Uma multidão já era esperada. Seria um acontecimento grandioso, comparado a uma visita papal ou à posse de um grande presidente. Lado a lado, dezenas de chefes de Estado, ministros, reis e príncipes. Ao todo mais de uma centena. Todos ali prestando condolências no capítulo final da vida de um ditador de punho forte, mas com um carisma capaz de unir pessoas de diferentes religiões e etnias: Josip Broz Tito.
Como fundar um país multiétnico
Era 1941 e a Alemanha Nazista invadia a região da Iugoslávia. A vitória parecia fácil, ainda mais diante de forças que mais preocupavam-se em resolver suas próprias diferenças do que defender a região, não fosse o Exército de Libertação Nacional comandado por Tito. Uma força rebelde também conhecida como “partisans iugoslavos”.
Vindo diretamente do Comitê Central do Partido Comunista soviético, Tito tinha a força e a experiência necessária para comandar uma resistência. Essa resistência, de filosofia comunista, agia como muitas outras resistências durante a Segunda Guerra Mundial, como forças de guerrilha, minando aos poucos a força dos exércitos do Eixo.
O ímpeto alemão não seria facilmente contido, mas havia outros problemas, o principal deles era a disputa com outros grupos da região.
Remanescentes militares, os chetniks, sonhavam com a volta do monarca Pedro II ao trono iugoslavo. Liderados por Draza Mihajlovic tinham, a princípio, reconhecimento dos aliados, como os Estados Unidos e a Inglaterra.
Já os ustachas, fascistas croatas comandados por Ante Pavelic, tinham o apoio do eixo. Tendo inclusive um governo próprio reconhecido pela Alemanha, o Estado Independente Croata.
Dessa forma, os partisans não recebiam apoio oficial de nenhum dos lados, mas ganhavam a população, recebendo a simpatia também dos não-comunistas com palvras de ordem, chamando o povo às armas.
Com o avanço no conflito, diversas vitórias aconteceram e, já em 1944, os partisans passaram a ganhar recursos externos, sendo reconhecidos pelos principais líderes aliados: Stalin, Churchill, Roosevelt.
Com a vitória partisan em Belgrado e a retomada da cidade, no início de 1945, Tito aceitou a ajuda do Exército Vermelho soviético, vencendo assim a disputa com os nazistas.
No entanto, com o fim da guerra, Tito agradeceu o apoio de Stalin e dos demais aliados, mas convidou-os a se retirarem do país, tornando-se o líder do governo.
Em novembro de 1945, foram convocadas eleições. Tito venceu com 80% dos votos. Detalhe: os candidatos oposicionistas foram escolhidos por ele. A partir daí, Tito governou até a sua morte, em 1980.
Revisionistas históricos descrevem que, após o fim da Segunda Guerra, a violência contra os grupos contrários a Tito chegaram a matar mais de 300 mil pessoas. É a mancha de sangue da história iugoslava, que derrocaria, por fim, no banho de sangue da década de noventa.
Formações
Josip Broz/Iugoslávia
Tito nasceu Josip Broz no dia 7 de maio de 1892 num vilarejo do ainda Império Austro-Húngaro, depois anexado à Croácia. Filho de um ferreiro esloveno com a croata Marija, foi aprender o ofício do pai aos 13 anos na cidade de Sizak, onde ingressou no movimento trabalhista local. Dali para o sindicato dos metalúrgicos e para o Partido Social-Democrata Croata e Esloveno.
Com o estouro da Primeira Guerra Mundial, em 1914, foi ao fronte. Um ano depois era capturado pelos russos ainda do tempo do Czar. Mandado para um campo de trabalhos forçados, logo tornou-se um agitador em meio aos outros trabalhadores. Em 1917, já liberto, vai às ruas de Petrogrado demonstrar apoio aos bolcheviques de Lênin, ingressa no Exército Vermelho e posteriormente no Partido Comunista.
A formação da Iugoslávia foi cheia de percalços, em parte pela excentricidade do século XX. Croatas e Sérvios, as duas etnias preponderantes, não tinham uma relação amigável na maior parte de suas histórias. Até a I Guerra Mundial os territórios da região eram comandados por dois impérios: o Austro-Húngaro ao norte e o Otomano ao Sul.
Após o fim da guerra, um movimento de unificação ganhou ainda mais força, fundando-se o Reino da Iugoslávia. Juntos estavam, pela primeira vez, os territórios da Sérvia, da Croácia, da Bósnia e Herzegovina, de Montenegro e da Eslovênia. Dentre estes, a Sérvia já contava com mais três territórios anexados: Macedônia, Kosovo e Voivodina. Juntas mais de 30 etnias diferentes, com costumes, religiões e graus de simpatia diferentes.
Neste caldeirão nascia o reino iugoslavo, comandado pela família real sérvia, os Karadjordjevic.
Depois de diversos processos de violência étnica ocorridos antes e durante o reinado, a família real pede auxílio nazi-fascista para permanecer no trono. Mas o auxílio, firmado na assinatura do Pacto Tripartite, orfigem do Eixo, não foi suficiente, e a Alemanha invade a região em 1941. O reino é logo dividido: parte dos territórios são anexados por Hungria e Bulgária. Outra parte forma a República Independente Croata, de governo fascista alinhado à Alemanha. Por fim, um Estado Sérvio é criado, ainda reconhecendo Pedro II, o rei no exílio, como soberano.
Sobre esse quebra-cabeça Tito, na liderança dos partisans iugoslavos, consegue derrotar os nazistas e unir boa parte das regiões do Reino Iugoslavo. Cria-se assim a Iugoslávia Democrática Federal. Depois denominada República Federativa Popular da Iugoslávia. Para enfim, em 1963, receber o nome de República Socialista Federativa da Iugoslávia. O país comandava seis repúblicas distintas, com duas províncias autônomas, Kosovo e Voivodina.
O Titoísmo
Há partir de sua eleição, Tito colocou em prática um tipo de socialismo que depois seria conhecdio por Titoísmo, ou socialismo autogestionário.
Esse tipo de regime tem, como característica principal, a ação socialista diferenciada para cada realidade, o que o diferenciava do Stalinismo soviético e desagradava Moscou.
Para o titoísmo não são as imposições externas que devem reinar, mas sim as condições econômicas, políticas, históricas, geográficas e culturais de cada país. Assim, Tito não aceitou a doutrina do Cominform vinda de Moscou, rompendo com ele e tornando a relação diplomática com Stalin mais complicada e distante.
As relações só voltariam ao normal com a chegada de Nikita Khrushchov ao poder, em 1953.
Num país em que conflitos étnicos e religiosos ocorreram em diversas ocasiões, Tito escolheu não criar novos problemas, liberando todo o tipo de religião. Deixando de fora o Estado, que seria laico e não diferenciaria ninguém por sua religião. No que diz respeito as etnias, o titoísmo defende a multi-etnicidade, sem a necessidade de conflitos como os da URSS pela russificação da população.
Em cargos públicos, nos postos de trabalho e nas escolas existia inclusive uma política de pluracidade étnica obrigatória, com a criação de cotas mínimas para cada etnia distinta.
Outros pontos importantes do Titoísmo, que o distanciava do Stalinismo, eram a chamada autogestão dos trabalhadores, e a possibilidade de pequenas propriedades privadas.
Para os críticos a tal Autogestão era Corporativismo (modelo de colaboração entre as classes sociais), para os titoístas era Comunismo de Conselhos (que defende os conselhos operários como instância principal de governo, sem a necessidade de partidos políticos ou um Estado).
O modelo de Autogestão iugoslavo dava todo o comando das fábricas aos operários, que dividiam o lucro entre si de forma direta, diferente do ocorrido na União Soviética.
Quanto às pequenas propriedades privadas, o regime iugoslavo considerava que não poderiam ser chamadas capitalistas, por não terem mais-valia. Entre as propriedades que podiam existir estavam os pequenos negócios, pequenas propriedades rurais, comércios familiares etc.
Não alinhamento
Mesmo sendo um Estado com políticas socialistas, a Iugoslávia decidiu não se alinhar ao “Segundo Mundo”, juntando-se , aos chefes de Estado já não-alinhados desde a Conferência de Bandung. Tito toma à frente do Movimento, ganhando a simpatia do mundo ocidental.
Posteriormente, Tito juntou-se ao dirigente búlgaro Gueórgui Dimitrov no intuito de criar uma única nação. Tito tinha, como um todo, uma política extremamente irritante aos soviéticos, uma postura independente.
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Tito faleceu no dia 4 de maio de 1980, sua morte decorreu de problemas de circulação. Depois de sua morte, o barril de pólvora iugoslavo explodiu, com a ascensão de diversos grupos nacionalistas internos, aqueles mesmos que foram unidos depois da Segunda Guerra Mundial.
Com o fim da Guerra Fria e da União Soviética diversos territórios proclamam independência: Eslovênia, Croácia, Bósnia e Herzegovina. Unindo isso ao sentimento nacionalista criado por Slobodan Milosevic iniciam-se os conflitos chamados de Guerra da Bósnia.
Atualmente são seis os Estados independentes criados pós-Iugoslávia: Eslovênia, Croácia, Bósnia e Herzegovina, Macedônia, Sérvia e Montenegro.
Ainda hoje a região de Kosovo, de maioria albanesa, não consegue tornar-se independente, sendo região ainda disputada no caldeirão iugoslavo.
COMO FUNDAR UM PAÍS MULTIÉTNICO – A HISTÓRIA DA IOGUSLÁVIA DE TITO, pelo viés de João Victor Moura
joaovictormoura@revistaovies.com
Fontes das imagens: wikipedia
Para ler mais reportagens acesse nosso Acervo.
Muito boa a matéria, parabéns!
Boa noite!
Oi! Vim dar uma checadinha no site. Nossa, muito legal, bem interessante! Parabéns!
Assim, poderia dar uma sugestão? Hoje é o dia Internacional da água, poderiam aproveitar e postar algo sobre esta semana. E olha que seria muito interessante, li hoje uma reportagem (não me recordo o jornal) mostrando dado assustadores obtidos pela ONU sobre o consumo da água. Acredito que seja algo de grande importância divulgar. Só para ter uma idéia, a ONU extima um total de 20% o valor tolerável de desperdício de água, sendo que na realidade o desperdício é de 70%. É de se chocar, mas é a realidade.
Bem, agora que tenho o endereço, vou acessar mais vezes!
Abraços
Lara, acadêmica de Geografia Bacharelado – UFSM.