A empreitada abissal que está dividindo o país há muitos anos, continua lançando suas redes sobre a Floresta Amazônica, criando um impasse entre sociedade civil mobilizada, índios ribeirinhos que poderão ser realocados, governo federal e investidores nacionais e internacionais. Prevista para afetar um trecho calculado em 100 quilômetros ao longo do Rio Xingu, a obra gera debates há anos e suscitará contestações por muitos outros. No dia 20 de abril do ano passado ocorria o rechaçado e relevante leilão de Belo Monte, o qual se destinava a escolher, tendo por base a melhor oferta, a empreiteira responsável sobre o projeto de construção e venda de energia proveniente da edificação do gigantesco plano hidrelétrico. A hidrelétrica, se colocada em prática e funcionar como planejada, gerará uma potência de 11.233 MW, caracterizando-se como a maior hidrelétrica inteiramente brasileira.
Embora tal capacidade seja estrondosa, Belo Monte tem energia firme, que pode ser assegurada prevendo os períodos de seca, de 4,4 mil Mw, apenas 40% de sua disposição. Segundo especialistas da área de geração de energia, Belo Monte pode tornar-se cara perante seu benefício elétrico ao país.
A energia firme é proporcionalmente menor segundo informações do governo por conta das características do Rio Xingu e do projeto de usina, a qual trabalhará a fio d’água, ou seja, sem reservatório. Enquanto o rio estiver com sua vazão normal, a potência de geração seria de 11 mil Mw, porém, o Xingu é um rio exaurível em determinados meses do ano.
Desde 1975 estudos de Inventário Hidrelétrico da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu são feitos amedrontando os povos ribeirinhos que lá vivem há anos. Em 1980 os estudos tornaram-se mais científicos e burocráticos, tendo como objetivo avaliar a viabilidade técnica e econômica do Complexo Hidrelétrico de Altamira, um dos municípios afetados pelo projeto do presente governo petista.
Os episódios no entorno do debate entre ambientalistas e indígenas contra investidores estrangeiros e governo perpetuam-se até hoje atenuando a potência dos confrontos. A relevância dada pelo governo Dilma Rousseff à Belo Monte, a menina dos olhos do PAC, seqüencia os projetos iniciados há décadas e poucos avanços foram percebidos no quesito ambiental.
Desde então, governos e investidores interessados na receita gerada pela hidrelétrica vêm remodelando o projeto e atuando pelas bases governamentais com o mesmo intuito de décadas atrás: liberar a construção da usina, que segundo diversos documentos apresentados por instituições não governamentais e grupos ambientalistas, seria censurável por erros crassos, omissão de dados ambientais e irregularidades nos valores estipulados entre um documento e outro.
A OAB questiona a falta de compensação do governo para as comunidades afetadas. Na segunda-feira, 7 de fevereiro, a Ordem dos Advogados pediu a “completa e imediata paralisação” da obra até que o governo apresente compensações admissíveis à população afetada. Segundo Ophir Cavalcante, “o governo deve cumprir todas as condicionantes para execução do projeto”, o que ainda não foi realizado.
Em 2001, o Brasil viria a sofrer aquela que ficou registrada como a marca mais popular do governo FHC, o apagão energético. O país ficou às escuras e a economia foi abalada. Bilhões foram perdidos em dias e o governo tucano entrou em estado de alerta. Fora então divulgado um plano de emergência de US$ 30 bilhões para aumentar a oferta de energia no país, o que incluiria Belo Monte entre as 15 usinas programadas para dar suporte a toda energia consumida. No entanto, a Justiça Federal ingressaria nas tramitações sobre Belo Monte determinando a suspensão dos Estudos de Impacto Ambiental e proibindo a construção da usina.
Na época candidato à presidência, Luis Inácio Lula da Silva lançava o documento “O lugar da Amazônia no Desenvolvimento do Brasil”, apontando que a matriz energética brasileira, escorada fundamentalmente em hidroeletricidade, estaria afetando a Bacia Amazônica. Tal documento fora escrito enquanto candidato, o que não se perpetuou na opinião e nas ações de Lula quando eleito presidente. Parques eólicos foram instalados durante seu governo do Nordeste ao Sul do Brasil, mas a obstinação governamental sobre a construção de Belo Monte prosseguiu a política energética dos governos anteriores. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu mandato, entre 1994 e 2002, enfrentou os ambientalistas da mesma forma e deixou claro que ser oposicionista à construção da hidrelétrica era ser oposicionista ao desenvolvimento do país.
Tantas barreiras foram imprescindíveis para que em 2006 as análises do empreendimento fossem suspensas até que os índios afetados pela obra recebessem a devida atenção do Congresso Nacional. O confronto entre índios e Paulo Fernando Rezende, ferido no braço, aconteceria no ano seguinte.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, autorizaria então, em 2007, a participação das empreiteiras Camargo Corrêa, Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez nos estudos de impacto ambiental do local. Todavia, a Justiça Federal logo suspenderia o licenciamento ambiental e determinaria novas audiências, conforme pedido do Ministério Público. Para o início das obras, o governo petista necessitava de novas análises para o licenciamento ambiental, as quais ficaram a cargo do Ibama, instituição responsável. Com os atrasos,o leilão previsto para 21 de dezembro fora adiado para janeiro de 2010 por proposta do então secretário do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmerman. Novamente o leilão fora adiado e remarcado para 20 de abril de 2010.
Contudo, como em todos os projetos que envolvem governo, empresários e principalmente lucros, Belo Monte tornou-se pauta relevante para o governo passado e o atual. Tocar a obra em frente não é alternativa unânime nem entre políticos, nem entre a população brasileira. Os movimentos contrários à edificação da mega usina encontraram formas de contrapor o discurso governamental de Lula e agora de Dilma. Através da circulação de informações pelos diversos meios de comunicação e demonstrações para a população dos impactos que a usina de Belo Monte pode gerar ao Brasil, mais opositores foram surgindo.
As imprecisões acerca do empreendimento são antigas e muitas ainda não foram sanadas nem pelo governo nem pela empreiteira. Na época do leilão, o Ministério Público Federal (MPF) do Pará entrou com recurso através de Ações Civis Públicas (ACPs) com pedido de liminar para cancelar o leilão de venda de energia de Belo Monte. O juiz Antônio Carlos Campelo, da Subseção Judiciária de Altamira (PA), avaliou as solicitações como urgentes e outorgou a liminar da primeira ação do MPF. Depois de cassada esta liminar, o mesmo juiz apreciou, na tarde anterior ao dia 20, véspera do leilão, outra liminar requerida pelo MPF e novamente outorgou a suspensão do leilão. Os trâmites judiciais, então, caracterizaram o leilão como proibido pela justiça através de medidas públicas.
Entretanto, um projeto avaliado em R$ 19 bilhões não seria facilmente derrocado pela força da Justiça tendo como interessadas no negócio empresas dominantes da construção civil brasileira como a Odebrecht, a Camargo Corrêa e a Andrade Gutierrez. O curioso, no entanto, foi a retirada do interesse da Odebrecht e da Camargo Corrêa sobre o empreendimento logo que os estudos apontavam o preço da obra em “apenas” R$19 bilhões, muito inferior aos R$30 bilhões que a Odebrecht e a Camargo Corrêa esperavam. Restou à Andrade Gutierrez seguir com interesse em participar do leilão.
Telma Monteiro, coordenadora de Energia e Infraestrutura da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, em entrevista ao sítio ECODEBATE, diz que o fato das duas grandes empreiteiras, a Odebrecht e a Corrêa Camargo, terem desistido da negociação é uma questão que tem várias respostas. “Gerar energia através de Belo Monte seria um mau negócio para as empreiteiras. Talvez as empresas se reservem apenas para fazer a obra, já que não conseguiriam vender para o governo a energia pelo preço que queriam. Além disso, fazer a obra dessa forma, sem a responsabilidade dos custos ambientais e sociais, além das batalhas na justiça que já são realidade, seria a hipótese mais coerente”.
Na tarde anterior ao leilão, dia 19, as organizações “Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé” e “Amigos da Terra Amazônia Brasileira” ingressaram também com uma Ação Civil Pública na Seção Judiciária de Altamira com pedido de liminar para suspender o leilão. A ação demonstrava ao juiz que o edital do Leilão da Aneel estava viciado, já que a área do afetada por Belo Monte constava como 516 km² em alguns documentos e em outro, a área demonstrada em números era de 668,10 km², quase um terço a mais de território danificado. Depois de recebidas as liminares proibitivas, a Advocacia Geral da União deu entrada, às 18h57 do dia 19, no pedido de Suspensão da Liminar do Tribunal Regional Federal do Pará.
O leilão, que estava marcado para acontecer às 12 horas do dia 20, foi atrasado pela Aneel, pois até aquela hora a segunda liminar proibitiva permanecia corrente, o que impedia a efetivação do mesmo. A Aneel, impedida então de mover mercado com investidores interessados, resolve retardar o horário do leilão para as 13h20 a fim de que o Desembargador Federal tivesse tempo de julgar e nulificar a última liminar em voga.
“Enquanto isso acontecia, o juiz de Altamira outorgou a terceira liminar (das organizações) impedindo o leilão e anulando o Estudo de Impacto Ambiental. Às 12h25, a secretaria da Seção Judiciária de Altamira enviava essa decisão por e-mail para a Aneel em Brasília, Eletrobrás e Empresa de Pesquisa Energética (EPE) no Rio, por fax. Contudo, a Aneel fingiu que não recebeu a terceira liminar e argumentou que ela só chegou às 13h30, minutos depois do fim do leilão”, explica Telma Monteiro. O leilão teria durado apenas 7 minutos, e, na primeira fase, o resultado não foi divulgado por força da liminar.
Em um relatório preliminar do Tribunal de Contas da União no final de 2009, a viabilidade econômica do empreendimento fora questionada à EPE. Fora recomendado, também, uma revisão de gastos, planilhas detalhadas sobre os custos ambientais e sociais. A Empresa de Pesquisa Energética fez o advertido e restituiu a documentação para apreciação do TCU em fevereiro de 2010. Alguns valores foram reavaliados, mas a discrepância entre os primeiros cálculos da EPE para os últimos era espantoso. Por exemplo, o custo do preço teto do Mw/h passou de R$68 para R$83, “baseado no fato de que os empreendedores ou desenvolvedores, como são chamados agora, ‘esqueceram’ de computar os custos com canteiros de obras”, diz Telma Monteiro.
Mesmo indefinido se válido ou não, a Aneel abriu o leilão. O governo teve que achar outro consórcio para concorrer com a Andrade Gutierrez para legitimar o leilão. Assim, dois consórcios disputaram a construção de Belo Monte. O primeiro, chamado de Norte Energia, formado pelas empresas Chesf, Queiroz Galvão, Gaia Energia e Participações, Galvão Engenharia, Mendes Engenharia, Serveng, J Malucelli Construtora, Contern Construções e Cetenco Engenharia, saiu vencedor em 10 minutos. O segundo consórcio era formado pelas empresas Furnas, Eletrosul, Andrade Gutierrez, VALE, Neoenergia e Companhia Brasileira de Alumínio.
Contudo, as empresas constituintes do consórcio vencedor, formado de última hora pelo governo, lideradas pela estatal Chesf, subsidiária da Eletrobrás, além de terem problemas econômicos, não são empresas totalmente experientes em construção de mega hidrelétricas, e o estudo de impactos ambiental, econômico e social, havia sido feito em conjunto com a Odebrecht e a Camargo Corrêa. Além disso, a empresa Bertin, subsidiária das participantes do consórcio vencedor, abandonou o grupo neste mês, abrindo espaço para o interesse dos peritos monopólios Gerdau, VALE, Votorantin e do mais novo bilionário e “arroz de festa” empresarial Eike Batista.
A Odebrecht e a Camargo Corrêa haviam desistido do negócio alegando que se o investimento calculado não se aproximasse do montante de R$ 30 bilhões, as duas desistiriam. O valor divulgado pelo governo seria de R$19 bilhões. O presidente Lula, ciente da desistência das duas empreiteiras críveis de obrar um empreendimento desse tamanho, afirmou que se ninguém quisesse construir Belo Monte, o governo o faria. Contudo, o governo teria que contratar duas ou mais companhias com experiência para o trabalho. Após o leilão, se calculados os dois consórcios, a participação estatal equivaleria a mais de 50%, o que seria de interesse do governo. Há também outro dado importante: analistas do setor privado calculam que R$19 bilhões seria um valor de fachada, pois a obra estaria estimada em R$ 30 bilhões.
Mesmo com mais de 15 ações judiciais e liminares proibitivas tramitando em várias cortes do país, o governo, através do consórcio Norte Energia, liderado pela estatal Chesf, iniciou as obras na Floresta Amazônica.
O governo e as empresas envolvidas na empreitada sabem dos custos socioambientais que causarão e dos problemas judiciais que terão que enfrentar, porém, o interesse econômico por trás da obra e as determinações dos empresários lobistas parecem comandar. O que não ficou explicado foi a saída das empresas Odebrecht e Camargo Corrêa dos negócios sendo que as duas, junto com a Eletrobrás e a Andrade Gutierrez, são as responsáveis pela preparação de todos os estudos relacionados ao caso. A Odebrecht e a Camargo Corrêa teriam então trabalhado anos e gasto quantias não calculadas sobre a viabilidade de Belo Monte para desistir na última hora e perder o leilão para o consórcio governista?
Para a Ordem dos Advogados do Brasil, os índios residentes das localidades afetadas, a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, a “Amigos da Terra Amazônia Brasileira” e parte da sociedade civil mobilizada, Belo Monte é uma grande ameaça pré-conhecida para o país e para o mundo, mas que por interesse capital será colocada em prática, mesmo sem a devida apresentação de estudos de impacto ambiental e social. Calcula-se que 100 mil pessoas migrem para o entorno da obra que proporcionará 11 mil vagas de emprego durante o período da obra. O futuro da região do Xingu, dos índios donos das terras e das cidades afetadas é uma bomba-relógio sem solução.
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UM BELO MONTE DE IRREGULARIDADES, pelo viés de Bibiano Girard
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Fontes:
Portal ECODEBATE.
Sítio Minha Marina.
Sítio Instituto Socioambiental.
eu quero trabalha em belo monti de basculanti
Os índios merecem todo o respeito.pois estão em seu lugar e não podem ser enxotados.É mais uma obra faraonica.