A Bancada Ruralista (ou por que não existe reforma agrária)
Segunda Parte
Um dos maiores entraves a leis que democratizam a propriedade de terras se esconde dentro do poder público. A chamada “bancada ruralista” é formada por deputados federais e senadores com interesses na área rural do Brasil. A bancada é constituída basicamente por grandes fazendeiros, pecuaristas ou por outros deputados e senadores que agem na maior parte do tempo a favor do “agrobusiness”, das grandes empresas produtoras e das multinacionais do agrotóxico.
Sendo assim, as bandeiras defendidas por estes deputados dão conta da facilitação de negócios agropecuários, aumento de crédito para os produtores por parte do governo, diminuição de juros e taxas, flexibilização de medidas para o cuidado do meio-ambiente e renegociação das dívidas dos latifundiários.
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A UDR, a “Constituição Cidadã” e a bancada escondida
A história da bancada ruralista começa a mais de vinte anos. No fim claudicante da ditadura militar ocorreu no Brasil o chamado Congresso Constituinte. Ele aconteceu da seguinte maneira: deputados e senadores “constituintes” seriam eleitos e discutiriam a nova Constituição Brasileira (a sétima desde a Independência do Brasil, diga-se).
Três grandes grupos de interesse é que pautavam a discussão. Os chamados “governistas” (capitaneados por Sarney, ACM, Marco Maciel e Íris Rezende), que tinham como objetivo a continuidade do modelo presidencial para o país e a permanência de Sarney por cinco anos à frente da presidência. Um grupo formado pelo “empresariado”, que se dividia em três outros grupos: o empresariado brasileiro, o estrangeiro e o ruralista. Seus objetivos eram manter e ampliar concessões ao mercado brasileiro, diminuir os impostos e a interferência do Estado no mercado e barrar qualquer tentativa de reforma agrária. Por fim, outro grupo continha os diversos movimentos sociais, como o MST, a CUT, a Confederação Geral dos Trabalhadores, sindicatos de toda a ordem, entre outros. Com pequeno apoio no Congresso, essas e outras entidades representativas buscavam milhões de assinaturas pelo país para que por abaixo-assinado as pautas de seu interesse entrassem em pauta.
Desde aquela época o poder patronal rural queria se inserir no poder governamental, tomando suas rédeas. Assim foi criada a União Democrática Ruralista. Por meio de grandes leilões de gado, a UDR fez “caixa” para a criação de comitês por todo o país. E com a eleição de diversos deputados, a entidade conseguiu barrar as medidas que procuravam democratizar as terras e promover a reforma agrária no país.
Com o passar de alguns anos a UDR perdeu força política como partido, principalmente depois de seu líder Ronaldo Caiado perder a vaga que tinha na Câmara dos Deputados. No entanto, não pode-se dizer que a UDR perdeu força como instituição, pois ela não perdia simpatizantes. Eles se espalharam por diversos outros partidos políticos. Hoje a bancada ruralista age sem tanta publicidade, escondida – sinal dos tempos, talvez – e o número de parlamentares nas duas casas legislativas só pode ser estimado, sem muita exatidão.
Segundo dados do site Transparência Brasil o número de integrantes da Bancada é de, no mínimo, 82 deputados federais e 12 senadores. Outras estimativas dão conta de mais políticos ligados à bancada, podendo chegar aos 140 deputados federais e senadores, o que torna a bancada ruralista o maior grupo de interesse na Câmara dos Deputados e no Senado.
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Levando em consideração a estimativa feita pelo site Excelências, ligado ao Transparência Brasil, podemos averiguar a força dessa bancada na política brasileira, a maior das dificuldades encontradas por aqueles que pretendem democratizar as terras no país promovendo a reforma agrária:
Os números da bancada ruralista:
O poder de lobby da bancada ruralista é difícil de ser mensurada. Na base da troca de favores e do “uma mão lava a outra” o poder dos grandes produtores de terra cresce na política brasileira. Mas, além de poder de convencimento existem outros poderes, como por exemplo, o poder midiático e o financeiro.
Veja: entre os 82 deputados federais da bancada ruralista, 27 declaram possuir pelo menos uma concessão de rádio ou TV, o que equivale a 33% da bancada com meios técnicos diretos para emissão de suas opiniões. Esse número aumenta se comparado à toda a Câmara. Dos 67 deputados federais que declaram possuir pelo menos uma concessão de rádio ou TV, 27 são da bancada ruralista (entre rádios, TVs, gráficas e jornais impressos). O equivalente a 40% do total.
Entre os senadores ruralistas o número é semelhante se contarmos aqueles que são ruralistas e detém concessão de radiodifusão, quatro deles, ou os mesmos 33% do total. Já na comparação com o resto da Casa, os números caem drasticamente. Os quatro senadores representam apenas 15% dos senadores que possuem concessão para radiodifusão, 26.
Ao levarmos em conta o patrimônio declarado pelos deputados federais da bancada ruralista em 2010 encontramos um número exorbitante. Os patrimônios dos deputados é de R$329.165.800,27, contando os 77 deputados que declararm patrimônio em 2010. O que dá uma média de R$6.795.311,26 para cada um dos deputados federais.
Já os dez senadores que tem seu patrimônio disponível (dos 12 considerados) possuem juntos o patrimônio de R$39.588.481,63. O que na média daria quase Quatro milhões de reais para cada um. Esses números correspondem aos dados de 2010 ou 2006, levando-se em conta que, em função do mandato dos senadores ser de oito anos, só metade deles declarou patrimônio ao TSE em 2010, os outros cinco declararam apenas no ano que foram eleitos, 2006.
Todo esse poder é disputado pelos diversos partidos brasileiros. São onze partidos com pelo menos um representante ruralista na Câmara dos Deputados e seis com pelo menos um ruralista no Senado Federal. O destaque vai para PMDB e Democratas, cada um com 21 deputados federais e senadores ruralistas, como pode ser visto nos gráficos abaixo.
Câmara dos Deputados / Senado Federal
Para melhor visualizar os gráficos, clique em cima das imagens (abrirá em nova aba)
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Observando a divisão da bancada pelos estados brasileiros temos um panorama ainda pior. Os 94 deputados federais e senadores da bancada rural se dividem entre 25 estados. Os únicos estados que, segundo os dados do site Transparência Brasil, não possuem deputados ou senadores ruralistas são Amazonas e Amapá. Pode-se destacar o estado do Tocantins e do Paraná nessa divisão. O primeiro elegeu três políticos ruralistas, ou seja, toda sua bancada no Senado é formada por ruralistas. O segundo tem oito deputados federais ruralistas e dois senadores também da bancada. Veja gráficos:
Câmara dos Deputados / Senado Federal
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Com bancada tão heterogênea e atuante fica difícil ficar impune na política brasileira, a bancada ruralista não só não consegue manter-se limpa como em muitos aspectos é o agrupamento mais sujo das casas legislativas.
Os podres rurais:
Entre deputados federais e senadores ruralistas temos grandes caciques da nossa política, como o deputado federal Jader Barbalho (PMDB-PA), conhecido depois do escândalo da SUDAM; o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), preso pela operação “Pororoca” da Polícia Federal por suposto envolvimento em fraudes de licitações públicas nos estados do Pará, Amapá e Minas Gerais; a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), uma das mais famosas representantes da bancada; os irmãos Dias – Álvaro (PSDB) e Osmar Dias (PDT), ambos do Paraná; Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), nessas eleições candidato ao governo da Bahia; e um dos mais famosos mensaleiros, Valdemar Costa Neto (PR-SP). Entre tantos outros.
Entre as “irregularidades” encontradas que recaem sobre os ombros ruralistas estão: improbidade administrativa (caracterizado basicamente pelo enriquecimento ilícito durante mandato público), com 59 casos; nepotismo, 23 casos; peculato (a apropriação ou uso de bens públicos para benefício próprio ou de terceiros), com 22 casos; formação de quadrilha, com 21 casos; desvios e fraudes licitatórias ou crimes ligados a irregularidades nas leis de licitações, 19 casos; irregularidades nas prestações de contas, 19 casos; crimes por responsabilidade, 14 casos; crimes contra o meio-ambiente e/ou patrimônio genético, 8 casos; apropriação indébita, 6 casos; falsidade ideológica, 4 casos; corrupção eleitoral, com os mesmos 4 casos. E mais: casos de abusos de autoridade e poder, compra de votos, casos de privação da liberdade pessoal, ou seja, escravidão, e até homicídio (de um adversário político).
Os ruralistas são líderes em áreas como o número de faltas, metade dos dez mais faltantes na Câmara dos Deputados são ruralistas, e no número de ações na justiça e tribunais de contas, dois dos três deputados com mais pendências judiciais integram a bancada. Metade deles também são acusados de usar passagens aéreas para viagens internacionais, repassá-las à parentes ou vendê-las para enriquecimento próprio.
Políticos ruralistas envolvidos em esquemas e escândalos também sobram: cinco são acusados de envolvimento no Mensalão e no Valerioduto, outros ligados ao Mensalão do Democratas, à Máfia dos Sanguessugas, ao escândalo do Banestado diversos deputados e senadores também já foram investigados e até presos pela Polícia Federal em operações como a Pororoca (investigou e prendeu pessoas acusados de excluir dívidas de municípios para poder repassar recursos) , Praga do Egito (também conhecida como Operação Gafanhoto, investigou acusados de movimentar indevidamente o salário de servidores públicos), Lacraia (investigou grileiros de terra), Caronte (investigou fraudes no pagamento de dívidas ao INSS), Navalha (investigou casos de fraudes em licitações públicas, que beneficiaram principalmente a Construtora Gautama), João de Barro ( investigou esquemas de desvio de verbas das obras do Programa de Aceleração do Crescimento) e até uma citação na Operação Arcanjo que investigava uma rede de pedofilia.
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Bancada Ruralista, na mão dos brasileiros
Se há uma boa notícia quanto à bancada que controla as terras, dificulta a reforma agrária e age a favor do interesse de poucos em detrimento do sofrimento de muitos é o pleito deste ano. As eleições deste ano elegerão todos os deputados federais e dois terços do Senado. Na Câmara 60 deputados ruralistas são candidatos a reeleição, quatro são candidatos a deputados estaduais (a maioria deles são suplentes que assumiram no meio dos mandatos), seis são candidatos ao Senado Federal e outros dois são candidatos a governador. Quanto ao Senado, apenas dois são candidatos a reeleição, outros cinco seguem até 2015, dois concorrem a governos estaduais e um é candidato a deputado federal.
Vimos que várias forças exercidas pela bancada ruralista atuam sobre a democracia – o poder financeiro e o poder midiático, principalmente. O papo da força do eleitor já virou “mais do mesmo”. De qualquer forma o voto consciente é uma das poucas formas de escolha popular na nossa frágil democracia (frágil por dar pouco espaço à população para escolhas diretas como as consultas populares e os plebiscitos, o que valoriza ainda mais a escolha de cada cidadão.
Veja também a Primeira Parte, É A PARTE QUE TE CABE DESTE LATIFÚNDIO
É A TERRA QUE QUERIAS VER DIVIDIDA, pelo viés de João Victor Moura
Fotos: montagems sobre fotos da Agência Câmara e Agência Senado – Acervos
joaovictormoura@revistaovies.com
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