O ano de eleições municipais começou cedo em Santa Maria. No fim de janeiro a Associação dos Transportadores Urbanos (ATU) já iniciava mais uma rodada de seu jogo político. Primeiramente cabia avisar e tornar claro um descontentamento com o valor da tarifa. Depois, fazer comparações, tentar comprovar – com tabelas, dados e planilhas – que um novo aumento é necessário e assim convencer a “opinião pública”. Aí então vinha a parte mais simples: convencer a maioria dos conselheiros do Conselho Municipal dos Transportes (CMT) e os representantes do poder público.
A pressa é grande. Na memória dos empresários, imagens de protestos inflamados e fechamento de ruas promovidas pelos estudantes, sempre linha de frente dos protestos contra o aumento. O momento oportuno para desestabilizar os estudantes, inimigos do aumento, tem prazo para acabar: as aulas da rede estadual e municipal de ensino começando no fim de fevereiro e as aulas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) iniciando algumas semanas depois, no início de março, o período de tranquilidade acaba justamente num feriado de carnaval.
Nada que não possa ser contornado pela ganância e pelo medo dos protestos. A decisão, que parece estranha a primeira vista, não deixa de ser a mais óbvia para os “estrategistas” da ATU: que se vote o aumento no feriado, entre um “mamãe eu quero” e outro!
A sexta-feira, 17, iniciava com uma reunião do CMT no Centro Administrativo Municipal. Ali se encaminhava, em regime de urgência, um novo cálculo da tarifa e era escolhido como relator do processo o representante do Sindicato dos Trabalhadores e Condutores de veículos rodoviários de Santa Maria e região (SITRACOVER). O prazo estabelecido pelo regimento interno do CMT estipulava 48 horas para que o relator apresentasse um parecer sobre o cálculo, marcando-se assim nova reunião do CMT para segunda-feira.
Como se sabe, segunda-feira não é feriado. Mesmo assim, é um dia marcado por uma morosidade de ressaca. Na cidade, o ponto facultativo das repartições públicas já deixa tudo menos movimentado. Juntando-se a isso os vários comércios e escritórios que também permaneciam fechados davam o ar de feriado na cidade.
Com o tempo correndo contra suas pretensões, a ATU pressionava por uma resolução rápida. Por outro lado, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFSM, com cadeira no Conselho, tentava de toda forma atrasar a decisão do CMT. Na segunda-feira a fração dos comerciantes que relutavam em dar aquele dia como perdido ainda abriam as portas e o CMT já se fechava no conforto refrigerado do SEST/SENAT. A decisão de levar o Conselho para aquele espaço era tática. Diferente do Centro Administrativo Municipal, encravado no Centro da cidade, o SEST/SENAT está localizado no bairro Nossa Senhora de Lourdes, em um beco sem saída, onde os protestos ganham menor visibilidade.
Dentro do Conselho representantes da prefeitura, da ATU, do DCE, do SITRACOVER, das empresas de transporte interdistrital, do Sindicato dos Taxistas (Sinditáxi), da Câmara de Comércio e Indústria de Santa Maria (CACISM), do Sindicato dos Contabilistas, da Associação de Proteção e Defesa do Consumidor, do Sindicato dos Comerciários e da União das Associações Comunitárias (UAC). No Centro da cidade, na Praça Saldanha Marinho, um pequeno grupo de manifestantes iniciava um protesto em clima de carnaval. Por certo tempo algumas esquinas da Avenida Rio Branco e o Viaduto Evandro Behr permaneceram fechados pelo grupo. Do Conselho no Sest/Senat as notícias não eram animadoras. Em uma manobra bem arquitetada, o pedido de vistas do relatório, feito pelo DCE, veio acompanhado de outro pedido de vistas, de Edmílson Gabardo. O pedido feito pelo DCE tinha um objetivo claro: adiar a decisão sobre o aumento por mais 72 horas, prazo máximo do pedido de vistas. O objetivo de Gabardo, representante da ATU, era impedir que a decisão fosse postergada por todo este tempo. Para tanto, Gabardo pediu apenas dez minutos para apresentar seu parecer do pedido de vistas.
O presidente do Conselho e representante da UAC, Rodrigo Lima dos Santos, o Rodrigão, decidiu que aquela era uma decisão que poderia ser tomada em votação. Rodrigão, ao tomar tal decisão, ainda diria que o fez daquela forma por ser ele “muito democrático”. A decisão estabeleceu como prazo máximo do pedido de vistas os dez minutos pretendidos por Gabardo, impedindo qualquer ação mais efetiva por parte do DCE. Passados os dez minutos, o Conselho seguiu um roteiro bem conhecido de outros carnavais (leia mais nas matérias NEGOCIANDO O DIREITO DE IR E VIR e ENTREVISTA COM O PROMOTOR ADEDE Y CASTRO): a votação sobre a validade do cálculo apresentado, que fixava o preço da passagem em R$2,54, foi vencida sem dificuldades pelos empresários, contra a população em geral, que só vê a tarifa subir e o transporte piorar, e os estudantes que iam às ruas em protesto.
Aprovado o aumento no CMT, a decisão final sempre é tomada pelo prefeito Cezar Schirmer (PMDB). O prefeito também aproveitava os dias de carnaval para descansar. Na volta para suas atividades, Schirmer tem todo o poder de negar o aumento, ou até de estabelecer um preço maior que o calculado.
Constituído por entidades que, muitas vezes, tem interesse no aumento da passagem, o CMT, de caráter consultivo, tem uma função bem clara: dividir a culpa do aumento no preço da tarifa. No entanto, cabe lembrar que cabe ao prefeito, e apenas a ele, tal decisão.
Cabe lembrar também que, em junho do ano passado, quando o Decreto Municipal nº63/2011 estabelecia em R$2,30 o preço da tarifa, algumas contrapartidas eram assinaladas pelo prefeito (leia mais sobre o aumento de R$2,20 para R$2,30 clicando aqui): “I. Dar continuidade à implementação da passagem integrada [leia mais sobre a passagem integrada clicando aqui] ; II. No prazo de 120 dias, apresentar projeto de implementação de condicionador de ar nos veículos de transporte coletivo de maior fluxo de passageiros e de maior percurso, detectados pela bilhetagem eletrônica; III. Dar ampla divulgação dos horários e frequências das linhas; e IV. Disponibilizar ao Poder Executivo Municipal, online, no prazo de até 90 dias, todas as informações resultantes da bilhetagem eletrônica, assim como todos os dados indispensáveis para a fiscalização e controle das operações […]”.
Destas, duas são pontuais, com prazos definidos e não cumpridos pelas empresas transportadoras. O estudo para instalação de ar-condicionado nas linhas mais movimentadas não foi entregue em 120 dias. No fim do ano passado, uma notificação da prefeitura relembrava a ATU de seus deveres. A entidade pediu então mais 90 dias para fazer a análise. Para que o estudo seja feito parece não haver pressa, diferentemente do aumento na tarifa ou da confecção de um parecer de pedido de vistas. A ATU mostra uma nova e curiosa face: a de senhora do tempo, capaz de postergar indefinidamente um período de 120 dias iniciado em 22 de junho de 2011 (de lá para cá são 243 dias!) e de escrever pareceres de vistas de um relatório em dez minutos.
Resta ao prefeito Cezar Schirmer decidir se permanece com a população, ainda de ressaca por conta do carnaval, ou com os empresários, senhores do tempo.
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TRANSPORTE PÚBLICO: SEGUNDA-FEIRA DE CINZAS, pelo viés de João Victor Moura
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