A DITADURA IGNORADA

Desenho de Rafael Balbueno

Mais nenhum ditador precisará cair para que 2011 fique marcado pelos movimentos que tomaram as ruas do Oriente Médio e do Norte da África. Vivemos um momento histórico, sem dúvida. É tempo de mudança. Uma mudança que inunda praças e ruas. O fim da história, anunciada por teóricos da “pós-modernidade” desde a queda do Muro de Berlim, está longe de ser real.

Ultrapassamos apenas o fim de mais um de seus capítulos, que nos mantinha inertes diante do avanço do neoliberalismo. O povo voltou às ruas, em busca dos direitos que viu perder ao longo dos anos. Direito de justiça, de autonomia e de liberdade. Não importa se as lutas são políticas, classistas ou estudantis. O tempo de rebelião voltou como nunca.

O EXEMPLO ÁRABE

Não há como negar que, se hoje vivemos um momento de intensas lutas no Brasil e em várias partes do mundo, existe uma ligação e um sentimento de pertencimento nas insurreições no Mundo Árabe.

Como um prelúdio do que viria em 2011, um homem ateou fogo no próprio corpo ainda em dezembro de 2010, na Tunísia. Uma demonstração de extremo desespero que serviu de motivação para as manifestações que viriam. Em uma sociedade que vivia de cabeça baixa, a atitude de um só homem fez o povo se rebelar. E este povo que se rebelava tornou-se o exemplo para muitos outros povos insatisfeitos, que viram na força de cada um, de cada indivíduo,o meio de ação primordial.

Os capítulos posteriores são conhecidos: a queda do ditador tunisiano Ben Ali, a subsequente queda do egípcio Mubarak e a rebelião deflagrada em outras partes do planeta. Na Espanha, Grécia e até nos Estados Unidos, manifestações populares tomaram as ruas. Agora não mais contra a ditadura posta, mas por aquela invisível, cotidiana.

Para alguns a simples saída da inércia e o entendimento da situação atual já é por si só uma vitória. Para outros, só a vitória interessa. Mas, no nosso tempo, há de se refletir o que seria uma vitória.

TRANSPONDO BARREIRAS

Como podemos pensar que a “história acabou” se ainda vivemos em um mundo de ditaduras e invasões? Muitos são os povos ainda oprimidos por regimes que não os reconhece e que não são por eles reconhecidos. A luta pela igualdade e pelo fim das opressões, coletivas ou individuais, está só no começo.

E o que dizer destes povos ainda oprimidos? Como lhes dar voz? Como aceitá-los em suas crenças e atitudes? Para o homem branco, médio e cristão será tão inaceitável atos terroristas contra as opressões quanto o povo batendo panelas e fechando o trânsito. O sistema lhe tornou inerte, desalmado. O tornou mais um paladino dos bons costumes estéreis.

A DITADURA IGNORADA, UM COMEÇO DE GUERRAS

Os mandos e desmandos de povos ocidentais sobre outros povos não tem data de início. Sejam os poderosos romanos ou o Império Britânico. Uma história completa das opressões na Palestina, por exemplo, teria que começar antes do nascimento de Cristo. Avançando pelos séculos, chegaríamos ao domínio britânico e ao crescimento do Sionismo judeu.

Uma das frases de efeito sionista era: “Uma terra sem povo, para um povo sem terra”. O slogan caía bem para os judeus europeus e russos, discriminados em seus países. Milhares de judeus emigraram para a Palestina ainda sob Mandato Britânico. Com a deflagração da Segunda Guerra e o Holocausto nazista, os ânimos se exaltaram e o Reino Unido, destruído pela guerra, passa a responsabilidade da Palestina às Nações Unidas.

De uma guerra fez-se um Estado: Israel é então criado em uma reunião da ONU, em 1948. E de um Estado fez-se uma guerra: a chamada Guerra Árabe-Israelense (Guerra da Independência para os israelenses, Nakba [“a catástrofe”] para os palestinos) tem seu início, no mesmo ano.

A força de Israel, financiado pelos Estados Unidos, é muito maior que de todos os outros países envolvidos no conflito. Além disso, os palestinos, órfãos de um nação, não tinham recursos suficientes para se defenderem sozinhos. Durante a Guerra, milhares de palestinos se refugiaram em países vizinhos e após o fim do conflito, com vitória israelense, foram proibidos de retornarem – à bala se fez uma terra sem povo.

Os conflitos entre palestinos e israelenses de 1947 em diante são incontáveis. De pequenas rebeliões até a Guerra dos Seis Dias e as invasões israelenses no Líbano.

A DITADURA IGNORADA, HOJE

Os conflitos não cessaram. Seguem ocorrendo até hoje. O avanço israelense pode parecer encerrado, mas segue em todo o território palestino. Parece que, hoje, não se pode mais discutir a existência de Israel sem que o interlocutor desse questionamento não seja considerado anti-semita e, até, nazista já que a existência de Israel está posta.

No entanto, se não podemos questionar a existência do Estado judeu, acabamos por negar a um povo, por séculos subjugado, a sua igual necessidade de existir como nação. Deixou-se de lado, por anos, a ajuda militar americana dada ao Egito por um único motivo, manter as fronteiras da Faixa de Gaza sob júdice ocidental e, por consequência, israelense.

É preciso transpor fronteiras. E barreiras. É preciso questionar a existência de um Estado judeu quando esse Estado nega a existência de um povo desprovido de sua própria nação. É preciso questionar quem, nesse momento e há muitos anos, é o Estado fascista. Murcharão as flores da primavera árabe e não veremos um Estado Palestino?

A DITADURA IGNORADA, pelo viés de João Victor Moura

joavictormoura@revistaovies.com

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