O pedante comercial do Banco do Brasil diz que o nosso país está em evidência no mundo.Está mesmo, mas se está, não precisa dizer tanto. Estão em evidência também os conflitos árabe-israelenses, a bipolaridade das Coreias, a migração do leste Europeu recém-incluido na União Europeia, os frequentes golpes militares em Honduras.
Na América do Sul, começa-se a ouvir falar de uma organização que já tem 6 anos, a UNASUL: União das Nações da América do Sul. Filha da Comunidade Andina de Nações e do MERCOSUL e neta da União do Europeia, a UNASUL prega pela integração.
Longe de ser um assunto distante, a UNASUL é feita e gerida por pessoas como quaisquer outras. Mesmo por trás do abstratismo do Estado, estão pessoas – com histórias. A entrevista abaixo é a história de uma das pessoas que colaborou para a integração da América do Sul e sua valorizacão internacional.
Deisy Ventura nasceu e cresceu em Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul. Em meio aos livros do avô materno e aos especiais infantis que a mãe lhe dava mensalmente, Deisy velejou pelas aulas de teatro no Colégio Santa Maria e pelas rodas de violão e música da família. Cresceu com gosto em aprender. Na universidade, floresceu o gosto por também ensinar. Na UFSM, foi monitora, pesquisadora do CNPq e presidente do DCE.
Em 1992, mergulhou na UFSM por um lado diferente – tornou-se, aos 24 anos, professora universitária. Da convivência com colegas de área, em especial com seu ex-marido Ricardo Seitenfus, começou a se interessar pelo direito internacional. Isso, em contexto, à beira de o MERCOSUL ter sido criado. Depois de ter sido professora do curso de Direito e pró-reitora de Assuntos Estudantis, ingressou no mestrado em Integração Latino-Americana na UFSM – curso com cuja criação colaborou inclusive. Então mestra, Deisy partiu para um segundo mestrado, em Direito Comunitário e Europeu, numa das treze instituições que, juntas, compõem a prestigiosa Universidade de Paris, apelidada de Sorbonne em homenagem a seu fundador Robert de Sorbon. Logo em seguida, envolvida pela Paris “dos sentidos aguçados”, fez doutorado em Direito na mesma Sorbonne. Paris, aliás, é uma cidade que nunca se desvencilhará da história de Deisy. Foi lá que ela, além de aprender, ensinou: foi professora da Universidade de Paris III e do Instituto de Estudos Políticos de Paris, o aclamado Sciences-Po, experiência que ela mesma diz que, apesar de “ter exigido um trabalho intenso, […] foi uma delícia!”.
Deisy ainda foi colaboradora de duas universidades em Montevidéu, no Uruguai, durante o tempo em que foi consultora jurídica da Secretaria do MERCOSUL. Ao voltar para Santa Maria, nem tudo foi tão onírico, pois, diz ela, “não havia espaço para meus projetos ou eu não tive paciência para construi-los”. Depois de co-fundar a FADISMA, mudou-se para a UNISINOS e lá foi professora e pesquisadora até que, em 2008, quedou-se em São Paulo para ser professora do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da USP.
A época de universitária em Santa Maria não foi a melhor de sua vida: “ao contrário”, confessa, “mas aproveitei ao máximo a efervescência da Santa Maria da década de 1980”. Afinal, foi aqui que Deisy se interessou pela política e começou a procurar maneiras de “participar, de algum modo, da construção de uma nova cultura política e jurídica em nosso país”.
Depois de tanta experiências em Santa Maria e pelo mundo, Deisy se volta à boca do monte com carinho, onde ainda residem seus pais, sua irmã e muitos amigos. Dos passeios obrigatórios à CESMA que faz com seus sobrinhos quando está na cidade – já que são todos “loucos” pela livraria-café-teatro – às lembranças de infância, Deisy se refere à cidade como tendo “um imenso potencial, talvez prejudicado pelo provincianismo que contamina a atmosfera da cidade, mas mantido e desenvolvido por gente maravilhosa, de horizontes abertos, que nunca desiste”.
Dizem que um filho sempre à casa retorna e, enquanto Deisy o faz só de férias, seus patrícios, de nascimento ou de momento, reconhecem a antiga menina de 16 anos que conquistou Paris, Montevidéo e São Paulo, mas nunca se desligou da Santa Maria que aqui ficou.
revista o Viés: Qual é a tua história antes do curso de Direito?
Deisy Ventura: Minha infância foi marcada pelos livros de meu avô materno, a quem não conheci, mas me permitiu devorar muito cedo José de Alencar e Machado de Assis. Também me marcaram muito tanto os fascículos da coleção Grandes Pintores, como os livros infantis da Ediouro, que minha mãe encomendava pelo correio, e eu esperava ansiosamente a cada mês. Fiz teatro dos 9 aos 16 anos, no Colégio Santa Maria, e seguramente aquela foi uma das experiências mais felizes da minha vida. Paralelamente, as rodas de violão em família, as vozes lindas de minha mãe, minha irmã e minhas tias, e diversos dos meus tios e primos que tocavam muito bem, fizeram da música algo valioso e imprescindível para mim. Uma tia-avó e um primo que eram cantores líricos deixaram o gosto pela ópera e pela música erudita.
: Dizem que a faculdade são os melhores anos da vida. Foi assim contigo? O que te marcou nessa época?
DV: Comecei o Curso de Direito da UFSM com 16 anos. Não acho que seja a melhor fase da vida, ao contrário. No entanto, aproveitei ao máximo a efervescência da Santa Maria da década de 1980. Pessoas fascinantes cruzavam a cidade naquela época. Descobri os intelectuais, em sua riqueza e suas misérias, mas tive certeza de que a universidade era o mundo em que eu queria viver. Contagiei-me irreversivelmente pela paixão de aprender e ensinar. Fui monitora, pesquisadora do CNPq, representante discente nos conselhos superiores da UFSM, Presidente do Diretório Livre do Direito, Secretária-Geral e Presidente do DCE. Aliás, onde mais aprendi neste período, foi, por certo, no movimento estudantil. Depois dele, a política passou a ser um dos meus principais interesses, e decidi me tornar apta a participar, de algum modo, da construção de uma nova cultura política e jurídica em nosso país.
: Quão importante foram as experiências para ti?
DV: Tornei-me professora da UFSM, aos 24 anos, em 1992, quando há pouco se havia criado o Mercosul. Paulatinamente meus interesses foram migrando do direito constitucional e administrativo e da teoria do Estado para os temas internacionais, sobretudo pelo convívio com meu ex-marido e grande parceiro, Ricardo Seitenfus, que chegou à UFSM em 1993, e já era nesta época reconhecido como um dos grandes especialistas brasileiros em relações internacionais. Fomos muito felizes e fizemos coisas extraordinárias juntos. Para mim, o mestrado e o doutorado em Paris foram o momento da escolha clara pelo direito internacional. Mais tarde, a experiência na Secretaria do Mercosul, em Montevidéu, foi a privilegiada ocasião de participar concretamente de um processo que eu havia trabalhado teoricamente na tese. No entanto, Paris e Montevidéu significam para mim bem mais do que o êxito profissional: o tanto das culturas francesa e uruguaia que pude incorporar, e as amizades maravilhosas que lá deixei, são alguns dos maiores prazeres da minha existência.
: Como foi voltar para a UFSM?
DV: Voltar para Santa Maria foi muito difícil na esfera profissional. Não havia espaço para os meus projetos, ou eu não tive a paciência para construí-los. No entanto, no plano pessoal, sempre é maravilhoso estar perto de minha família. Meu pai, Nilson, foi goleiro do Coloradinho (por sinal, um grande jogador dos anos 1960-70), e depois funcionário da Exatoria Estadual até aposentar-se. Minha mãe, Eloah, foi professora de educação artística do Maneco (Colégio Manuel Ribas), até passar ao setor de informática da Delegacia de Educação, onde se aposentou. Hoje, ambos com 69 anos, vivem em Santa Maria: ela faz um belo trabalho de voluntariado na Catedral Diocesana, apresentando um programa semanal de rádio, e ele é faixa preta de taekwondo. Minha irmã, Andréa, e meu cunhado, Fábio, têm dois filhos lindos: Filipe, 12 anos, e Luísa, 10. Somos todos loucos pela CESMA, passeio certo da família quando estou em Santa Maria.
: Como foi ser parte da Secretaria do MERCOSUL e cátedra da Sorbonne?
DV: Trabalhar nas negociações do Mercosul foi uma experiência difícil mas extraordinária. Foi como uma grande prova final de todas as disciplinas jurídicas que eu havia cursado na vida, mas também um duro testemunho dos impasses políticos que cercam o processo. Conquistei a cátedra Simon Bolívar por meio de um concurso disputado que exigiu um trabalho intenso, mas confesso que dar aula no Instituto de Altos Estudos da América Latina da Sorbonne foi uma delícia! Na mesma época lecionei no Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po), em que os alunos são de uma capacidade extraordinária: vibrantes, cultos, politizados. Voltar como professora ao país onde estudei, cinco anos após o doutorado, foi um grande presente que a vida me deu.
: Como tu avalias a UFSM e a cidade de Santa Maria hoje?
DV: Um imenso potencial, talvez prejudicado pelo provincianismo que contamina a atmosfera da cidade, mas mantido e desenvolvido por gente maravilhosa, de horizontes abertos, que nunca desiste. Na medida do possível, ainda acompanho e admiro muito o trabalho de colegas queridos, como a Jânia Saldanha, o Juca (José Francisco Silva Dias) e o Jorge Cunha.
: Fale um pouco sobre os projetos de pesquisa que tu mantens na USP.
DV: O que me preocupa atualmente é a permeabilidade entre o direito internacional e o interno. Tenho escrito sobre as pandemias como manifestação deste fenômeno, e oriento teses que recortam esta temática em outros setores. No Instituto de Relações Internacionais da USP, eu coordeno três projetos. Um deles, de extensão universitária, chama-se Educar para o mundo. Trata-se de um projeto de educação para os direitos humanos por meio da difusão da cultura latinoamericana, sediado por uma escola municipal que possui 10% de alunos filhos de imigrantes bolivianos. Outro projeto é o PAREGI (Parlamentos Regionais), em convênio com o Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux, que dedica-se ao fenômeno dos parlamentos transnacionais. Também criamos este ano o IDEJUST (Grupo de Estudos sobre Internacionalização do Direito e Justiça de Transição), uma rede de instituições de todo o Brasil que trabalha, entre outros pontos, a influência do autoritarismo sobre a cultura jurídica do Brasil e dos países vizinhos.
Atualmente, Deisy Ventura é professora do programa de pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo. Ela mantém dois blogs: Educar para o Mundo e Direito e Arte.
LATINOS: ENTREVISTA COM DEISY VENTURA, pelo viés de Gianlluca Simi
gianllucasimi@revistaovies.com
Tive o imenso prazer de conhecer a professora Deisy num evento promovido pelo Curso de História, em 2007, aqui na UFSM. Ela foi chamada, às pressas, para substituir um palestrante do Rio de Janeiro. Não sei quem era o convidado inicial, mas a substituição foi providencial e interessante: Deisy chegou toda apresssada, num estilo que não pareceria combinar com o imaginário geral sobre uma professora doutora por Sorbonne; sentou-se e começou a falar, avisando que era um pouco de improviso. Entre troca de palavras em três idiomas diferentes (rsrs), já que ela havia estado em Paris e, logo depois, na Argentina (salvo engano), a professora Deisy fez uma das melhores palestras a que já pude assistir em minha curta vida acadêmica. Era tão intenso, profundo e interessante que o sono, comum àquela hora do dia (ou da noite), não veio. Nunca esqueci. Relê-la aqui no site foi muito bom, parabéns Gianlluca. Abraços.
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Gianlluca Simi
A entrevista já está devidamente impressa e colocada no meu acervo particular.
Sobre a entrevistada, sou suspeita para emitir tudo de bom que penso dela !
Cumprimentos. Saúde e Sucesso é o que te desejo.
Um abraço
Profa. Eloah
Sou mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, e preciso urgentemente falar com a Prof. Deisy. O tema da Minha Dissertação é ‘Da situação dos Particulares no Sistema de Solução de Controversias do Mercosul’ e em seu livro: LAS ASIMETRÍAS ENTRE EL MERCOSUR Y LA UNIÓN EUROPEA há uma informação que eu gostaria de esclarecer, já que há uma outra autora, a professora Lilian Moura, igualmente qualificada, que dá a mesma informação de forma aparentemente contraditória, acerca das controvérsias mercosul originadas em reclamações de particulares. Isso seria possível?
Grata
Prof.Eufrosina
Cara professora Eufrosina, o contato da professora Deisy está disponível no sítio do iRI da USP: http://www.iri.usp.br/.
Hoje, 7. Agosto. 2010, eu vi o video no “Estado de Sao Paulo” . Eu gosto descobrir as opinioes dos brasileiros “importantes” acerca a situacao geoestrategica (e geopolitica /economica ) contemporanea do “Sul” da America . Acho que o Brasil e o “Sul” da America tem sorte de contar com intelectuais que lutam para a “independencia” do “Sul” da America!
Adorei minha foto, nos tempos das “barricadas”…