Na Tunísia, situada no norte da África, ficam as ruínas de Cartago e muitas praias à beira do Mediterrâneo, a fazer do país um dos lugares mais visitados de todo o continente. Uma pesquisa rápida no YouTube nos mostrava, até metade de dezembro do ano passado, uma série de vídeos amadores sobre as belezas tunisianas e outra gama de vídeos institucionais sobre o desenvolvimento do país sob o jugo do presidente Zine el-Abidine Ben Ali, que subiu ao poder por um golpe de Estado em 1987.
No entanto, desde a metade do mês passado, podemos ver o que se passa dentro da Tunísia segundo a sua população. Em 17 de dezembro, um jovem ateou fogo em si mesmo depois que a polícia confiscou as frutas e os vegetais que ele vendia sem licença na região de Sidi Bouzid. Essa foi a gota d’água para a juventude tunisiana, que, desde então, tem saído às ruas para protestar contra o aumento dos preços de alimentos básicos, como açúcar e óleo, que já dobraram de valor, e contra o desemprego, que chega a 14% da população e é três vezes maior entre os jovens do que entre os adultos.
Um estudo do Banco Mundial lançado em 2009 mostra que o número de jovens diplomados passou de 121.800 em 1996 para 336.000 em 2006 e chegará a 449.000 neste ano. Esse crescimento no número de jovens recém-formados, num país de 10,5 milhões de habitantes, deve-se há maciços investimentos feitos há mais ou menos 30 anos e ao grande fluxo de estudantes tunisianos que vão estudar fora, principalmente no Canadá, na França e na Itália. O estudo ainda mostra que 57% dos diplomados, 255.930 jovens, terminarão seu mestrado neste ano, a maior parte deles na área de gestão e finanças.
Mas o que fazem eles depois de formados? Os números de 2004 mostram que 37% dos formados ainda estavam sem emprego três anos depois de saírem da universidade. E, com a crise econômica que explodiu em 2008, a economia tunisiana tem sofrido para se reerguer. As principais atividades da economia do país são as ligadas a serviços, principalmente de turismo. A maior clientela, a europeia, vem definhando desde que se viu mais pobre. Assim, com menos turistas e com 20% das indústrias na mão de multinacionais europeias, em especial francesas e italianas, a economia tunisiana se vê abalada e a sua juventude, mesmo fortemente diplomada, vê-se sem saída.
Na Tunísia, as famílias empreendem todos os seus recursos para que os filhos possam estudar. Logo, para os jovens, voltar para o abrigo da família depois de formados é uma humilhação, pois deveriam trabalhar e ajudar os pais. Dessa forma, muitos deles passam anos a fazer bicos, como o jovem que vendia frutas e legumes sem licença na região de Sidi Bouzid e que morreu na última terça-feira, dia 4, depois que ateou fogo em si mesmo.
Os protestos que vêm ocorrendo na Tunísia – e também na Argélia, por motivos parecidos – têm desmascarado o governo de Ben Ali, presidente há quase 24 anos. O povo, nas ruas, grita contra a corrupção no governo e denuncia que, lá, para se conseguir um bom emprego, é preciso ser amigo de alguém do governo.
Estima-se que essa série de manifestações é a maior desde a década de 1990 e já se espalhou para além de Túnis, a capital. A população tem ido às ruas para protestar contra o desemprego, contra o aumentos nos preços de alimentos e contra a corrupção, mas o que os tem enfurecido são as represálias governamentais para que essas manifestações não saiam dali, ou seja, para que o resto do mundo não veja o que lá acontece e para que, assim, a Tunísia e, consequentemente, seu governo, possa manter as aparências de “paraíso mediterrâneo”.
Na última semana, segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), seis blogueiros ativistas desapareceram, entre eles Slim Amamou e Azyz Amamy, de quem não se sabe desde quinta, quando foram levados pela polícia para prestar depoimento. O presidente da RSF, Jean-François Julliard, disse que “pedimos pela soltura de todos aqueles que foram presos por contar o que está acontecendo no seu país e pedimos, acima de tudo, que os jornalistas possam ter acesso ao que está acontecendo aqui neste momento”. Além de prender ativistas e jornalistas, o governo tunisiano tem confiscado computadores e proibido o acesso a sítios que divulguem qualquer coisa sobre as manifestações. Numa carta aberta ao presidente Ben Ali, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas disse que estão “alarmados pela campanha orquestrada pelo governo contra a Al-Jazeera”, maior rede de comunicação arabófona do mundo e, pelas últimas três semanas, os jornalistas do periódico francês Le Monde têm sido proibidos de entrar na Tunísia.
Na madrugada de quinta para sexta-feira, trinta policiais à paisana cercaram a casa do cantor Hamada Ben-Amor no região de Sfax. Segundo seu irmão, Hamdi Ben-Amor, os policiais não disseram para onde levariam Hamada, conhecido pelos fãs como “Général”, e, quando perguntados o porquê de o levarem, responderam “ele sabe por quê”. Os policiais se referiam a um vídeo que Hamada publicou na internet com uma música em crítica ao governo de Zine el-Abidina Ben Ali. Ainda não se sabe nada sobre o Général nem sobre os seis outros ativistas desaparecidos.
PRENDERAM O GÉNÉRAL, pelo viés de Gianlluca Simi
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