“Pedimos aos colegas municipários que não tomem nenhuma decisão precipitada. A secretária não tem como nos colocar nenhum tipo de represália. Estamos aqui por toda a sociedade que nos apóia. Nós temos a obrigação de fazer esse movimento vitorioso e lutar por todos os colegas que paralisaram pelo o que é direito do trabalhador e da trabalhadora. E eu quero deixar a nossa solidariedade com as escolas municipais que estão sucateadas neste governo, quero também deixar a nossa solidariedade às técnicas em Nutrição, que passam o dia trabalhando indo de uma escola para outra, fazendo o trabalho de duas. Até à luta e até à vitória!”
Assim terminava mais um discurso nas escadarias da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, na Praça Montevidéu, segunda-feira, 23 de maio. Abaixo de tempo nublado, chuvisco e, às vezes, pingos mais grossos, Silvana Conti, diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Mario Quintana, conclamava a todos os colegas municipários presentes para seguir a luta recém iniciada.
Desde o dia 16 de maio, a classe trabalhadora municipal de Porto Alegre sustenta uma longa discussão com a prefeitura, até agora desonesta com os manifestantes, que reivindica um reajuste salarial de 18% e ampliação do vale-alimentação de R$ 12,00 para R$ 18,00. Na segunda-feira (23) mais de duas mil pessoas aglomeraram-se sob guarda-chuvas em frente ao Paço Municipal munidos de cartazes, panfletos, adesivos, apitos, faixas e vaias. A pressão contra a prefeitura aumentava a cada momento. Um tipo de “rádio” fora montada para informar aos presentes cada novidade daquela manhã.
– A notícia que eu recebo agora é que a Escola Monte Cristo parou totalmente! – Aplausos e apitaço marcavam cada final da fala dos “comunicadores” da manifestação.
Entre intervalos curtos, desde as dez horas da manhã, avisos procedidos dos quatro cantos da cidade anunciavam a paralisação de escolas, postos de saúde, serviço de coleta de lixo e do Hospital de Pronto Socorro (HPS), referência no atendimento de urgências e emergências da capital, da região metropolitana e de todo o estado. Contudo, os municipários profissionais trabalhadores do HPS fizeram uma barricada em frente ao hospital, não se deslocando à Praça Montevidéu, pois poderiam surgir casos de urgência.
Por parte da prefeitura, a partir do secretário municipal de Coordenação Política e Governança Local, Cezar Busatto, a única declaração até o momento desprezava a luta pública e deixava claro que os grevistas teriam os dias não trabalhados descontados dos salários. Para o movimento, nenhuma novidade. O prefeito, José Fortunati, detentor do cargo após a abdicação de José Fogaça para candidatar-se ao governo do estado, em momento algum dirigiu-se diretamente à população. A chuva molhava e os manifestantes, seguros de sua importante pauta civil, continuavam aos cantos de ordem e alvoroço.
Após reunião entre a diretoria do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (SIMPA) e a prefeitura, a proposta declarada pelo coordenador Busatto foi rechaçada. Foram oferecidos 9,95% de reajuste para os servidores com menores salários (padrão 2 e 3) e 6,51% para os demais. Ao contrário dos R$ 6,00 de acréscimo no vale-alimentação solicitado pela categoria, a prefeitura apresentou um “reajuste” de R$ 0,70. Da porcentagem final reivindicada pelo SIMPA, 11,49% consistiria somente para restaurar danos e possibilitar melhorias de trabalho e valorização. “Infelizmente os servidores decidiram adotar a postura da intolerância e da radicalização”, afirmou Busatto ao Jornal Correio do Povo antes do início da greve.
A Secretária municipal de Educação, Cleci Jurach, em entrevista, disse esperar que a situação nas escolas municipais esteja regularizada até segunda-feira, dia 30. A partir de ação arbitrária, a secretária lembrou a todos os servidores grevistas que o ponto será cortado, obrigando os professores a recuperar durante as férias de inverno as aulas não dadas, e orientou o corte nos salários dos mesmos calculado sobre os dias de protesto.
Enquanto os servidores públicos abraçavam a prefeitura em ato simbólico, um dado calculado pelo SIMPA estimava que 90% das instituições de ensino infantil, fundamental e médio estavam paradas e 70% dos serviços de saúde haviam aderido à greve. Além disso, encontravam-se inteiramente paralisados os Departamentos de Habitação (Dmab) e de Esgotos Pluviais (Dep), a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) e alguns setores do Departamento Municipal de Água e Esgotos.
A Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre (ATEMPA), uma das bases da greve, estipulou em seu discurso que uma de suas pautas específicas é a valorização dos trabalhadores e investimentos mais significativos na educação, já que há uma concentração de recursos financeiros em outras secretarias, como a Fazenda. “Eu não acho nenhuma imoralidade professoras com décadas de serviços prestados ganharem mais de R$ 4.000. Quem tem este discurso é porque não valoriza a educação. O piso nacional dos professores apontado pelo Ministério da Educação é de R$ 1.000, e a prefeitura já está correndo por trás do piso salarial. O secretário Urbano [Schmitt, Secretário da Fazenda de Porto Alegre], que está tão preocupado, deveria se preocupar mais com as gratificações dadas aos servidores da Fazenda, onde chega a ser R$ 4.000 só de gratificação. E isso foi uma iniciativa da Secretaria da Fazenda”, disse Carmem Padilha, diretora geral do SIMPA.
Outra luta da ATEMPA é a reabertura de concursos públicos para funcionários de escolas e o fim das terceirizações, as quais deram mote para muitos cartazes e faixas do movimento.
Os meios de comunicação tomaram o entorno da praça enquanto bandeiras amarelas do SIMPA tremulavam em meio aos gritos de “mentiroso”, ao barulho agudo dos apitos e às vaias. Aos poucos, faixas de todos os tamanhos e cores, vindas das mais distintas zonas da cidade, iam revestindo as grades que resguardam o chafariz central da Praça Montevidéu que, ironicamente, encontra-se “em greve”, coberto por uma lona preta.
Pelo final da manhã o microfone rodou entre o público presente e os servidores tiveram a oportunidade de reclamar em alto e bom som – um caminhão transmitia as falas e vaias pelos quarteirões nos arredores – sua repulsa com o tratamento prestado pelo governo à sua principal mão-de-obra, o funcionalismo público.
“Nós trabalhamos atualmente para prestadoras de serviço terceirizadas que estão com problemas. Nosso salário não é bom. Mesmo com esses problemas a população de Porto Alegre sabe que o serviço prestado por nós, servidores do Departamento de Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), está bom. O servidor do DMLU tem a limpeza da cidade em suas mãos. Com esses problemas administrativos, a cidade pode ficar em péssimas condições”, afirmava um senhor realocado de seu trabalho inicial por “não poder mais correr atrás de caminhão de lixo”.
“Meu nome é Gilberto e eu trabalho no setor de manutenção do Hospital de Pronto Socorro. Nada de bom apareceu para nós. O plano de carreira não respeita as horas e falta muita coisa para nosso trabalho ficar melhor”.
“População de Porto Alegre, esse é o resultado da falta de negociação do governo Fortunati. Os municipários estão na rua porque apesar de termos apresentado essas propostas no dia 14 de abril, até o momento não recebemos uma proposta digna para a categoria. Os municipários começaram sua greve hoje e estão na luta pelo reconhecimento de seu valor, por 18% e por aumento no vale-alimentação. Senhor prefeito, chega de enrolação!”, dizia Hamilton Farias, Diretor de saúde do trabalhador da SIMPA.
As caçoadas burlescas e a chacota da manhã por parte dos grevistas sucedeu-se no momento em que a direção do SIMPA recebeu informações de que o prefeito e o secretário encontravam-se naquele instante dando entrevistas aos meios de comunicação tradicionais.José Fortunati declarava calúnias infames aos ouvintes das rádios e aos telespectadores, logo rebatidas pelos grevistas em praça pública. O prefeito, em pronunciamento infeliz, disse que um professor com 40 horas semanais ganharia R$ 4.835,00, mais vantagens, e que ninguém poderia dizer que este não é um bom salário.
Os funcionários públicos, com críticas mordazes às declarações das autoridades, deram início à exposição de vários contracheques que, se bem analisados, comprovavam que os salários, em muitos casos, não alcançavam nem mesmo a marca dos R$ 1.000, como um dos servidores do DMLU evidenciou com sua folha de pagamentos em mãos. “Meu salário alcança R$ 930,00 porque recebo R$ 300,00 de uma indenização antiga a qual eu tinha direito. Senão, meu salário ficava em R$ 700,00, meus amigos. Quem aqui sustenta uma família com esse salário?” Outro grevista, ao subir às escadarias do Paço Municipal, zombou: “É muito fácil, companheiros. Se o Fortunati falou que os municipários entram ganhando mais de R$ 4.000, é só pedirmos demissão e tentar concurso de novo”.
“Parabéns, Fortunati,
Porto Alegre parou:
Foi dizer “NÃO” de novo
E a greve aumentou!
Após a pausa para o almoço, os manifestantes iniciaram uma passeata pelas ruas do centro da capital. Saindo da Praça Montevidéu, a passeata subiu a Avenida Borges de Medeiros no sentido Centro-Bairro, até encontrar a Rua dos Andradas na Esquina Democrática, local de expressão da opinião pública.
Acompanhadas de uma “banda” formada por quatro funcionários públicos, bandeiras e faixas amarelas e vermelhas tomaram a calçada da Rua dos Andradas ganhando apoio de muitos por onde passavam. Após cruzar o breu das enormes árvores e a calçada preto e branco da Praça da Alfândega, a manifestação tomou a Rua Caldas Júnior, chegando até a Siqueira Campos. Em frente ao posto de Saúde Santa Marta, na rua Santa Marta, os manifestantes procuraram a adesão dos colegas municipários daquele posto convidando-os da calçada para que descessem.
A manifestação seguiu, passando por pontos turísticos da capital, como o Museu de Artes do Rio Grande do Sul e o Santander Cultural, voltando então para frente do Paço Municipal. “São os municipários em caminhada para expor sua indignação pelo não acolhimento de suas propostas. Por situações dignas de trabalho para que a população de Porto Alegre receba atendimento de qualidade, que os trabalhadores tenham condições de prestar um bom serviço a todos”, discursava um dos participantes da caminhada.
Após mais de 5 horas de manifestações, o grupo foi-se dispersando com a promessa de, na terça-feira, expor os contracheques em praça pública para a população de Porto Alegre e às 14 horas realizar mais uma assembléia para estudar a sequência, ou não, da greve. Na última reunião entre o SIMPA e o secretário Cezar Busatto, foi entregue uma proposta com 11 itens aos trabalhadores. O governo sugeriu aumento salarial de aproximadamente 7% para 2011, sendo 6,51% para agora e 0,5% a partir de dezembro.
Para o vale-alimentação, a última proposta da prefeitura indicava aumento de 8,3%, passando de R$ 12,00 para R$13,00. A classe trabalhadora pública porto-alegrense não acatou às novas propostas e seguirá em greve oficial. Na tarde do dia 26 os servidores voltaram a rejeitar a proposta de 7% de reajuste durante a assembleia geral realizada no Parque da Harmonia. A categoria segue exigindo 18% de reposição salarial. Enquanto isso, a música que se ouve pelas ruas da capital é algo como:
“Tá na hora, tá na hora,
Tá na hora de mudar
Para de pensar na Copa
E nos dá os “18” já!
A CARA MUDA, MAS A POLÍTICA É A MESMA, pelo viés de Bibiano Girard
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