Filho de uma terra longínqua, Ele carrega consigo cultura e costumes que vão se dissipando com o tempo e a distância. Fosse na Idade Antiga, carregaria também um punhado de seu chão para qualquer lugar, representando sua ligação com a terra natal. Não é Idade Antiga, e a ligação é cada vez mais fraca.
Filho de lugar nenhum agora, órfão de um chão para chamar de seu. Seu novo chão não é seu, sempre foi de outros. Seu velho chão vai se transformando e cada vez mais deixando de ser seu. Um filho do mundo perdido no mundo. Cria conexões com lugares quaisquer, na busca de um que não seja qualquer.
Talvez nunca mais se sinta filho de um chão, dono de um chão. Tomou a decisão de deixar o seu pra trás, quem mandou. Agora vaga por aí, sempre quieto, sempre procurando um destino que seja o final. As estradas são infinitas, os caminhos também. À noite tudo o que se vê são faróis de carro, e, com sorte, o luar.
Talvez Ele não precise de um chão e saiba disso. O mundo é o chão de todos, e o mundo é enorme. Não ter chão tem suas vantagens, diria Ele. Não ter chão é ter um pouquinho de cada chão, é viver, é conhecer. Mas quando Ele se vê em trânsito, de um chão que não lhe pertence para outro que também não, a solidão reaparece.
Por que essa necessidade de se mexer? Por que essa ânsia ao ficar parado, ficar igual? Por que mudar as coisas que virão ao invés de simplesmente deixá-las vir? Por que Ele tem tantas perguntas e nenhuma resposta? Só tem a estrada e a solidão. Talvez Ele seja louco. Talvez Ele seja uma pessoa normal em um mundo de loucos. Todos loucos, todos loucos, inclusive Ele, principalmente Ele.
A viagem pára. A viagem acaba. Ele retira sua bagagem e se agarra nela. Ela é tudo que ele tem. Ele pisa em um chão novo, diferente. Ele se agarra nesse chão, quer chamá-lo de seu. Mas ele só será seu por dias. Logo Ele partirá de novo, apenas com a bagagem e a solidão.
O SEM CHÃO, pelo viés de Mathias Rodrigues
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