O QUE REALMENTE ESTÁ ACONTECENDO NA OCUPAÇÃO DA GARE?

Não há nada acontecendo na Gare

No dia 19 de janeiro de 2013, o jornal Diário de Santa Maria publicou uma nota intitulada “Moradores terão de sair. E sem indenização”, referente à ocupação da Gare. Segundo a nota, a prefeitura já estaria fazendo o “reconhecimento” das famílias que moram na ocupação para abrir um processo de reintegração de posse. Ainda segundo o jornal, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul teria entendido que o local na verdade tratava-se de uma área verde, logo, que não poderia abrigar moradias e, com isso, a prefeitura teria ganhado “o direito de fazer a retirada dos moradores do local e, então, desenvolver o projeto do parque”, o Parque dos Ferroviários.

A notícia pegou os moradores da ocupação de surpresa. No dia seguinte à publicação da nota, um dos residentes da Gare disse que nenhum representante da Prefeitura havia estado na área e que não tinha sido informado a respeito de decisão judicial alguma.

E aí está a questão: na verdade não há decisão alguma a respeito da ocupação da Gare. Sequer existe um processo de reintegração de posse movido pela Prefeitura, quanto menos uma sentença favorável a ela, como fez crer a matéria publicada no Diário de Santa Maria. O título da matéria foi baseado numa entrevista com Anny Desconzi, a procuradora geral do município, sobre quais seriam os planos da Prefeitura para a área, e não sobre qual era a verdadeira situação legal da ocupação.

Ocupação da Gare (foto: Felipe Severo)

O histórico da Gare

Esse é mais um capítulo da longa disputa entre o Executivo municipal e as mais de cem famílias que residem na ocupação. A área ocupada pertencia anteriormente à rede ferroviária, que a cedeu à Prefeitura em troca do perdão de dívidas que possuía. Conforme a procuradora, o terreno seria transformado em um Parque dos Ferroviários, que, juntamente com a revitalização da Gare da Estação Férrea e da Vila Belga, transformaria toda a região em atrativo turístico da cidade.

Segundo Ricardo Jobim, advogado de algumas das famílias que residem na área da Gare, durante o período de eleições municipais de 2000, alguns vereadores ou candidatos a vereadores incentivaram a ocupação, com a promessa de regularizar a situação caso fossem eleitos. Com isso a ocupação cresceu e, em 2002 – ainda durante a gestão de Valdeci Oliveira – foi movida a primeira ação pela reintegração de posse.

A prefeitura ganhou a liminar, porém o Tribunal cassou-a após ver fotos de um encontro de negociação entre o prefeito Valdeci e moradores do local. A decisão deu-se pois o Tribunal entendeu que, já que a Prefeitura estava aberta para negociação, não havia urgência na retirada das famílias. Em 2012, após dez anos, o Tribunal de Justiça decidiu a favor das famílias desse processo, julgando que o direito à moradia é superior à necessidade da construção de um parque. Porém, desde que a primeira ação foi movida até os dias atuais, a Ocupação da Gare cresceu e hoje são essas novas famílias que estão sendo ameaçadas com um novo processo de reintegração de posse.

Para saber mais sobre as condições de moradia e de vida dos moradores do local, leia também “Lugar nobre não é lugar para Ocupação”, “Por trás da Gare” e “A ocupação da Gare e as questões que ela gera“.

A questão da Área Verde

Segundo a procuradora geral do município Anny Desconzi, a nova ação de reintegração de posse será aberta em breve e se encaixa na política de tolerância zero a ocupações adotada pela prefeitura: “Desde 2012 nós temos três leis municipais que definem a política habitacional do município de Santa Maria e inclusive de reintegração de posse. (…) É um projeto de governo, uma determinação do governo, de que nós não vamos permitir mais nenhuma intrusão. Isso era possível antes de nós termos uma legislação, mas agora a gente é muito rigoroso. Hoje a pessoa pode se cadastrar [nos programas de habitação do município].”

Um dos argumentos da Procuradoria do município é o de que a área da ocupação trata-se uma área verde, ou seja, um espaço urbano destinado a ter predomínio de vegetação, tal como um parque ou uma praça. Para a procuradora, por conta disso, o prefeito Cezar Schirmer se encontra impossibilitado de fazer a regularização da área. Segundo ela o Ministério Público Estadual estaria movendo ações de improbidade administrativa contra vários prefeitos por eles estarem utilizando áreas verdes com outros fins, que não os ecológicos. “O prefeito não pode, mesmo sendo chefe do Poder Executivo, dar outra destinação que não aquela prevista, que é um benefício para toda comunidade. No momento que tu transformas uma área verde em uma escola, por exemplo, tu estás tirando do cidadão o direito ao meio ambiente.”

O advogado dos moradores, Ricardo Jobim, afirma nunca ter visto documentação que provasse que aquela região é uma área verde: “Essa conversa de dizer que é área verde não é nova. E pela informação que eu tenho – uma informação extraoficial, mas de gente muito competente, a Elizabeth Moreira, que é uma profissional que entende tudo de situações urbanas do município – a Gare não é uma área verde. Começa por aí. Ela não é uma área verde, ao contrário do que a procuradora continua batendo. Eu já disse: ‘Me provem onde está a área verde!’ e até agora não me foi provado. Claro que eu não estou afirmando categoricamente que não é, mas até agora as informações que eu tenho dizem que não é área verde, então eu gostaria que isso fosse definido primeiro.”, diz ele.

A equipe da revista o Viés não encontrou nos documentos disponíveis no sítio da Secretaria do município nenhum mapa que aponte a região como área verde. Há, isso sim, um mapa que aponta que, de todo o território da ocupação, apenas uma pequena faixa no entorno do Arroio Cadena é uma Área de Preservação Permanente do município. Na ocasião da entrevista com a procuradora Anny Desconzi, pedimos o mapa que apontasse que a ocupação está sobre uma área verde, porém nos foi enviado posteriormente o mapa com o projeto do Parque dos Ferroviários. A equipe entrou em contato para desfazer o equívoco, mas até o momento não houve qualquer resposta.

Passarela utilizada pelos moradores da Gare (Foto: Felipe Severo)

A promessa de Schirmer

Durante a campanha eleitoral de 2008, o então candidato a prefeito Cezar Schirmer visitou a área da Ocupação da Gare. Na ocasião, Schirmer garantiu que, se assumisse o cargo, retiraria o pedido de reintegração de posse e faria a regularização fundiária do local. Como provas da promessa, os moradores guardam gravações em áudio e vídeo do dia da visita do então candidato.

Ricardo Jobim diz que os moradores já pensaram em usar as gravações para mobilizar a opinião pública da cidade, porém decidiram não ir adiante: “Olha só como a Gare está sendo tolerante com o prefeito! A Gare poderia fazer uma grande mobilização – e não fez até por recomendação minha. Isso era o que eles iam fazer, e eu disse que era muito cedo, pois a gente ainda quer a regularização, a gente não quer brigar com a Prefeitura. Mas a Gare estava organizando, por exemplo, um movimento para usar a própria voz do Cezar Schirmer no auto-falante, prometendo uma coisa que eles estão reclamando agora. Será que isso não causa desgaste? O que eu acho interessante sobre a Gare é que não precisa ir lá discutir e pedir alguma coisa para o Schirmer. É só usar a palavra dele! E com todo respeito ao prefeito – eu admiro o prefeito, pois têm várias outras questões em que ele é um ótimo gestor – mas essa questão da Gare não é uma opção. (…) Isso é a respeito de pessoas que acreditaram em uma promessa, investiram seu dinheiro e suas vidas nisso. Pessoas humildes que gastaram o que não tinham para fazer reformas, pois tinham a certeza que o prefeito cumpriria sua promessa.”

Quando perguntada sobre as gravações do prefeito Cezar Schirmer, a procuradora Anny Desconzi disse que jamais havia tido acesso ao vídeo: “Eu nunca vi, eu gostaria de ver! O prefeito disse que não existe! Por Deus que eu gostaria de ver!” O vídeo com a promessa do prefeito Cezar Schirmer está disponível no site do jornalista Claudemir Pereira desde 14 de junho de 2011. Assista abaixo:

Atualmente

Apesar da nota do Diário de Santa Maria, dizendo que os moradores da ocupação da Gare deverão sair sem indenização, não parece haver nada que aponte que esse será o caminho que os acontecimentos irão tomar de forma rápida.

“Não há novidade nenhuma [sobre a Gare]. Nem existe processo!”, diz Ricardo Jobim. “O que existiu, na verdade, é um título infeliz sobre uma declaração que o Diário de Santa Maria fez, de pegar meramente a palavra da procuradora e colocar como se fosse uma conseqüência certa. Não era! O que a procuradora do município quer fazer é retirar os moradores de lá. Até se compreende isso, não se tira o direito dela de defender o município ou o que o município acredita que deva fazer. Mas entre o que ela disse e o que foi publicado existe uma grande diferença.”

A matéria, no entanto, parece ter trabalhado a favor dos interesses da Prefeitura. Após a publicação, algumas famílias acabaram abandonando suas casas, por medo de serem despejadas de uma hora para outra. Outras se cadastraram para entrar nas longas filas dos programas de habitação do município. Enquanto isso, a Prefeitura divulga nos grandes meios de comunicação da cidade os projetos de revitalização da Gare e de construção do Parque dos Ferroviários. Mais uma vez haverá um confronto de desejos (e direitos): De um lado os da Prefeitura, de querer investir no Turismo na cidade, com a construção de um Parque; de outro os das mais de cem famílias que residem na Ocupação da Gare, de ter assegurado o direito mínimo à moradia. 

O QUE REALMENTE ESTÁ ACONTECENDO NA OCUPAÇÃO DA GARE?, pelo viés de Felipe Severo e a colaboração de Bibiano Girard

felipesevero@revistaovies.com

bibianogirard@revistaovies.com

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