“Uma reportagem escrita pela câmera fotográfica”
Em Villa Sequeira há muito vento e o horizonte é vasto. É o centro de lazer dos grandes empresários descendentes de alemães, portugueses, ingleses ou italianos, insaciáveis por fazer apostas e esperar a fortuna fácil na luxuosidade do Hotel Atlântico.
O local é inóspito e inexplorado. No geral, parece ser todo pintado de cinza. De um lado, uma cadeia de humildes dunas onde o mato cresce raso. Do outro, a imensidão que apenas o mar pode proporcionar aos seres humanos.
Depois de Dieppe Deauville e Biarrits, balneários bem freqüentados na Europa, Sequeira toda está entusiasmada em ser também destino de temporada de férias, banho de mar e descanso. Para honrarmos a relevância que merece, é importante salientar que Balneário Sequeira é a primeira paragem litorânea de veraneio do Brasil.
O Hotel Atlântico é só luxo em uma fachada branca que toma por completo um quarteirão. Uma mesa de sinuca e um próspero Cassino chamam a atenção dos jogadores mais ávidos por moedas. Há um exuberante pátio interno com jardins e uma torre no segundo piso possibilita a vista das plantas de um ângulo harmônico. No entorno do hotel, distantes, chalés no estilo suíço, com recortes em madeira, mansões e castelinhos vão sendo erguidos pelas famílias mais tradicionais da região.
O balneário, inaugurado no dia 26 de janeiro de 1890, está distante 18 quilômetros do centro da afortunada cidade de Rio Grande, berço da Província de São Pedro, surgida nos entornos do Forte Jesus Maria José. Forte este construído para proteger o território dos ataques dos espanhóis do Rio da Prata.
O texto acima poderia ter sido parte de reportagem, guardando as devidas diferenças na escrita da língua portuguesa, para o Correio do Povo, jornal mais antigo dos pagos gaúchos, no fim do século XIX ou no início do século XX, quando a popularidade do Balneário crescia. O Balneário Sequeira cresceu, adotou um novo nome e hoje conta com aproximados 15 mil habitantes durante os meses de inverno. As jogatinas do Hotel Atlântico eternizaram o clima de magnificência da época em que Rio Grande e a vizinha Pelotas eram pólos mercantis e de riqueza, cidades consideradas as “princesas” do Sul do país. O jogo, então, deu novo nome à praia: Cassino.
A atual praia do Cassino merece os olhos dos milhares de turistas com atenção. Com os braços abertos ao povo, Iemanjá aguarda a visita de milhares de fiéis e veneradores da entidade que recebeu uma estátua a beira mar, branca, reluzente sob o céu ora cinza, ora azul escuro. Na noite do dia 1º de fevereiro, Iemanjá ganha um manto azul e colares. Ao seu redor, em um acampamento espírita, milhares de barracas protegem outros milhares de pessoas que anualmente se reúnem na praia para louvar a Rainha do Mar.
A noite se aproxima e a avenida principal torna-se palco de uma das festas mais importantes e imponentes do estado do Rio Grande do Sul. Moradores e visitantes lotam os canteiros, sentados em cadeiras ou caminhando, na espera dos variados grupos de Umbanda e Candomblé que chegaram cedo. De Frederico Westphalen, cidade gaúcha colonizada por alemães, a Florianópolis, capital no estado vizinho de Santa Catarina.
As filas crescem e os rituais vão surgindo entre o povo. A moderada Praia do Cassino agora é um manto único de gente, luzes, tambores, velas, flores, barquinhos azuis, religiosos. Há um cheiro onipresente de ervas misturadas. Muita sidra pelo chão e muita oferenda aos pés da Rainha. Merengue açucarado, rosas, perfume e mais sidra jogada por toda a praia. Os tambores se misturam. Grupos vestidos de verde, grupos vestidos de branco, grupos vestidos de azul. As ondas recebem as oferendas e levam à Rainha. Os seguidores da “Mãe Janaína” aproximam-se da estátua, ajoelham-se em veneração. Ao lado do monumento, inúmeras placas de agradecimento, bancos de vela acolchoados de parafina derretida e labaredas enormes iluminando a escuridão da praia sob o vento forte.
A 12 quilômetros da estátua de Iemanjá, o passado naufragado aguarda os fantasiosos marinheiros. Ao longe, na imensidão de areia e mar, surgem duas torres carcomidas pela ferrugem e uma embarcação engole a areia e o mar. Em 1979 o navio Altair não suportou a arrebentação do pélago escuro durante uma tempestade e foi jogado contra a praia. O que foi acidente, hoje é cartão postal. Uma infinidade de exemplares da flora e fauna marinha se atrelam às paredes que ainda resistem a ação do tempo e da ferrugem. Conchas e peixes são os atuais marinheiros e tripulantes.
A modernidade chegou ao Cassino como em qualquer lugar do litoral. A Avenida Rio Grande, onde antigamente bondes puxados a burro levavam os veranistas à praia, hoje é iluminada por painéis brilhosos de propaganda, totens luminosos de restaurantes e postos de gasolina. Uma multidão chega ao canteiro central quando o sol vai-se embora e os carros ficam proibidos de transitar. São pessoas de todos os estilos, diferentes dos passeios da época em que as moças saiam apenas acompanhadas. Hippies perdidos da década, palhaços de rua, malabaristas noturnos, carregadores de lixo, garçons, garçonetes, muita bebida ao som de samba tocado ao estilo “passarela de Sapucaí”.
O Balneário do Cassino é simples. As ruas sem calçamento tornam a paisagem mais campestre e as calçadas que não existem dão espaço à grama e a Plátamos em fileira. Ao lado norte do Balneário, os molhes, que protegem a entrada dos navios no porto da cidade de Rio Grande, construídos a base de pedras gigantescas, dão resistência à rebentação das ondas. Sobre um destes moles há um trilho de aproximados quatro quilômetros onde vagonetas correm pela força do vento logo que suas velas são escancaradas. Sobre os pequenos carros pessoas aproveitam a vista do Oceano Atlântico, do canal que o liga à Lagoa dos Patos e de navios que cruzam o horizonte.
Andar pelo Cassino é andar ora em 2011, ora em 1911. Não se pode deixar de notar a arquitetura preservada de algumas residências e a harmonia entre bairro e mar. A harmonia entre a rebentação das águas e o vento forte das árvores.
Em breve, não perca uma sessão de fotos na aba “o Reto” sobre o Balneário do Cassino e também sobre os locais turísticos das cidades de Rio Grande e São José do Norte, todas no litoral sul do Brasil.
SEQUEIRA, UM HOTEL E UM CASSINO, pelo viés de Bibiano Girard
bibianogirard@revistaovies.com
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