Muitos torcem o nariz quando ouvem falar em cinema-arte. As maiores acusações são de que os filmes são cansativos, não têm história ou não fazem sentido. Mas para mergulhar de cabeça em um filme-arte talvez antes seja preciso mergulhar primeiro dentro de si mesmo.
É isso que o filme “Gritos e Sussurros” nos pede. Ingmar Bergman cria uma história que pode parecer simples à princípio (três irmãs, sendo que uma delas está morrendo, e uma empregada vivendo juntas em uma mesma casa) , mas que vai se revelando de uma profundidade de dar medo.
Quatro mulheres possíveis:
*Agnes (Harriet Andersson), a irmã doente, visivelmente desconfortável dentro de seu próprio corpo e que não encontra a paz nem na morte.
*Maria (interpretada por Liv Ullmann, que era para Ingmar Bergman o que Penélope Cruz é para Almodóvar), uma mulher que não tem o mínimo peso na consciência de despertar sentimentos aos quais não é capaz de retribuir.
*Karin (Ingrid Thulin), a irmã aparentemente mais velha, que nutre um ódio por todos à sua volta e por si mesma.
*Anna (Kari Sylwan), a empregada solitária que transfere o carinho que sentia por sua filha morta para a enferma.
Os homens, nessa obra totalmente intimista, são meras figuras decorativas que não servem para nada a não ser como objetos de ódio e desejo das personagens femininas.
Com excessão da cena final, três cores predominam: preto, branco e vermelho. A última é a que ilumina os closes nos rostos das personagens, que as farão recordar cenas do passado, e que nos darão a impressão de que algo horrível está para acontecer.
“Gritos e Sussurros” não é um filme agradável de se ver. Depois de o assistirmos, não é excitação ou emoção que tomam conta, mas sim um total desconcerto. Bergman nos faz questionar o quão fortes são as relações baseadas em laços de família e o quanto o humano tem capacidade de enganar a si mesmo.
Filme: Gritos e Sussurros; Ano: o mesmo de “O Último Tango em Paris”; Direção: a mesmo de “Persona”; Produção: a mesma de “Face a Face” Elenco: Liv Ullman, de “Persona”; Kari Sylwan, de “Face a Face”; Harriet Andersson, de “Dogville”; Ingrid Thulin, de “O Rosto”
GRITOS E SUSSURROS, pelo viés de Felipe Severo
felipesevero@revistaovies.com
Cortante, perturbador, repleto de closes silenciosos com teor mórbido e erótico. Uma obra-prima que tem como destaque a fotografia e a arte primorosas, interpretações viscerais e uma concepção de som que não poderia exaltar melhor o próprio título!
A cena do corte do clítoris me deixou com um nó na garganta