–publicado originalmente em 1989 na revista Visão-
Já passavam das oito horas da noite de ontem quando nossa reportagem chegou à casa do argentino Juan Carlos Hernandes, um dos foragidos por participação no famoso assalto à sede da CBF na Rua da Alfândega, no Rio de Janeiro.
No assalto, foi levada, entre outros itens, a Taça Jules Rimet, que a Seleção canarinho conquistou em definitivo na copa de 1970. Juntos com Juan Carlos, foram presos Francisco José Rocha Rivera, o Chico Barbudo, José Luiz Vieira da Silva, o Luiz Bigode e Sérgio Pereira Ayres, o Peralta, idealizador do assalto. Todos foram condenados pela justiça, mas fugiram. Peralta e Luiz Bigode continuam foragidos, Chico Barbudo foi assassinado em setembro deste ano numa briga de bar.
A versão oficial relata que o roubo que chocou o país foi orquestrado por Peralta, que em companhia de Bigode e Barbudo levaram do nono andar da CBF a taça de ouro maciço, que seria logo depois derretida na joalheria do argentino Juan Carlos. A taça desaparecia para sempre.
Juan Carlos, em um relato inédito, conta sua versão dos acontecimentos que levaram a sua prisão. Para ele, há muito a ser revelado.
EXCLUSIVO
Juan Carlos é argentino de nascimento e, mesmo depois de tantos anos no Brasil, ainda carrega forte sotaque castelhano. Na entrevista, que foi concedida sob a condição de não ser revelado o local do encontro, Juan Carlos falou de seu envolvimento com os condenados e de como foi obrigado a confessar sua participação no roubo.
Visão: Juan Carlos, durante todos esses anos você ficou foragido. Como você permanece em liberdade por tanto tempo?
Juan Carlos: Saio pouco, falo menos ainda. Consegui um bom dinheiro antes de ser preso, vivo com ele. Não preciso de muita coisa pra me virar, e se eu não falar nada ganho mais um dia. Desde a prisão minha vida foi assim. Pelo menos até agora.
V: Esse dinheiro estava aonde? Ele veio do ouro da taça Jules Rimet?
JC: Não existe isso de taça derretida. Toda essa história é muito mal contada, na verdade eu ganhei dinheiro com a taça sim, mas não foi derretendo. A taça nunca foi derretida. Ela tá muito bem escondida.
V: Qual o real paradeiro da taça?
JC: Aí que tá, essa história de taça derretida foi só jogo de cena. A taça tá muito bem escondida, e não está comigo, isso que eu te digo.
V: E esse dinheiro todo veio de onde?
JC: Meu silêncio. Meu silêncio foi comprado, fui pago pra dizer o que disse.
V: Você afirma que foi pago pra confessar o crime?
JC: Claro! Eu não tive escolha. A história já tava inventada e a taça tinha que desaparecer. Quer dizer, tinha que parecer que desapareceu, fui pago pra dizer que derreti a tal taça. Taça que eu nunca vi!
V: Pago por quem?
JC: Se eu soubesse não duraria muito tempo pra contar a história.
V: O Sr. quer dizer que foi pago por alguém, que não sabe quem, para assumir um roubo que não participou?
JC: Não, eu sabia do roubo, fui cúmplice sim, mas não conheço o comprador. Isso tudo é muito simples de entender. O Peralta foi contratado por um desses milionários e chamou os conhecidos dele pro roubo. Eu entrei só depois, por que precisavam de alguém pra dizer que derreteu a taça. E aqui no Brasil nada melhor que um argentino pra derreter a taça [risos]. Toda história foi muito bem inventada, o Setta [Antônio Setta, ladrão que entregou Peralta como o idealizador do assalto e chefe da quadrilha] foi comprado, e não foi por muito, provavelmente. Todo mundo foi comprado e até hoje ninguém falou sobre isso. Primeiro, eles só roubariam a taça, quando deu rolo com a polícia, tiveram que virar culpados de outra coisa, pra taça poder desaparecer e todo mundo acreditar.
V: Quem mais sabe disso?
JC: Todo mundo que tava lá no dia, eu não devia nem ta falando disso. O Chico morreu não faz muito, uma situação muito estranha, briga de bar. O Setta também já morreu [Antônio Setta morreu dois dias antes de depor sobre o caso, em dezembro de 1985, num acidente automotivo], tudo muito estranho. Eu só continuo aqui por que não disse nada até agora, mas não aguento mais ficar quieto, todo mundo achando que fui eu que derreti a taça.
V: O Sr. falou dos outros condenados como se os conhecessem bem. Qual o seu envolvimento com eles?
JC: Eu já conhecia a maioria deles, só não conhecia o Luiz Bigode. Os outros, eu não vou mentir pra você, já conhecia por que vez ou outra ganhava um dinheiro com negócios deles. Uma jóia aqui ou ali, um anel pra virar ouro. Nunca fui santo.
V: Juan, você acha que o Peralta conhece o comprador?
JC: Acho que sim. Conversei pouco com ele, e ele sofreu muito pra entregar os outros [Peralta teria passado três dias sem comer e sendo torturado pra entregar os comparsas, que na época não incluíam Juan Carlos]. Na verdade só ficou tranquilo quando soube que ganharia mais um dinheiro pra admitir tudo e ser preso. E eu fui pego só depois. Acertaram tudo e aí ele disse que eu também tinha participado.
V: Pra tudo isso acontecer, dessa maneira que você diz, o comprador teria que ter muito poder, não é?
JC: E tem. Com certeza não é qualquer um, tem que ser alguém com poder sufuciente pra comprar muita gente, com certeza.
Juan Carlos não aceitou responder mais nenhuma pergunta. Sua história intrigante ficava assim. Seu depoimento para um jornalista teria pouca credibilidade, afinal sem provas quem acreditaria em um criminoso?
“Esse texto é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com fatos ou pessoas reais não passa de mera coincidência.”
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“A TAÇA NUNCA FOI DERRETIDA”, pelo viés de João Victor Moura
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