se com a temperatura amena.
Porém, o povo em delírio deixava que belas cenas acontecessem. Uma senhora nos seus aproximados setenta anos pedia passagem e a onda vermelha abria. A senhora portadora de belos fios grisalhos sorria e ia de encontro a Tarso. Beijou o rosto do petista, apalpou o rosto do futuro governador e sumiu na multidão. Rapidamente uma mãe empurrava a cadeira de rodas da filha ansiosa para ver Paulo Paim. O mestre de cerimônia, agora, avisava com voz de leiloeiro: alô, gente, o Tarso está voltando aqui para o caminhão.
A imprensa fazia de tudo para burlar a multidão, mas correr era quase impossível. As pontas das bandeiras arcadas eram mastros coloridos em meio ao verde e cinza de uma praça em fim de tarde de primavera. Tarso tentava caminhar acompanhado de Abigail enquanto Beto Grill, vice do governador, assistia tudo de longe sorrindo e acenando. Paim, pelo jeito, era o astro da “banda” que mais se propunha a dar autógrafos e tirar fotos à la “eu e o Paim no Orkut”. A cada celular ou câmera digital que aparecia, o candidato ao Senado arcava os joelhos e aproximava o rosto do mais novo desconhecido. A juventude votante corria atrás.
Era chegada a hora dos candidatos subirem ao caminhão para os pronunciamentos. A multidão lá embaixo ovacionava cada palavra. O espírito partidário emanava nas vozes. Tarso abanava e cada um dos tantos retribuía.
A praça fizera-se para o que fora arquitetada. Uma verdadeira arena pública onde a política era discutida, aplaudida e cantada. Gritos de ordem ecoavam pelas ruas adjacentes e Tarso, de cima do trio elétrico amarelo, erguia as mãos e agradecia. Parecia que ali, naquela tarde não tão quente de setembro, as pesquisas tão questionadas demonstravam alguma força. Bandeiras de candidatos oposicionistas sumiram, algumas tremularam por mais alguns minutos, mas o amarelo, vermelho e branco eram as cores predominantes. Eram os últimos momentos de Tarso como candidato, e os primeiros momentos de uma quase certeza de Tarso governador do estado do Rio Grande do Sul.
Resta agora ao público presente esperar e ver se tanta baderna política valeu a pena. No saldo do acontecimento, duas baixas: uma faixa vermelha de plástico e um cano de PVC entortado.
FUROR POLÍTICO II – O ROSTO DA CAMINHADA DE TARSO, pelo viés de Bibiano Girard e Caren Rhoden
Repórteres: Caren Rhoden e Bibiano Girard
bibianogirard@revistaovies.com
carenrhoden@revistaovies.com
Bela matéria, pessoal, parabéns! Vcs captaram toda a emoção.