O documentário Malvada Pinga, cachaça imaculada, dirigido por Alejandro Gedeón e Léa Zagury, traz um apanhado da história da cachaça. Genuinamente brasileira, a bebida nasceu por decorrência dos engenhos de açúcar introduzidos no Brasil. Em seu trajeto, já serviu para enganar o estômago dos escravos – abebida era mais barata do que comida e, por isso, os senhores a preferiam para a “alimentação” dos africanos – para movimentar regiões do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e dos estados do Nordeste. Também simbolizou resistência a Portugal (devido à proibição de sua fabricação na colônia).
Bebida tradicionalmente marginalizada, a cachaça sofre preconceito dos nativos: quem é alcoólatra ou passa da conta geralmente é chamado “cachaceiro” ou “pinguço”, mesmo que tome um porre de outra bebida, como lembra o filme. Enquanto levar um whisky para uma festa de um amigo é chique, levar uma cachaça é coisa não bem vista. No exterior, é apreciada pelos gringos – seja pura ou na famosa caipirinha. Garrafas da bebida (as raras, ou as de marcas mais tradicionais) podem custar até mil reais… Como diz um estrangeiro, no documentário, a bebida, em qualidade e sabor, pode ser superior à qualidade de um conhaque francês. Paladar à parte, falta reconhecimento de que a cachaça pode estar lado a lado da tequila mexicana, do whisky escocês, do rum cubano e da vodka russa.
Ao longo de pouco mais de uma hora de filme, ainda é abordada a questão polêmica do embate entre produtores artesanais e produtores industriais de cachaça. Impossível não reconhecer que o diferencial dos alambiques tradicionais deve ser devidamente reconhecido e destacado (nem que seja com dizeres “produto artesanal” estampados no rótulo das garrafas assim produzidas).
Hoje, espalhados pelo Brasil, há grupos como “Academia da Cachaça”, com membros vitalícios, “Confraria de Cachaça Copo Furado”, que tem como lema “Juntos beberemos. Sozinhos também”, museus com milhares de garrafas da bebida e bares especializados. Amante ou não da cachaça, o documentário induz à reflexão do espectador no que se refere à valorização do produto brasileiro, tanto pela história que o envolve, quanto pela qualidade inegável que ele alcançou em vários alambiques do país.
No documentário, pontos também para as animações – principalmente para aquelas que fazem as vezes de subtítulos e dividem os diversos tópicos do assunto “cachaça” – e para os depoimentos (muitas vezes bem humorados) de bebedores, entendidos do assunto e produtores.
A trilha sonora é tipicamente brasileira, com som de berimbaus, chocalhos, samba e canções populares.
ALERTA! Depois de Marvada Pinga, é impossível passar reto pelas prateleiras de cachaça dos mercados.
DICA! Se você for comprar uma delas e não tiver visto o filme, não se engane com os dizeres “envelhecida em barris de carvalho”. Conforme especialistas e críticos, o envelhecimento nessa madeira europeia não traz acrescenta nada de significativo para a bebida. Simplesmente aproxima o paladar da cachaça ao do uísque. Envelhecimento, no caso da cachaça, não é sinônimo de qualidade. E se o gosto aprecia o aguardente mais maduro, que seja aquele envelhecidos em madeiras brasileiras.