Ou por que mesmo que a gente é feliz?
Estado de feliz
Sócrates já perambulava por Atenas pensando no assunto. Para os gregos, o profundo estado de contentamento era um presente dos deuses, ao acaso. O grande avanço do filósofo foi pensar na felicidade como um atributo que parte do próprio humano, e não da sorte. Mais um ponto para a filosofia.
E depois dos gregos, o resto foi percalço: os filósofos cristãos e a tentativa de conciliar o indivíduo e o divino, a moral medieval de afastamento do prazer e do hedonismo para a servidão. Felicidade, só a eterna. E aí vieram os franceses e a sua famosa Revolução: felicidade agora é direito.
Felicidade no dicionário é substantivo feminino para “qualidade ou estado de feliz, ventura ou contentamento. Sucesso e êxito”. Felicidade é um estado, suponhamos.
Ser feliz não é um processo estático, simplesmente um estado fixo. Não é como ser quieto, ser calmo, ser birrento. Ser feliz altera, modifica, desincorpora ao mesmo passo em que incorpora. É vivência e aprendizado, ou pura e simples satisfação.
Para simplificar, podemos dizer que a felicidade pode ser dividia em duas: a atual e a atemporal. Podemos nos sentir muito feliz quando finalizamos um extenso trabalho e conseguimos descansar, quando ficamos deitados sob o sol, ou quando nos permitimos a preguiça vez ou outra. Esse é um estado atual de felicidade, um sentimento de ventura diante de um fato que nos aconteceu e que nos produziu sensação. A felicidade atemporal, ou habitual, é justamente aquela que nos remete ao grau de satisfação que temos (com nossos relacionamentos, nosso emprego, nossa saúde ou qualquer coisa que seja realmente importante para nós). Vai daí a construção exata: se as pequenas coisas que vivemos todos os dias são devidamente valorizadas (boas risadas, um dia de sol, um almoço com os amigos) a conseqüência é a satisfação. Ser feliz é bem-estar. Estar feliz é emoção.
O termo ‘sucesso’, mesmo empregado no dicionário, talvez não seja aquilo que uma pessoa realmente feliz vai ter. Não é uma regra. Obter sucesso naquilo em que nos esforçamos é sempre recompensador. Porém, não é garantia. Aquilo que cada um faz por si mesmo na hora de decidir o que realmente vale a pena é que determina se estaremos mesmo satisfeitos com a vida. Ninguém consegue ser alegre o tempo inteiro. Estados de humor e de alegria misturam-se frequentemente com desânimo, desamparo e tristeza. Vale reconhecer: sair de uma emboscada emocional nos deixa sempre mais fortes e prontos para outra. Mas é preciso ver que mesmo que o poço não vá além do poço, é preciso sair dele.
Não é negando o sofrimento que alguém vai ser mais feliz. O engano que comumente cometemos é o de acreditar que a felicidade não tem brechas. Alguém que é feliz não pode estar triste? Esse é o jeito de aprimorar a nossa própria inteligência emocional: saber reconhecer que os momentos de tristeza não devem ser estigmatizados. A emoção é inerente ao ser humano. É o que nos faz humano. É a maneira que temos de comparar, sadiamente, o que nos faz bem e o que não nos faz tão bem assim…
Lado Coca-Cola da vida
Tá aí. Não adianta correr meu amigo. Viva você no interior ou na capital, tem sempre uma moça da margarina sorrindo de um outdoor para você. Os dentes dela são brancos o seu cabelo é sempre perfeito. É mãe e é moderna. De manhã não tem olheiras ou um pijama amassado. É uma camisa bem passada e filhos prontos para a escola, terminando um feliz café da manhã. Ok, a publicidade tem seu valor. Vale ver “coisa bonita”, diria a minha vó. Afinal, a gente quer ouvir um ‘bom dia’ e não um ‘vá pro inferno’ quando acorda. Mas o erro (que aponto humildemente) está na comparação. A nossa vida não é assim um café da manhã com margarina tal, felizsempre. As propagandas que nos chamam para a vida (e para os seus produtos, lógico) adotam o rigoroso método da comparação. Você só é feliz se dirige tal carro, se usa tal sandália, se come a tal da margarina ou se bebe Coca-Cola.
A satisfação também é atrelada ao consumo – dá noções pequenas de pertencimento e de grupo, de identidade e de saciedade. Suprime reivindicações, caracteriza, deixa os empresários e os comerciantes bem felizes também. O mercado fica feliz, o povo fica feliz. Mas não é assim tão trivial. Consumo é diferente de consumismo. A criação de uma identidade em volta das suas formas de consumir é sadia, mas a banalização da felicidade como um produto que pode ser comercializado acarreta em superficialidade e vazio.
Ser feliz é ter o que fazer
As facilidades propostas em seqüência por estes mesmos produtos que tanto nos seduzem e que tanto facilitaram a nossa vida podem contribuir para que a gente se sinta cada vez mais impotente. A diminuição gradual do esforço nos compromete. Nosso cérebro está acostumado a lidar com a ‘luta’ e a ‘gratificação’.
É mais simples do que parece: os casos de depressão (e de outras disfunções relacionadas ao humor) vem aumentado com o passar dos anos, quando que, coincidentemente, as pessoas passaram a desfrutar de uma maior comodidade. Para complicar a situação, pesquisas revelam que as gerações anteriores, que passaram por atribulações para a simples sobrevivência, eram mentalmente mais sadias. Como isso se explicaria?
A neurocientista e psicóloga Kelly Lambert desenvolveu uma teoria baseada nas áreas cerebrais que correspondem à base dos sintomas associados à depressão como a perda do prazer, por exemplo. As gerações anteriores evoluíram em condições em que era necessário o esforço físico para que se pudesse obter resultado. Isso acionou o cérebro de uma forma mais complexa do que se imagina: as sensações de bem-estar produzidas pelo esforço físico e pelo empenho enraizaram no nosso sistema cerebral. Hoje, sabe-se que grande parte da “comodidade” da vida moderna contribui para que esvaziemos essa sensação de recompensa (que se processa na rede accumbens-estriado-cortical, e que para os entendidos neurocientistas é a área em que processamos movimento, emoção e pensamento). Entende por que é tão importante que ao invés de você apertar o botãozinho da máquina de lavar louça, de vez em quando, seria melhor você mesmo dar uma boa limpada nos pratos?
Serotonina: o neurotransmissor do bem-estar
A serotonina é um importante neurotransmissor. Isto quer dizer que ela é uma molécula bastante envolvida na comunicação que acontece entre o seu cérebro e as suas células nervosas (os neurônios). Para que a serotonina exista ela precisa da ajudinha de um aminoácido chamado triptófano: utilizado pelo cérebro, juntamente com a vitamina B3 e outros, ele é responsável pela produção da serotonina. Além de atuar na produção, o triptófano também faz um bico pela promoção da sensação do bem-estar: induz o sono de forma natural, reduz a sensibilidade à dor, alivia enxaquecas e diminui um pouquinho a ansiedade. Além da serotonina, o organismo também produz outras substâncias como a endorfina e a dopamina, todas diretamente ligadas ao humor.
Comendo bem, que mal tem?
Pense na serotonina. Seu cérebro tem milhões de neurotransmissores e de química pulsante aí. E ele se alimenta também. Aquilo que você come é aquilo que você é. Todo o processo que existe dentro do seu organismo é complexo e relacionado, todas as partes sofrem com as suas escolhas. Inclusive o seu cérebro, claro.
O chocolate, por exemplo, é um alimento que mexe diretamente com a serotonina (a nossa amiga lá da comunicação cerebral e do controle do humor). A vontade que dá às vezes de comer um doce e de estar saciado após alimentar-se depende de uma região do cérebro chamada hipotálamo. Quando o nosso cérebro possui taxas equilibradas de serotonina, a vontade de comer doce e de estar saciado com aquilo que comemos são bem mais controladas. Por isso que muitos dos medicamentos que contém um controle de serotonina (como no caso do prozac) possuem uma dieta no pacote. Como já foi dito, para que a serotonina chegue aonde ela deve chegar ela precisa de um empurrãozinho do triptófano.
Alguns alimentos são ricos de triptófano (O Percussor da Serotonina): bananas (salve Carmen Miranda), tomates (que é fruta, né), o chocolate mesmo, e o vinho (a história da tacinha por dia tá valendo). Mesmo que o triptófano esteja presente em grande parte dos alimentos (como peixes, carnes e laticínios) acontece uma competição pesada entre ele e outros aminoácidos que estejam querendo entrar no organismo também. Sendo assim, alguns acabam sendo anulados algumas vezes (o que também ocorre com o triptófano). Mesmo assim, você poderá encontrá-lo em alimentos como o requeijão e o leite, a carne e o peixe, tâmaras e amendoins também – assim como em outros alimentos ricos em proteína. Podemos listar: arroz, feijão, nozes, castanhas, soja. Legumes e frutas, doce mel e alimentos integrais.
Existe uma corrente enorme de alimentos que podemos citar como “os ajudantes do bem-estar”. É preciso pensar em quantidade e em qualidade. Comer bem ajuda sempre. Autoestima, satisfação e saúde são requisitos básicos para que alguém se sinta feliz também. Dosar é o negócio: aquela gordurinha amiga, que faz a gente salivar, caí bem às vezes. Mas é preciso controle.
Prozac não é pipoca
Não estou aqui para listar as inúmeras facilidades da drogaria moderna. Existem remédios que afetam a química cerebral bem como os nossos neurotransmissores e os alimentos que ingerimos. O prozac é um dos medicamentos mais difundidos em tratamentos de disfunções do humor. Porém, não tem acontecido um controle exato desse sistema. É perigoso, e pode acarretar conseqüências piores das que estamos vivenciando. Remédios que podem ser consumidos com a mesma facilidade com que balas são consumidas alteram a nossa forma de vida: são princípios éticos, morais e bioquímicos que estão em jogo. Não é apenas tomar um remédio que prometa a felicidade. É ultrapassar a barreira da saúde do nosso corpo e do esforço pessoal e moral que realizamos diariamente.
Não podemos apenas acreditar que os avanços da ciência acontecem e agem de forma isolada. Terapias e meios alternativos que tratem disfunções psicológicas são muitíssimo necessários – acompanhadas de medicação, se for o caso. Os remédios não são um monstro moderno, mas precisam ser ingeridos com parcimônia.
Viver é o que interessa
Há quem diga que dinheiro traz felicidade sim – só que momentânea. Há quem defenda que despreocupar-se alivia a angústia e as tensões e nos torna mais felizes – mas há também quem diga que o descanso após a jornada de trabalho é o êxtase do dia. Há quem diga que estar sozinho não significa ser sozinho e que saber viver consigo mesmo é ser feliz – mas há os que defendem vivamente que os amigos e a família são o sentido de viver (e de ser feliz). Para o cérebro, a química do humor. Para a sociedade, o convívio. Para o indivíduo, a autoestima. O sucesso, a qualidade de vida, as adversidades, o chocolate, o prozac, a margarina, o terapeuta ou um bom amigo. Felicidade é como a grama verde do vizinho – há quem admire, há quem inveje. E há também quem procure plantar a sua.
Felicidade não tem receita médica, nem prazo de validade. Cada um é o alquimista do seu próprio bem-estar. Não dá pra dizer que o que é bom para um é bom para todos. Existem preceitos que se encaixam em qualquer ser humano. Mas a maneira de ser realmente feliz é um aprendizado contínuo. Seja o caminho ou o fim do caminho, o objetivo ou a busca, seja o que for, seja você mesmo feliz – do seu jeito.
CHOCOLATE, PROZAC E MARGARINA, pelo viés de Nathália Costa
nathaliacosta@revistaovies.com
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Parabéns, Nathália! Abordou todos os aspectos importantes da questão com muita competência e habilidade. Num país em que há histórico de incríveis abusos em usos de medicamentos, sempre vale lembrar que existem outras formas – e diversas – de tentarmos alcançar o tão sonhado bem estar. Se felicidade não existe, pelo menos, quem sabe, possamos aumentar a frequência de momentos felizes, tentando fazer um empenho maior em prol de viver melhor…Adorei e espero novas matérias suas. Abração!
Natália, parabéns pelo texto. Mas observo – e ressalto – que a questão da felicidade passa pela questão do repertório cultural de cada um. É aí que os princípios da publicidade e propaganda trabalham: na ausência de um discurso próprio, o indivíduo adota aquele que o cerca e manipula. No antigo Testamento (ou Talmude), as escrituras orientam que o conhecimento traz tristeza e “somente” os ditos sagrados devem ser a bússola dos comportamentos. Ou seja, a felicidade, ou a busca por ela, está na palavra de D’us. Em nenhum outro. Sem abordar outras questões, a felicidade está na verdade, na visão do mundo ou no conceito da própria vida em relação ao mundo. Veja bem: no mundo capitalista, a “felicidade” no consumo impulsiona a química biológica da felicidade e da sensação de prazer, da mesma forma que uma carola levita ao rezar o terço às 18h todos os dias. Sugiro que leias Schopenhauer, um pessimista, que adota relações de estado de felicidade, tal como “in abstrato” ou “in concreto”. A questão é saber o que é o quê para cada um. Felicidade é algo que se dissolve no ar (ou no líquido, como defende o picareta do Bauman)ou algo que garante seu bem-estar. O rompimento com o passado é duro, cruel, mas necessário para a evolução humana…é permanente, mas significa “quebrar” a felicidade anterior, ou a acomodação signica (apanho do marido, mas tenho uma vida estável, ele me sustenta e até transa comigo de vez em quando e/ou tenho um amante etec.etc…e tal). É isso.
chega de prozac só diazepan agora
massa a materia
Seu texto fez o meu dia mais feliz.
Ou não. Mas só de parar pra pensar nisso já valeu.
Parabéns, Nathalia! Bela reflexão sobre a felicidade, que, nunca é constante. O pior é ver que as pessoas não entendem que a vida também é feita de momentos de dor, tristeza, depressão e que também aprendemos nestes momentos. Na busca por uma felicidade ou para tratar “doenças”, que muitas vezes nem são doenças, as pessoas procuram pelo prozac, por exemplo, ou outros medicamentos, para que se sintam sempre dispostas, alegres e felizes, porque “cair em depressão” causa medo, stress. E o pior disso tudo é aquela utopia de que “um dia eu vou ser feliz”, quando eu tiver um “bom emprego”, uma família, uma estabilidade, um corpo desejável, uma casa própria, um carro…e aí a vida passa…Como se a felicidade estivesse ligada a estes tipos de valores. E concordo contigo: ninguém é feliz o tempo inteiro; a tristeza, a depressão, o desânimo, a falta de vontade de viver, são sentimentos humanos e próprios da vida.
Lindo o texto pela utilização da linguagem e abordagem…
Soubemos do teu potencial nossa amada… somos tua fã número 1, Parabéns pra ti e teus amigos… torcemos pelo sucesso de todos voces… beijos … aguardamos mais artigos… somos leitoras assiduas… hehehe
Nathália,
Gostamos muito da tua iniciativa!!
Você vai longe
Ler e escrever é a tua praia, acho que mais do que limpar a casa hehehe
Parabéns, tu tens futuro
Beijos, Elisa
odiei tudo!!!!!!!!!!!!!!não me ajudou em nada……………