As parcerias nem sempre tão favoráveis a ambas as partes entram na pauta diária da comunidade acadêmica. Alguns as executam, outros as criticam.
A Universidade Federal de Santa Maria é, para a região e para todo o país, um recurso exemplar na formação de cidadãos capacitados para beneficiar a sociedade em que se encontra, efetivando a ciência e a educação como construtoras de uma realidade melhor. Para que uma universidade como a UFSM se mantenha, é necessário o financiamento público dos governos à altura de sua escala de graduação, pesquisa e extensão. A maior fonte de recursos que o governo obtém para investir em educação são os impostos, havendo um vínculo autêntico entre ensino e decréscimo das desigualdades, já que economia aquecida gera uma arrecadação maior por parte do governo.
Porém, esse financiamento completo por parte da União vem sendo substituído gradativamente há anos. A comunidade acadêmica tem-se deparado com a inserção de entidades privadas no financiamento e até mesmo no gerenciamento do capital de escolas federais. Mesmo já antiga, desde as décadas de 1960 e 1970, quando as primeiras fundações de apoio vincularam-se a algumas universidades no país, a prática está se tornando mais corriqueira. Entram em questão as parcerias público-privadas (PPPs).
Na UFSM, a situação de parcerias com empresas e fundações privadas está se tornando conhecida e implica um questionamento popular acadêmico: até onde esse tipo de financiamento é saudável à instituição? A interação com a iniciativa privada se dá basicamente de duas formas: por meio de contratos ou de convênios. O responsável pela Coordenadoria de Projetos e Convênios da UFSM (COPROC), João Isaia Filho, salienta que se deve diferenciar um convênio de um contrato. “O contrato é a utilização, por parte da UFSM, dos serviços de uma empresa devidamente remunerada para que esta exerça serviços específicos dentro da instituição. É a conhecida terceirização”.
O contrato, que terceiriza os serviços dentro da UFSM, admite o afastamento do Estado em questões como a contratação direta do funcionário e o distancia das questões trabalhistas da União. O servidor terceirizado pode ser demitido pela empresa se houver descontentamento de uma das partes. Elimina assim o vínculo direto entre funcionário e Universidade, o que pode ser problemático.
“Já o convênio é diferente”, ressalta a Assistente em Administração da COPROC Elisete Krombauer. “No convênio são firmadas cláusulas e parcerias de ensino, pesquisa ou extensão de interesse de ambas as partes. No caso, a UFSM e a empresa interessada. O interesse, porém, de uma instituição como a UFSM, é viabilizar formas de estudo e pesquisa que usando os recursos recebidos pelo governo seriam impossíveis”.
Segundo o professor e diretor Geral do Núcleo de Inovação e Transferência de Tecnologia (NIT) Sérgio Jahn, “as parcerias com empresas privadas são bem recentes nos trâmites legais da UFSM”. Nos últimos anos, contudo, a relação de projetos com capital privado vem crescendo progressivamente. É possível constatar tal fato analisando-se a tabela fornecida pela COPROC: em 2004, pela primeira vez, a quantidade de convênios com entidades privadas equiparou-se ao número de convênios públicos. A partir de 2007, o número de convênios com instituições privadas tem superado o número de convênios públicos e internacionais. Dos 1296 convênios em vigência na UFSM em maio de 2010, 716 são firmados com sociedades privadas. Assim, acontece uma privatização lenta de setores da UFSM, que deixam de ser baseados em recursos públicos que o Estado teria a obrigação de provir.
Periodicamente, o Plano de Gestão determina as diretrizes e os objetivos da UFSM. O Plano que abrangeu o período 2006-2009 estabeleceu pela primeira vez como meta para a área de extensão: “Viabilizar os recursos necessários às ações de extensão por meio de parcerias institucionais público/privadas”. Oficializa-se, aí, a dependência da Universidade Pública em relação à iniciativa privada.
O pró-reitor de Extensão da UFSM João Rodolpho Amaral Flores afirma: “É importante que a Universidade faça, sim, parcerias com o meio privado. O que deve ser observado é a finalidade de cada parceria, ou seja, se ela serve para fins particulares ou se pode ser revertida para a sociedade em geral”.
João Rodolpho ainda afirma que a prioridade da Pró-reitoria de Extensão (PRE) é de cunho social. A extensão serve para inserir o aluno nas questões da sociedade e colocá-lo em contato com a realidade. Por isso, o foco está nas parcerias com instituições públicas e movimentos sociais. Neste ponto, a PRE diverge um pouco da postura da Pró-reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (PRPGP). “A grande preocupação hoje é que, para se dar sentido a uma pesquisa, seu resultado tem que chegar ao setor produtivo”, afirma Carlos Alberto Ceretta, pró-reitor adjunto da PRPGP. “As críticas a esse tipo de parceria [público-privada] fazem com que a Universidade tenha se fechado, o conhecimento gerado não sai dela, não se reverte à sociedade”.
Quem é o dono do conhecimento?
Sobre as questões referentes à propriedade intelectual no caso das parcerias com entes privados, o professor e diretor Geral do NIT Sérgio Jahn deixa claro que “cada caso é tratado de maneira diferente. Em muitos deles, a propriedade intelectual é estabelecida pelo investimento realizado pela parte privada. Ou seja, a parcela da propriedade intelectual que lhe cabe é proporcional ao investimento em dinheiro que faz”. Deste modo, uma empresa que cubra grande parte dos custos de determinado projeto, tornar-se-á proprietária de mais de 50% de todo o conhecimento produzido, mesmo que os reais produtores e pesquisadores dessa ciência sejam professores e alunos da UFSM.
Em suma, é o que estabelece a “Lei do Bem” (nº 11.196/2005), que prevê incentivos fiscais a empresas que desenvolverem inovações tecnológicas na concepção de produtos ou no processo de fabricação e agregação de novas funcionalidades ao produto. Acontece, então, a aproximação de empresas com a UFSM para a utilização de sua estrutura física e de seus recursos humanos para a concepção de um projeto inovador.
É esse tipo de relação que é questionável. “É preciso evitar que a universidade se torne um local de prestação de serviço para entidades privadas. O custo muito inferior ao mercado torna a pesquisa utilizando os recursos da UFSM mais atraente, mas a questão é que vantagem isso traz para a sociedade e para a comunidade acadêmica”, sanlienta o pró-reitor de Extensão.
As próprias diretrizes governamentais da área da pesquisa recorrem às parcerias. Ceretta afirma que “hoje, grande parte dos editais dos principais fomentadores da pesquisa no país, CNPq e CAPES, são voltados às parcerias público-privadas”.
O presidente da Seção Sindical dos Docentes da UFSM (SEDUFSM) Rondon de Castro também se opõe a este tipo de relação com as empresas: “a universidade púlica deve ser útil à sociedade em geral, ao invés de submeter-se à lógica do mercado. Essas práticas, muitas vezes, acabam distanciando o ensino, a pesquisa e a extensão”. Como exemplo desse caráter privatizante, Rondon destaca as defesas de dissertações que ocorrem em sigilo. Com o intuito de proteger a propriedade intelectual, este tipo de conduta priva a sociedade do acesso ao que é produzido na Universidade.
A SEDUFSM adota, também, uma postura crítica em relação à presença das Fundações de Apoio na Universidade. Neste caso, a parceria que existe entre a Universidade Federal de Santa Maria e a Fundação de Apoio a Tecnologia e Ciência (FATECIENS) foi firmada como um contrato de prestação de serviços. As fundações de apoio são instituições de direito privado, sem fins lucrativos, criadas com a finalidade de dar apoio a projetos de pesquisa, ensino, extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico, de interesse das instituições federais de ensino superior e das instituições de pesquisa.
Uma das principais razões para sua existência é a agilidade no gerenciamento dos recursos das universidades, devido a uma série de facilidades administrativas que lhes são concedidas. Essa liberdade exacerbada concedida à Fundação, que firmava convênios e contratos sem afirmação prévia da UFSM, possibilitou os supostos desvios de verbas deflagrados em 2007 pela Operação Rodin. Desde então, a autonomia da Fundação diminuiu.
A Assistente em Administração da COPROC Elisete Krombauer acredita que se a UFSM obtivesse maiores recursos próprios que não fossem diretamente repassados à Fundação e aperfeiçoasse seus recursos humanos, poderia exercer funções que hoje ainda ficam a cargo da FATECIENS. João Rodolpho argumenta que a fundação é necessária para prestar serviços que seriam prejudicados ou atrasados caso ficassem a encargo da Universidade, mas que a orientação é de operar, sempre que possível, via UFSM.
Dados em desordem
A interação da Universidade com entidades privadas é cada vez mais significativa e abrangente. Dentro da UFSM, no entanto, não existe uma listagem efetiva e clara de todos os convênios e contratos mantidos com empresas. Há listagens dos projetos realizados em cada Centro; no entanto, elas não incluem informações sobre parcerias. As informações disponíveis ao acesso do público no site da Pró-Reitoria de Planejamento (PROPLAN) não discriminam de forma clara as relações econômicas da UFSM em cada parceria que envolve capital privado.
A falta de clareza acerca desses dados impossibilita à comunidade acadêmica ter um panorama amplo e atualizado do quanto as atividades da UFSM dependem do capital privado e estão ligadas a ele. Independentemente da postura adotada em relação a esse tipo de interação, a transparência a respeito da situação é requisito básico para uma discussão verdadeira sobre os rumos que se quer dar – ou não – para a UFSM.
A UFSM E AS PARCERIAS PRIVADAS: BENEFÍCIO?, pelo viés de Bibiano Girard e Tiago Miotto
Ilustração de Rafael Balbueno
Publicado originalmente na revista .txt número 10, do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria.
bibianogirard@revistaovies.com
tiagosmiotto@revistaovies.com
Para ler mais reportagens acesse nosso Acervo.
Acho bom quando é feito por meio de convenio,e poder evitar os interesse pessoas e
monopolização de alguma empresa.