a campanha ficha-limpa lançou-se em abril de 2008.
seu objetivo: melhorar, se possível, o perfil dos candidatáveis. com a primeira ideia, foi elaborado um projeto de lei a partir de uma iniciativa popular que buscasse avaliar a chamada vida pregressa dos elegíveis. os critérios passariam a ser mais rígidos, aumentando os níveis seguros de inelegibilidade – ou seja, quem “está sujo” não pode se candidatar.
o PL (projeto de lei) precisava ser votado no congresso nacional para que se tornasse lei e valesse para todas as eleições no país. ano passado, o MCCE (movimento de combate à corrupção eleitoral) humildemente bateu à porta da câmara dos deputados e entregou o projeto de lei de iniciativa popular acompanhado de um milhão e trezentas mil assinaturas – o correspondente à 1% do eleitorado brasileiro. o presidente da câmara, michel temer, segurou o projeto e prometeu votação segura. o ocorrido, em 29 de setembro de 2009, só colheria frutos um pouco mais apetitosos um ano depois.
o MCCE diz que sua iniciativa partiu de uma necessidade da própria constituição federal, que atua desde 1988, de incluir novos critérios de inelegibilidades – considerando a tal vida pregressa dos candidatos. ao ser aprovado, o projeto de iniciativa popular de limpar as fichas alterará a lei complementar nº. 64, de 18 de maio de 1990, já existente, chamada lei das inelegibilidades.
a intenção é aumentar os riscos de candidaturas com passado sujo, de tornar ainda mais difícil que políticos possam circular livremente pelas câmaras e senado, sem responder efetivamente por seus atos. ao menos, é esta a principal intenção.
o projeto quer que as situações dos candidatáveis se tornem mais criteriosas:
serão impedidas de concorrer a cargos políticos pessoas condenadas em primeira ou única instância, ou denunciadas por tribunal em virtude de crimes ditos como graves: racismo, homicídio, estupro, tráfico de drogas e desvio de verbas públicas. os envolvidos serão afastados da vida pública até que se resolvam com a justiça criminal.
não escapam também aqueles parlamentares que fugirem da raia, abstendo-se de suas candidaturas para evitar possíveis processos por quebra de decoro parlamentar e desrespeito à constituição. serão condenados, também, políticos acusados de compra de votos ou de uso eleitoral da máquina administrativa.
o projeto quer que políticos condenados por órgãos colegiados – tribunal regional federal (TRF), superior tribunal de justiça (STJ), supremo tribunal federal (STF) ou tribunais de justiça estaduais – não possam disputar eleições. tais órgãos colegiados julgam pessoas em foro privilegiado ou recursos de pessoas sem foro.
entre pessoas com foro privilegiado estão presidente da república e vice, governadores e vices, deputados estaduais, federais e senadores, prefeitos, ministros do STF, STJ, tribunal superior eleitoral (TSE), tribunal superior do trabalho (TST), superior tribunal militar (STM) e tribunal de contas da união (TCU), ministros e comandantes das forças armadas, procurador geral da república e advogado geral da união, juízes e desembargadores.
no brasil, até que uma parcela considerável de políticos que cometeram crimes em primeira instância ou que respondem denúncias de crimes graves – tais como homicídios, violência sexual, tráfico de drogas – foram devidamente condenados. porém, pela legislação atual (até a aprovação da lei) tais fatos não são uma pedra no sapato da candidatura de algum deles. até o momento, somente os que foram condenados definitivamente é que estão impedidos de brilhar nos palanques. ainda assim, processos penais são capazes de durar uma eternidade, possibilitando que as candidaturas acontençam sem grandes dores de cabeça para o candidato.
algumas legendas se anteciparam à votação final e bateram o martelo: não queremos fichas-sujas, nem mal-lavadas. porém, o problema torna-se ainda maior para os partidos, uma vez que grande parte dos políticos que concorrem no país estão comprometidos com a lei. a dúvida que fica é: sobrarão candidatos de “porte” para disputar por seus partidos¿
os chamados caciques das legendas partidárias, aqueles que detêm grande poder em suas tribos eleitorais, estão comprometidos em sua maioria. como já foi dito, um número bastante extenso deles está com problemas na justiça. isso dificulta a vida dos partidos que querem barrar a entrada dos fichas-sujas, alegando não aceitá-los mais em suas legendas, porém mantém os bons e velhos corruptos de sempre. principalmente por tal motivo é que a sociedade civil deve cobrar ainda mais dos partidos. ou alguém acha que eles por eles resolverão o impasse¿
PV, PPS e DEM já se manifestaram totalmente a favor do projeto. PT, PSOL E PCB também.
marina silva, candidata à presidência da república pelo partido verde (PV), diz que barrar a entrada de candidatos em conflito com a lei (para o usar o termo mais politicamente correto) é manter a coerência do partido. ex-ministra do meio-ambiente, marina quer mostrar que seu partido também é sustentável.
o PSDB já afirmou veementemente que as portas estão fechadas para os corruptos. sérgio guerra, presidente da legenda e coordenador da campanha política do também candidato à presidência da república, josé serra, quer manter os corruptos longe do partido – porém, desdenha do assunto e vira para o lado quando questionado pela imprensa sobre os casos de corrupção existentes em seu partido. por exemplo, – governador da paraíba, cássio lima – condenado por compra de votos – distribuiu 3 milhões de reais em cheques para conquistar eleitores e foi cassado pelo tribunal superior eleitoral.
cristovam buarque, cujo lema de campanha sempre foi e sempre será a educação, faz exatamente igual aos outros – condena os fichas-sujas, mas deixa que eles passem quando estão do seu lado da legenda. é o caso de jackson lago, ex-governador do maranhão, PDT assim como buarque, porém cassado por abuso de poder em março deste ano.
o assunto beira à incoerência.
o democratas (DEM) ex-partido do então deposto, e também ex-governador de brasília, josé roberto arruda, manifesta uma preocupação maior do que os demais em mostrar que está fazendo a faxina dentro de casa. não é para menos, uma vez que a sigla enfrentou um dos maiores escândalos nacionais ao ser constantemente citada durante a operação caixa de pandora – que desmascarou os esquemas de corrupção do então governo de brasília. arruda foi o primeiro político a ser devidamente preso por corrupção – mesmo que sua prisão tenha durado apenas alguns dias…
por conta de tudo o que foi citado, o DEM agora corre atrás de formas de se mostrar bem mais elegível, limpo e sadio. é uma corrida contra o relógio para ver se o número de eleitores voltará a crescer depois de tudo.
eleito pela revista época como uma das cem pessoas mais influentes de 2009, demóstenes torres, atual presidente da comissão de constituição de justiça do senado, filiado ao DEM também, é rosto conhecido no partido. todos conhecem demóstenes. o próprio será relator do projeto ficha-limpa no senado, com o apoio do também conhecidíssimo josé sarney. o bigode mais famoso do maranhão, mais uma vez, alega defender a política nacional prometendo negociar com os partidos para a aprovação do projeto valer ainda para este ano – coisa que é bem difícil de acontecer ainda no pleito de 2010. porém, o mais difícil de acontecer já aconteceu – josé sarney defendendo um projeto que vai contra a corrupção. ao menos é o que ele diz: “é uma aspiração nacional, uma necessidade que amadureceu na consciência do país”.
demóstenes está indignado. se opõe à toda e qualquer corrupção, roubo, trombadinha ou malandragem nacional. para comprovar sua posição, o senador propõe endurecer o projeto ficha-limpa. para tanto, quer levar ao senado uma emenda à constituição federal que apaga da vida pública (no sentido de excluir) condenados em primeiro grau: “minhas proposta é bem mais severa que a da câmara!”, diz ele.
na sessão da terça-feira passada (11 de maio) deputados aprovaram o projeto na câmara sem maiores alterações. o projeto passou, digamos assim, da mesma forma com que foi votado na semana anterior – como foi proposto por josé eduardo cardozo (PT-SP).
agora, a proposta toma o rumo do senado. a intenção dos políticos, e da sociedade civil, é que o projeto seja votado o mais rápido possível para que possa valer ainda este ano. porém, há controvérsias. mesmo se for aprovado até junho, não há consenso no tribunal superior eleitoral.
quando o projeto cair nas mãos do presidente lula, e ser sancionado, é possível que ele possa valer ainda para 2010. mas os mais pessimistas dizem que o negócio só vai acontecer lá por 2012…
na mesma sessão de terça-feira, dois dos noves destaques foram tirados de votação. mais outros seis tiveram parecer contrário, após decisão dos deputados. o único que fomentou polêmica foi derrotado por 350 votos contra 2 a favor e duas abstenções. o destaque previa a exclusão de parte do texto-base do projeto que instituía crimes “contra o meio-ambiente e a saúde pública”. a exclusão foi proposta pela bancada ruralista.
porém, foi duro manter os políticos em casa. na semana anterior à votação, bancadas inteiras deixaram a votação na intenção de protelar os resultados. a bancada ruralista fez o que pode para adiar seu descontentamento. para ophir cavalcante, presidente da ordem dos advogados do brasil (OAB), os adiamentos são manobras e estratégias para não permitir que o projeto seja implantado ainda neste ano: “é o último suspiro dos agonizantes. quem perdeu manobrou para que as mudanças não valham para este ano”.
mas não adiantou grandes manobras. a votação teve de acontecer. agora, segue para o senado desde quarta-feira e tem como relator o próprio demóstenes torres.
michel temer comemorava o fato de a decisão ter demorado menos de duas horas: “a casa do povo respondeu positivamente à iniciativa popular”.
ophir se indispôs com o líder do governo no senado, romero jucá (PMDB-RR). jucá diz que o projeto não tem porquê ser votado em regime de urgência. ophir o acusa de usar de artimanhas para barrar a vitória do projeto. jucá declara, por exemplo, que medidas como a do pré-sal estão em níveis de maior importância. ophir não quer nem saber – jucá está barrando os verdadeiros interesses da sociedade em prol de interesses privados.
juristas ainda estão em discussão. mesmo que o projeto diga que a nova lei entra em vigor a partir de sua publicação, cada um interpreta o prazo-limite para a sanção do presidente. em outro momento de discórdia, juristas repensam a constitucionalidade do projeto: o projeto, de acordo com eles, fere o principio de que qualquer cidadão é considerado inocente até que se prove o contrário. o MCCE tem em seu site um espaço para a resposta de possíveis dúvidas com relação ao projeto.
já a OAB é mais otimista – alega que se o projeto for aprovado e sancionado até 10 de junho, ele valerá ainda para este ano. em pronunciamento no site, o MCCE diz não ter pressa – o que eles e a sociedade devem defender é o combate à corrupção e aos problemas em nossa justiça, demore o tempo que for. para o movimento, a medida não deve ser imediatista – deve é ser eficaz.
agora que o projeto caminha no senado ele precisa ser aprovado pelos senadores sem nenhuma alteração. dessa forma, os políticos serão julgados pelos colegiados. porém, atualmente, existem inquéritos e ações penais contra senadores (veja a lista aqui) que ainda não foram julgados. tal ação os mantém disponíveis para disputar eleições até o momento.
na câmara de deputados, onde de acordo com o transparência brasil, cerca de 200 deputados respondem a processos na justiça, também há ainda uma maioria que conseguira se eleger, se possível. jader barbalho (PMDB-PA) coleciona uma lista de seis ações penais, uma ação civil pública e dois inquéritos no supremo tribunal federal. apesar do seu vasto currículo, barbalho não foi condenado em nenhum deles e pode concorrer desempedido.
o currículo de neudo campos (PP-PR) é de dar inveja a barbalho: 10 ações penais e 10 inquéritos e liberdade total para concorrer também.
porém, nem tudo são flores nos caminhos pecaminosas da política nacional – a mesma sorte não tem o conhecido (principalmente dos paulistas) paulo maluf. ele não poderá concorrer caso o projeto seja aprovado pelo senado da mesma forma com que foi na câmara. é óbvio que maluf engrossa a fileira dos políticos contrários ao projeto.
vamos limpar de verdade, e não varrer para debaixo do tapete
eleitores atuais e possíveis eleitores também devem, e podem, acompanhar todo o processo pela internet. informe-se, converse, leia e releia e pense bastante antes de apertar o verde na urna. a limpeza deve partir da sociedade civil, bem como a cobrança que só poderá acontecer através da mesma.
acompanhe pelo twitter o #Ficha Limpa. e para quem quiser conferir, a lista de políticos que são contrários ao projeto.
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* Uma posição interessante: contrários ao projeto ficha-limpa também tem fortes posições. Marco Weissheimer, em seu blog RS URGENTE, tem um bom texto com posições contrárias. Confira também.
PROJETO FICHA LIMPA, pelo viés de Nathália Costa
nathaliacosta@revistaovies.com
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