somos livres? nascemos para sermos livres ou a liberdade é uma garantia, um direito, concedido pela constituição que rege o nosso país? a imprensa é livre? ela quer ser livre? aos interesses de quem a tal liberdade pode ou deve existir?
e o que dizer de uma país no qual a constituição passou a ser exemplo para todo o continente, que brada aos quatro cantos do mundo a necessidade da liberdade de imprensa, de expressão e de direito? ou mesmo que preza pela segurança de seus cidadãos, ao ponto de transformar uma nação inteira em um imenso conglomerado de obcecados pela ordem e pela segurança que nunca foi e nem nunca será o suficiente?
o estado garantiria o nosso direito de viver, constituir família, se expressar. resumidamente falando, de sermos cidadãos de direito. porém, as bases que sustentam a nossa atual e caótica sociedade civil são consolidadas em alicerces cada vez mais antagônicos – e famigerados.
o capital, o poder, a indústria. os novos demônios do século que passa por nós. os estados unidos da américa. tudo isso, misturado, é o plano maior da nossa história a seguir. uma empresa poderosíssima de tabaco, jornalistas pertencentes à emissoras de televisão com poderio imenso diante da opinião pública e um homem – apenas um homem – que sabia demais. a tônica da história de “o informante” (1999) é um produto difícil de engolir.
russell crowe e o excelente al pacino protagonizam, respectivamente, um consultor de uma poderosa indústria de tabaco norte-americana e um jornalista renomado de um respeitável programa de uma emissora televisiva igualmente respeitável. o primeiro, tem o azar tardio de ter trabalhado para uma indústria que durante anos consolidou as suas raízes no seio da sociedade consumista. formado em bioquímica, o consultor interpretado por crowe sabia demais. e por conta disso, é demitido sem que uma única explicação seja dada respeitosa e dignamente. a dignidade do mesmo, aliás, será terrivelmente afetada no decorrer da trama. al pacino é um daqueles jornalistas, que apesar das exigências sádicas do mercado, não subestimou ou mesmo perdeu aqueles ideais que bem que poderiam servir para todos os jornalistas.
todo e qualquer jornalista que se preze, ou ao menos que almeja atingir tal patamar, sabe que respeitar suas fontes é imprescindível na profissão. a relação que se estabelece entre a fonte e o repórter é sempre uma situação complicada, cheia de melindres e curvas. contornar nem sempre é fácil. pois da relação que surge entre o consultor e o repórter, que ao longo do filme notamos ser de puro respeito, é uma linha que interliga verdade e injustiça. desde que crowe (que interpreta um personagem verídico, wigand) é demitido e passa a conviver com a dúvida moral de delatar as mentiras e as impurezas de seus antigos patrões, ele é constantemente abordado por al pacino que acha que a sua história é mais do que um impasse entre empregado e patrão – é questão de saúde pública.
porém, o desenrolar da trama é revoltante. acabamos por perceber, frente a cortes rápidos e câmeras focadas nos rostos dos personagens, que quem vence não é a justiça. ao menos, no primeiro momento. não vamos estragar a história, mas saiba que se a sua intenção é acompanhar as duas horas e meia de “o informante”, prepare-se para momentos de repúdio, avaliação da própria consciência, revolta e conformismo vergonhoso.
vemos que um repórter que não baixa a cabeça para os trâmites da mídia poderosa e que um homem que só quer proteger a sua família acabam por ser espancados pela brutalidade da realidade frígida do mercado – mas para nos acalmar, permanecem fortes, vivos e o melhor – existem. continuam existindo. com suas feridas causadas pelas restrições àquela liberdade que seu estado de direito ditou reconhecer.
a verdade nem sempre é conveniente. temos que saber bem, assim como os personagens dessa trama incrível, que se queremos defender a ética, o compromisso e a nossa própria verdade precisaremos estar bem armados. e o mais importante de toda a lição, é que no final não existirá um estado, nem um patrão e nem mesmo uma família que garantirão que encostemos a cabeça no travesseiro para descansar em paz. é apenas o que mantemos coerente em nossos ideais e em nossa conduta que nos manterá vivos nessa selva que é o mundo.
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título original: the insider
direção: michael mann, o mesmo de ‘inimigos públicos‘ , ‘miami vice‘ e ‘colateral‘.
roteiro: eric roth (o mesmo de ‘munique‘ e ‘forrest gump‘) e marie brenner.
OS DESINFORMANTES E OS DESINFORMADOS, pelo viés de Nathália Costa
nathaliacosta@revistaovies.com