Neste mês de abril a revista o Viés muda de forma. Várias mudanças já foram pensadas, discutidas e serão postas em prática no dia 25 de abril. Pensando nisso, o meu espaço de publicação será destinado a este assunto: reforma.
Lutero e Juárez
A Reforma mais importante da história é, provavelmente, a Protestante, ocorrida a cerca de 500 anos, na Europa. Os livros didáticos de história já devem ter explicado, talvez até em detalhes, o que foi esta reforma, promovida por cristãos liderados por Martinho Lutero, mas sempre vale a lembrança: na época, depois da conhe-
cida publicação das 95 teses de Lutero, diversos líderes religiosos e governantes deram apoio ao teólogo alemão que ganhou força graças ao descontentamento de diversos líderes com a Igreja. Tal desagrado, pode-se dizer, baseado na falta de ‘vocação’ de diversos padres, bispos e papas católicos durante a Idade Média.
Era uma época de luxo, não de desapego; um tempo de altas regalias, não de desprendimento ao mundo terreno; um período marcado por um poder eclesiástico que não se limitava à Igreja, um poder supremo, de Estado. Nesse ambiente conturbado Lutero touxe novos ensinamentos, com ideias parecidas com outros ‘reformistas em potencial’, como o inglês John Wycliffe e o tcheco Jan Hus.
A Igreja que Lutero e tantos outros estudiosos, padres e (por que não?) chefes de governos queriam era menos controladora que a Católica, com menos dogmas para os fiéis e menos poder para os tais representantes de Deus.
Entre as características que Lutero atacava no catolicismo estavam: a Simonia, venda de, entre outras coisas, lugares no céu; a Idolatria das imagens, dos santos ou da Virgem Maria; o controle dos textos bíblicos exercido pelo clero, proibindo a reprodução da Bíblia para qualquer língua que não o latim; a influência da Igreja em áreas que não seriam de sua alçada, como por exemplo o poder de justiça durante a Inquisição.
O racha envolvendo Lutero e a Igreja acabou por dividir o cristianismo ocidental entre católicos e reformistas. Séculos depois, em 1861, a Igreja Católica passaria por outro grande revés. Desta vez no Novo Mundo.
Na conhecida Guerra da Reforma, Benito Juárez dirigiu os liberais do México na busca de avanços para a nação. E uma das principais questões desenvolvidas pelos liberais foi a separação entre Estado e Clero no país.
Na época a Igreja era senhoria de metade do país, e sua posição completamente conservadora. Ignacio Comonfort, um político moderado, foi eleito presidente, com ações brandas contra a Igreja. Tais medidas acabaram não satisfazendo nenhum dos lados, entre conservadores e liberais. Seus avanços contra a Igreja foram suficientes para deixar o clero descontente, mas insuficientes para as pretensões liberais. O que dá início a Guerra da Reforma, que se estende entre dezembro de 1857 e janeiro de 1861. Ou, como também é conhecida Conflito que dividiu o país, sendo também conhecido como Guerra Civil Mexicana,
Durante o conflito o México se viu dividido, em plena Guerra Civil. Dois governos simultâneos foram instaurados. Um conservador comandado por Félix Zuloaga na Cidade do México e o liberal de Benito Juárez com sede itinerante, estabelecendo-se por fim em Veracruz. Em janeiro de 1861 o governo liberal venceu depois de diversas vitórias campais. Logo vieram as mudanças que desagradariam o Clero, as chamadas Leis da Reforma.
Entre as alterações ocorridas na legislação mexicana estiveram: a nacionalização dos bens da Igreja Católica; a lei do Matrimônio Civil; o fim do controle clerical sobre os cemitérios; a proibição de assistência governamental à Igreja; e a lei de liberdade de culto dentro do México. Todas estas mudanças decompuseram Estado e Igreja, órgãos que eram praticamente inseparáveis nos tempos coloniais da América. O poder católico sofria mais um duro golpe reformista.
Novas Reformas e aquelas que estão por vir
Se tais reformas vieram como uma resposta ao poder da Igreja, outras vêm responder outras necessidades. Umas querem facilitar a vida, integrar pessoas, nações. Nessa classificação entra a reforma ortográfica da língua portuguesa de 1990 (em vigor desde 1º de janeiro de 2009), por exemplo. Já outras reformas tentam diminuir disparidades, como a Reforma da Saúde nos EUA, ou a Reforma Agrária no Brasil.
No caso da Reforma da Saúde do governo Obama, novamente se opõem conservadores e liberais. Até a Reforma da Saúde mais de 32 milhões de estadunidenses não contavam com planos de saúde. Muitos deles impossibilitados financeiramente, ou negados pelas empresas (prática comum no país) [veja Sicko de Michael Moore para mais]. O governo de Obama tinha como objetivo claro desde a posse tal reforma, que sofreu diversas mudanças para poder ser aprovada.
Basicamente a administração democrata queria cobrir com seguro de saúde toda a população estadunidense. No entanto, muitos deles não tinham renda suficiente para pagar. O governo conseguiu aprovar as reformas, que incentivam fiscalmente as camadas mais pobres da população a assinar um plano de seguro, podendo ser, inclusive, o do próprio governo. A reforma foi aprovada com diferença de três votos, demonstrando o descontentamento da oposição republicana com o tema, que colocaria o Estado na disputa do mercado de seguros.
Já aqui no país a discussão da Reforma Agrária não se desenvolve, basicamente pelas pressões da oposição, latifundiária. O último embate ocorreu com a publicação do PNDH-III, Plano Nacional dos Direitos Humanos, que pode ser visto quase como um roteiro para diversas reformas. Entre elas a Reforma Agrária.
Mas a reforma esbarra no poder dos adversários. Kátia Abreu, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, é também senadora da república do Tocantins pelo Democratas. Só por aí se percebe a força do agrobusiness no cenário nacional. E a dificuldade de avanço para uma divisão mais justa de terras.
Reformas. Antigas como a protestante. Motivos de guerra como a liberal mexicana. Importantes como a da saúde nos Estados Unidos. Necessárias como a agrária no Brasil. Desafiadoras como a que apresentaremos nos próximos dias aqui, na revista o Viés.
ATO OU EFEITO DE REFORMAR, pelo viés de João Victor Moura
[Fotos de Nathália Costa]
joaovictormoura@revistaovies.com
Parabéns! texto claro e demonstrando bem os tipos de reformas que podem correr em todos os segmentos .Parabéns!