Que vivan los estudiantes, jardín de nuestra alegria. Son aves que no se asustan de animal ni policía. Y no le asustan las balas, ni el ladrar de la jauría. Caramba y zamba la cosa, qué viva la astronomía! Assim escreveu Violeta Parra no Chile de nuvens pesadas e horizontes de desfiladeiros. E assim, anos depois, o hino de Violeta seria honrado por seus compatrícios em pétalas vermelhas de sangue pelas calles resistindo à força covarde dos policiais armados e de um governo despótico. No final de junho, 400 mil pessoas se mobilizaram em seis cidades do país durante as manifestações convocadas pela Federação de Estudantes do Chile e pelo Colégio de Professores. Os jovens estudantes chilenos estão enfastiados, mas não igualmente amortizados.
Há mais de dois meses, cursar o ensino superior ou pretender cursá-lo é sinônimo de pertencer à classe insurgente de estridentes manifestantes pelas ruas. O aparelho educacional implantado pelo plano neoliberal de Augusto Pinochet, fundamentado no domínio privado, sustentou-se, com solavancos, até o dia em que as contas não mais fecharam e a juventude contestadora clarividente foi às ruas. A seiva dos jovens avessos à privatização do sistema educacional congregou milhares de caminhantes pelas principais avenidas do país. O movimento tem como bandeira o fim do lucro de instituições privadas sobre a educação, proibido pela legislação chilena, mas burlado através de brechas que o próprio governo concede. Outra reivindicação é que o Estado passe a ser responsável pela educação pública, atualmente sob cuidado dos municípios.
“É necessário fazer uma reforma profunda no modelo e não apenas uma maquiagem com algum dinheiro”, afirmou um dos participantes das passeatas organizadas em julho, as quais cada uma reuniu mais de 80 mil pessoas. Um dos principais pleitos é dar fim ao lucro na educação. Para os manifestantes, o lucro é o centro da desigualdade e da falta de qualidade do ensino, pois quando a educação é negócio vantajoso para todas as instituições, o interesse em qualidade cai absurdamente. Usando de brechas na legislação, as universidades privadas recebem arribes estatais e não pagam impostos. Com instituições particulares isentas de tributos, é evidente o déficit estatal para arcar com serviços públicos e quem sai prejudicado é o povo.
As manifestações de agora são seqüelas do neoliberalismo imposto por Pinochet. Na década de 1980, o governo apostou todas as cartas à abertura do setor privado, colocando a educação “na mesma sacola” do conceito de livre escolha proposto pelas teorias do neoliberalismo. As universidades privadas foram criadas e os recursos fiscais investidos na educação pública diminuíram drasticamente. De 7% do Produto Interno Bruto (PIB) no início da ditadura, Pinochet finalizou seu governo em 1990 aplicando somente 2,4% do PIB na educação. Cabe lembrar que na época Sebastián Piñera era conselheiro de Hernán Büchi, Ministro de Finanças do general Pinochet.
O resultado de uma década despudorada do capital privado sobre ocupações que necessitariam ser do Estado foi a degradação do ensino público. O aparelho de educação chileno tem caráter elitista, que segmenta e acende a disparidade entre quem pode ingressar no ensino superior pagando mensalidades e quem não pode. Estes últimos, no caso, conseguirão arcar com seu ensino somente sob empréstimos estatais com juros que comumente tornam o montante final impagável. A dívida dos chilenos começa na universidade.
Primeiramente, o governo de Sebastián Piñera (com popularidade baixa – 36%) avaliava as paralisações populares como simples manifestações anêmicas vulneráveis à pujança policial e à voz antidemocrática do presidente. Mas a juventude chilena, que precocemente em relação aos países vizinhos intuiu o desmazelo da privatização do sistema educacional, não consentiu serenar e prosseguiu nas ruas em busca de melhores condições de estudo. Com o ensino superior oneroso e consequentemente excludente, contornando para a expansão das privatizações, as ruas do Chile viraram canais do brado do povo amofinado com a negligência dos governantes.
No dia 28 de abril, a Confederação de Estudantes do Chile (CONFECH) convocou a primeira marcha nacional contra a privatização da educação. O Colégio de Professores emite todo apoio à causa. Em maio o magistério nacional adere à mobilização. Uma grande passeata é convocada para o dia 12. A CONFECH forma uma aliança com a Central Unitária dos Trabalhadores do Chile (CUT) contra as políticas educacionais do país. A Frente Ampla pela Educação, que reúne as principais organizações estudantis do país organiza-se e manifesta apoio e adesão à paralisação do dia 12. A partir deste dia, o movimento se transformaria em uma bola de neve. Na parada do dia 12, mais de 100 mil pessoas acompanharam os atos. Em junho, seria a vez dos funcionários das universidades aderirem às mobilizações.
Educação é um direito universal e não um produto estimável em dólares a serem pagos por quem almeja incluir-se ao ramo das ciências. Há mais de quatro décadas, a educação sofreu o golpe violento do ditador Pinochet, o qual abarcava a cobrança exorbitante pelos serviços educacionais que deveriam ser públicos e gratuitos, renegando à sociedade o ensino de caráter estatal. Até hoje, transpor a barreira capital imposta ao ensino leva milhares de chilenos a abandonar suas futuras carreiras ou até mesmo seu próprio país.
O último dia 4 de agosto foi mais um dia de tumultos suntuosos pelas ruas de Santiago. Treze barricadas foram erguidas em pontos proeminentes da cidade com pneus e pedaços de madeira em chamas. Enquanto os vagões do metrô aproximavam-se do centro da cidade, os maquinistas pediam aos passageiros que cerrassem as janelas para bloquear a passagem do cheiro intolerável de gás lacrimogêneo usado pelos policiais de Piñera contra os adolescentes e jovens rebelados. Mais de mil policiais e atiradores contra professores e estudantes do ensino superior e secundaristas. Sebastián Piñera, em caráter anticonstitucional e intransigente, vetou qualquer tipo de manifestação nas ruas. A deliberação governamental obrou como vento para alastrar fogo na palha. As mobilizações cresceram, vindas de vários cantos da cidade, formadas por diferentes grupos de jovens, associações, sindicatos e sociedades afins. Pelas estações do metrô, estudantes eram barrados.
“É um absoluto despropósito o que está fazendo o governo. Aqui há um movimento real e eles não podem reagir desta forma. A única coisa que estão fazendo é exacerbar mais os ânimos e vai haver uma radicalização ainda maior”, disse Jaime Gajardo, presidente do Colégio de Professores que havia chegado há pouco. “Estão tratando os jovens como delinqüentes e isso é falta de respeito. Nós somos estudantes, estudantes convictos de que atualmente é imprescindível mudar o Chile. Vamos seguir lutando, vamos seguir mobilizando-nos”, destacou Camilo Ballesteros, presidente da Federação de Estudantes da Universidade de Santiago do Chile.
Passado das 10 horas da manhã a Praça Itália deserta transpunha a ser arena de combate com o surgimento de centenas e mais centenas de estudantes que abrolhavam pelas alamedas. Ao longo do trajeto, os moradores da capital lançavam papéis picados das janelas e varandas e saíam às portas de suas casas batendo panelas em manifestações de apoio à causa dos estudantes. Conjuntos e entidades sociais juntavam-se ao ato, como a Agrupação Nacional de Empregados Fiscais (Anef), a Confederação dos Trabalhadores do Cobre (CTC), a Central Unitária dos Trabalhadores (CUT), o Sindicato Interempresas da Construção (Sintec) e a Confederação Nacional de Fundiários da Saúde Municipalizada (Confusam). Do lado oposto, a prepotência do governo, que publicara um documento “autorizando” a marcha até as 15 horas. Veículos lançadores d’água, armamento grosseiro e gás lacrimogêneo nas mãos dos policiais do governo. O verde dos milhares de guardas tentava evitar a aproximação dos manifestantes e a sequência dos motins que já perduravam por mais de dois meses.
Já no dia 5 de agosto a manifestação auferiu vulto de batalha. Os manifestantes atearam fogo na loja de departamentos La Polar, envolvida em um escândalo financeiro que teria sido camuflado pelo presidente do país. Horas antes, o canal privado Chilevisión fora ocupado pacificamente por 200 estudantes que tentavam entrar no ar para expressar suas demandas em favor do fortalecimento da educação. Era momento também de mostrar ao resto da sociedade que os “delinqüentes” das ruas eram na verdade estudantes rebelados por causa digna. Em outro ponto da cidade, populares avisavam: “foram os policiais que quebraram a cortina aqui (em um restaurante). Fizeram isso com o jato d’água. Que não coloquem a culpa, depois, nos estudantes, como falam na televisão”.
Até o final do dia, mais 552 pessoas seriam detidas. “Há 552 pessoas detidas por desordem pública, porte ilegal de armas e porte de artefatos explosivos”, declarou o subsecretário do Interior, Rodrigo UbillaMais. Na segunda-feira, 1º de agosto, o Ministro da Educação, Felipe Bulnes, havia entregado uma proposta de 21 pontos aos líderes das paralisações como forma de comprar de maneira pusilânime o silêncio da população. No mesmo momento estudantes erguiam barricadas com pneus em chamas em seis vias da capital, provocando alterações do trânsito na hora de maior movimento pela manhã. A polícia, por sua vez, surgiu com um carro blindado aparelhado de um jato de água e de bombas de gás lacrimogêneo. Próximo ao meio dia, mais 15 estudantes eram detidos. No dia 27 de junho outra grande barricada havia sido armada em frente à Universidade do Chile, na principal avenida da cidade.
“As marchas devem parar. É por isso que quero dizer, de forma ‘categórica e definitiva’, que nosso governo não autorizará novas passeatas estudantis”, afirmou o Ministro do Interior, Rodrigo Hinzpeter. Durante uma das maiores repressões por parte do governo contra as passeatas, em agosto, o governo consagrou-se de um decreto dos tempos de Pinochet para prender quase mil manifestantes. As autoridades davam neste momento o tiro pela culatra. Sete universidades rejeitariam, de forma “categórica e definitiva”, as 21 propostas. A Universidade Católica, por exemplo, em seu comunicado, mostrou-se “desiludida” com a proposta do executivo. “Os 21 tópicos oferecidos não estão nem à altura nem das expectativas geradas nem das necessidades do país”, declarou a direção. Além disso, o administrador da Universidade, Georgio Jackson, completou: “A ideia de marcha é que não apenas estudantes possam participar e não se manifestem apenas por temas da educação, mas sim pela crise no sistema completo”.
Em todo protesto há um cérebro que ruge, um braço que puxa o cordão, uma voz que canta a vontade do todo. No Chile, Camila Vallejo, de 23 anos, atual presidente da Federação Estudantil da Universidade do Chile (Fech) deliberou entusiasmada para centenas de milhares em diversos protestos que ninguém poderia reprimi-los por reunirem-se em espaços públicos. Ao contrário do que ocorre com a União Nacional dos Estudantes do Brasil, por exemplo, a Fech de Camila fez uma multidão de mais de 150 mil pessoas colocarem em xeque a presidência e a prepotência de Sebastián pelas falhas cometidas na educação. Camila mobilizou e liderou desde o primeiro momento, ainda em abril, o movimento que abala o país latino. Além de estudante de Geografia, Camila atua há cinco anos na Juventude Comunista. Camila esclareceu que os objetivos das manifestações eram “reafirmar nosso compromisso de seguir adiante e continuar levantando nossas demandas que vão no sentido da cidadania, por um sistema de educação pública de qualidade, democrático e pluralista”.
Na última pesquisa divulgada no Chile, o governo Piñera já estava com uma avaliação pior do que antes dos protestos – 30%. Os números talvez comprovem que a sociedade chilena, em sua grande maioria, prefere os panelaços aos despotismos de um presidente eleito pela fama de empresário que conquistou, principalmente durante os anos negros e silenciosos de Pinochet.
ME GUSTAN LOS ESTUDIANTES, pelo viés de Bibiano Girard
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