O TREZE DE MAIO EM SANTA MARIA

Mesmo fazendo parte de um estado considerado branco, Santa Maria tem, como uma das datas que se tornaram marcantes na história da cidade, o dia 13 de maio – em que se comemora a liberdade dos negros a partir da assinatura da Lei Áurea, pela Princesa Isabel em 1888. Faremos, portanto, um pequeno passeio pela Boca do Monte e visitaremos os lugares que levam a data de hoje no nome.

Começamos nossa caminhada na Rua Treze de Maio, onde se encontra a Casa que, por conta da localização, é homônima da rua. Doada pelo estado, a Casa Treze de Maio foi inaugurada em 2004 e passou a sediar a equipe que atuava junto ao Programa de Redução de Danos para o uso de drogas e à Política Municipal em HIV/AIDS em Santa Maria. Até 2002, essas ações organizavam-se de forma dispersa. O Centro de Tratamento e Assistência (CTA) também funciona na Casa Treze de Maio. Segundo a enfermeira e responsável pelo centro, Antônia Silveira de Oliveira, a casa atende quaisquer pessoas que precisem de acompanhamento médico ou que necessitam do teste sorológico para AIDS e para outras doenças sexualmente transmissíveis. O Exame pode ser feito anonimamente e é gratuito.

Continuando nosso trajeto, seguimos pela Avenida Rio Branco em direção à praça Saldanha Marinho. Ao chegarmos ao cruzamento com a Rua Silva Jardim, viramos à direita nessa rua, e nos conduzimos ao Museu Treze de Maio.

Em busca de um lugar de lazer e sociabilidade, em 13 de maio de 1903 – 15 anos após a abolição da escravatura –, 47 homens negros, funcionários da viação férrea de Santa Maria, reuniram-se para criar uma sociedade que levaria no nome a data de fundação. Na época, os espaços sociais não permitiam a entrada de negros e, em meio a esse contexto, surge o Clube Treze de Maio.

Museu Treze de Maio, na Rua Silva Jardim, Santa Maria. Foto: http://www.clubessociaisnegros.com.br/

Até a década de 60, que foi o auge do clube, somente negros eram aceitos no lugar. A partir da década de 80, o Clube começa a abrir as portas para outras etnias, o que, conforme a Diretora do Museu, Giane Escobar, fez com que muitos dos sócios do clube procurassem outros espaços. Dessa forma, há 10 anos, o Museu Treze de Maio foi criado com a missão de preservar a história do clube.

O Rio Grande do Sul é o estado onde tem o maior número de clubes negros. Hoje, o Treze de Maio faz parte de uma rede de clubes sociais negros intitulada Movimento Clubista, e está na gênese desse movimento, já que em 2006 aconteceu aqui o primeiro encontro nacional de clubes e sociedades negras.

A diretora menciona que o dia 13 de maio é uma data de reflexão. Mesmo que a consciência negra se comemore em 20 de novembro, não podemos esquecer que o clube foi criado no dia 13 e os fundadores da sociedade comemoravam esse dia. Giane complementa:

– Se passou quase um século e, a partir da década de 70, é que a comunidade negra tem um novo olhar para essa data. Hoje, se comemora o dia 20 de novembro porque acreditamos que a liberdade foi uma conquista da comunidade negra e não uma liberdade concedida. As insurreições, as revoltas, elas existiram muito antes do 13 de maio, por isso que, hoje, dentro de uma nova visão, se comemora o 20 de novembro e o 13 de maio é um dia de reflexão.

O Clube Treze de Maio comemora hoje 107 anos de existência e persistência – encerra Giane.

O nosso passeio por Santa Maria continua. Voltamos à Avenida Rio Branco e seguimos finalmente à praça Saldanha Marinho, onde se encontra o Theatro Treze de Maio.

O Theatro Treze de Maio foi inaugurado em 1890, a partir da idéia de um grupo de amigos liderados por João Daudt Filho. O nome foi escolhido em homenagem à Lei Áurea assinada pela Princesa Isabel em 1888 – o ano em que Daudt Filho idealizou o Teatro.

A partir da inauguração, o grupo de amigos criou muita expectativa de trazer as grandes operetas, pelo fato de que a estação ferroviária de Santa Maria vivia um momento de efervescência. Dessa forma, os grandes espetáculos que iam de São Paulo à Buenos Aires paravam na cidade, se apresentavam e seguiam viagem. Essa foi uma época cultural marcante que aconteceu até 1913.

Nesse ano, porém, o Teatro foi comprado pela Intendência do Município e o sentido do que era para ser um teatro foi desvirtuado. Em 1916, passa a abrigar a redação do Diário do Interior, o Foro da Cidade, a Biblioteca Pública e o Centro Cultural. O teatro já não recebia espetáculos.

Ficou quase que esquecido por muitos anos, até que, em 1989, quando Evandro Behr, que sonhava em resgatar o teatro, assumiu a prefeitura. Com o apoio do município, foi feita uma movimentação e, em 1993, foi criada a Associação dos Amigos do Theatro Treze de Maio que, em 1995, no mandato da segunda diretoria da associação, começou a fazer uma forte campanha para que o Teatro voltasse a funcionar. Ruth Sopher Péreyron, vice-presidente daquela diretoria e hoje diretora do teatro, comenta sobre essa campanha:

– Dezoito meses depois, a gente estava inaugurando. Os veículos de comunicação foram os principais motivos de nós conseguirmos nossa campanha, porque sem divulgação nada acontece. Então, foi feita uma forte movimentação de todos os veículos de comunicação e aí a gente fez a campanha “Seja Sócio da História”. O pessoal se associava e pagava, na época, 10 reais de mensalidade. Claro que ganhamos todos os estatutos. Foi tudo oficializado. Esses dois primeiros anos serviram para arrumar toda a parte administrativa, depois entramos forte na campanha para receber doações.

Em 26 de maio de 1997, o Teatro reinaugurava.

O prédio, desde sua inauguração em 1890, sofreu uma série de reformas. O interior era completamente diferente. Mas, como brinca dona Ruth, “a casquinha de fora ainda continua a mesma”. Hoje, ele é cedido pela prefeitura através de um convênio e o município deixa os encargos do prédio para a associação. Dessa forma, o Theatro Treze de Maio, há 13 anos, reconquistou o cenário cultural de Santa Maria.

Nossa viagem terminaria por aqui se o dia 13 de maio não tivesse mais comemorações. Para os católicos, essa foi a data em que, em 1917, houve a aparição da Virgem Maria na cidade de Fátima em Portugal. Com isso, os portugueses, que outrora escravizaram os negros, novamente se colocam em relação aos santa-marienses. Àqueles que crêem na santa, na verdade.

Visto por esse lado, o dia de hoje tem, em Santa Maria, a sua melhor representação. O dia 13 de maio, além de aproximar negros e lusitanos, aproxima a virgem Maria de Fátima da Santa Maria da Boca do Monte.

(Reportagem que foi ao ar no dia 13 de maio de 2010 no programa Na Boca do Monte da Rádio Universidade)

O TREZE DE MAIO EM SANTA MARIA, pelo viés do colaborador Gabriel Eduardo Bortulini

Para ler mais reportagens acesse nosso Acervo.

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