Há quem diga que um homem de olhos claros, barba espessa, roupas pesadas e chegando por uma lareira não seja muito brasileiro – na verdade pode se dizer que não é nem muito austral,ou seja: não caracteriza aqueles que passam o Natal na estação quente, como os sul-americanos e os africanos. Mas discutir, no dia 24 de Dezembro, por que Papai Noel é assim, quem era São Nicolau, por que o Natal é dia 25 de Dezembro e etc. não é o objetivo. Vamos falar de um homem muito mais misterioso, que assim como Papai Noel não existe, e que caiu no ostracismo, um mito brasileiro.
No segundo escalão da mitologia brasileira, ele vê seus semelhantes ganharem notoriedade: homenagens musicadas, convites para participações em programas de TV, participações em livros e gibis, etc. É uma situação muito triste para um senhor já de avançada idade. Ainda mais quando tem que admitir a derrota para um imigrante estrangeiro, vindo de uma região gelada e inóspita, o Pólo Norte.
Tá certo que ele, o tal imigrante, não veio de mãos abanando, ou começou por baixo para ser o que é hoje. Não. Ele veio de cima, com patrocínio de empresa de bebidas e roupa no capricho, nada parecido com nosso personagem, de cabelos desgrenhados e pés descalços.
É que o nosso personagem não era assim muito simpático. Nem mesmo servia aos filhos da elite engordada à Coca-Cola ou as crianças mais humildes, que sonhavam com as mesmas coisas que aquelas mais afortunadas.
É que o que era bom mesmo era a Zôropa do Noel e um índio velhinho não satisfazia as expectativas com seus presentes de madeira, seu tacape seu arco e sua flecha. Bom mesmo era o bom velhinho branco, com aquele videogame caprichado, cinto afivelado e botas de couro. Resumindo: foi game-over para o Vovô Índio, a tentativa de um Papai Noel brasileiro.
Tudo começa em algum lugar na década de 30. Reza a lenda que o próprio Monteiro Lobato teria criado o personagem, teoria descartada pelos seus mais importantes biógrafos. Outra versão é de que o jornalista Cristovam Camargo teria criado Vovô Índio. Na verdade tudo que se tem sobre o personagem pode ser mera fantasia, mitologia barata, já que os dados são bastante escassos e contraditórios.
Até onde se sabe o personagem foi criado pela Ação Integralista Brasileira, movimento nacionalista e fascista brasileiro posto na ilegalidade em 1938. O objetivo da criação era iniciar um movimento brasileiro para a representação do natal, com um índio como personagem principal.
Desde o início a ideia não foi bem aceita, principalmente com aqueles que deveriam ter como ídolo o Vovô, as crianças.
Vovô Índio vinha andando, da selva onde morava, carregando consigo os presentes que ele mesmo produziu (até onde se sabe sem ajuda alguma de duendes ou quem quer que seja) para distribuir entre as criancinhas. A verdade é que o índio tinha um passado difícil, vindo do relacionamento de uma índia e um negro – é, tecnicamente Vovô Índio era cafuzo – nasceu escravo e foi criado por uma família branca, que depois o alforriou.
Ele então, para os Integralistas seria a mestiçagem brasileira mais que perfeita, o símbolo do Brasil pela sua “tríplice” criação.
Mesmo assim não havia reconhecimento, apelo popular, na verdade o marketing era escasso, uma ou outra capa de revista (Anauê, a maior revista Integralista, para ser mais exato), enquanto Papai Noel já ganhava o mundo, junto com as renas, os bonecos de neve, os duendes e até uma velhinha para lhe ajudar. Foi uma goleada, o marketing transnacional venceu novamente, o Brasil cedeu seu índio pelo barba branca globalizado.
É bem verdade que um artefato de madeira dado por um índio pode não ser considerado atrativo para a grande maioria das crianças, mas ter que concorrer com a imagem do velhinho de barba branca nas casas, comércios e ruas foi demais para o Vovô, que voltou à floresta e hoje repousa sem direito nem a aposentadoria ou décimo terceiro, esperando talvez pelo chamar de uma única criança que se negue à sentar no colo de Papai Noel, que seja nacionalista como os Integralistas de décadas atrás… talvez seja esperar demais de uma criança.
A BREVE HISTÓRIA DE UM PERSONAGEM ESQUECIDO DE NATAL , pelo viés de João Victor Moura
joaovictormoura@revistaovies.com
Gostei do texto. O único problema é a hipocrisia brasileira da “intelectualidade”: falam, falam, falam contra os EUA, a Coca-Cola e o Mc Donalds e hoje, na véspera de Natal (dã) vão se esbanjar de coca-cola, panetones e produtos industrializados dentro de caixinhas escritas OPEN. Aí não tem razão escrever sobre tudo isso. Se for para falarmos e discutirmos, que mudemos nós antes. Nosso cotidiano.
Não sei dessa história, mas é bem a cara dos fascistas brasileiros mesmo. E não duvido das intenções de Getúlio Vargas , no auge de seu Estado Novo… Plínio Salgado, mentor do integralismo (e ótimo escritor, romancista etc, por sinal) poderia ter adotado essa estratégia, mas, francamente, eu duvido. Isso por que os fascistas nacionais tinham uma fixação com a postura religiosa, em especial, a cristã católica conservadora. E o catolicismo, na década de 30 combatia, de um lado as influências externas (maçonaria, protestantismo, judaismo etc), e primavam por enaltecer o sentido espiritual do Natal, do nascimento de Cristo e por aí vai. Dificilmente, os católicos fervorosos como o líder dos fascistas brasileiros concordariam com a substituição de um símbolo como o Papai Noel (que foi criado como símbolo da Coca-Cola, refrigerante que apenas teve a explosão de vendas no pós-guerra, quando nos entregamos de corpo e alma aos brothers ianques) por um índio, cuja etnia tinha pouca, mas pouca mesmo importância para a sociedade branca no poder (logo, com poder aquisitivo para o consumo).
Talvez o engano se dê por causa dos integralistas terem adotado algumas expressões indígenas como expressão de identidade, como a salvação “Anauê!” (“Salve!”, em tupi ou guarani, não sei). Mas é só!
Quanto ao Getúlio Vargas, que mencionei antes, ele ao menos transformou uma festa popular e caótica de rua, que era o carnaval, em desfile de carros carnavalescos (isso, por força de lei), que daria origem ao atual desfile de escolas de samba. A direita babante não tolera manifestações pública que não pode controlar. Se tomares as músicas de carnaval daquela época, verás que as marchinhas tem sempre conteúdo político, favorável – é claro – ao então ditador de plantão.
Como adoro Monteiro Lobato, saio em sua defesa: ele primava pela defesa do nacional, mas não vi e não acredito que haja qualquer escrito que comprove sua participação em uma temeridade dessas. Vide seus livros infantis.
Quanto ao tal índio, creio que se trata de algum conto escrito por algum escritor em algum momento da história, que acaba se transformando em “lenda”. Por acaso, não é isso que acontece com a história da índia Imebuí e a criação de Santa Maria?
Creio que o seu texto, bem escrito, precisa mais de fundamentação, de fontes ou de motivos. Está tudo muito no ar.
O texto do Gian poderia – e mereceria – comentários, mas não me foi oferecido o box para isso. Por qual razão?
Rondon, não sabemos por quais motivos os comentários daquele texto não estavam liberados, mas agora o estão.
Olhe, pesquisei um tanto sobre esse Cristovam Camargo. Foi ele que – realmente – criou a história do Vovô Índio, para – supostamente – se contrapor à figura do Papai Noel. E a teoria – fracassada no nascedouro, foi sepultada de vez durante o governo ditatorial do Estado Novo, que quis impor a figura “mítica” (me parece que assustava as crianças) ao povo. Não colou e não há maiores referências bibliográficas/literárias sobre o assunto. É possível que o próprio integralismo não tenha adotado a idéia, já que estava mais preocupado – nesse período – com sua própria ilegalidade, após a tentativa de ataque ao Palácio da Guanabara. Os líderes do integralismo estavam presos ou exilados na época. Plínio Salgado entre eles.
Olhe, João, encontrei em Sampa um exemplar do livro que lançou o tal Vovô Índio (até o comprei…). Chama-se “Fabulário de Vovô Índio” e teve apenas uma edição publicada, em 1935. Seu autor, o Christovam Camargo não teve lá muita expressão. Não foi seu único livro etc, mas não teve muita repercussão (escreveu um perfil de D. Pedro I), mas parece ter sido um bom literato, já que organizou um livro de poesia persa. Parece mesmo que foi o Getúlio Vargas, através de seu DIP que quis se aproveitar da idéia. O integralismo, mesmo, ficou de fora disso.
Olá Rondon,
como o sr. percebeu, as fontes e referências são poucas ao ‘causo’ do vovô índio. Não existem nem imagens de como ele seria e etc.
Mesmo assim sustento a história, enquanto não se prove o contrário, de que vovô índio foi um personagem adotado pelos integralistas brasileiros, sendo capa, segundo minha pesquisa, de 3 capas da revista Anauê. Até por que o vovô índio era mistura de negro com índio e criado por brancos, o suprassumo da miscigenação que os integralistas tanto gostavam.
Realmente a ideia já foi ‘mal nascida’ e logo a tentativa de mudança dos, digamos assim, “folclores” natalinos foi sendo deixada de lado e se acabou, o que só torna o caso ainda mais curioso e com pouca bibliografia.
Sobre Monteiro Lobato, é uma grande lenda a história dele ter sido o criador do personagem, mesmo ele sendo grande amigo de Plínio Salgado e simpático ao Integralismo.
Obrigado pelos comentários,
um abraço.
João Vítor, se você tem as capas da revista Anauê, elas deveriam ter sido citadas. Quanto às fontes, existem as indiretas que dariam mais conteúdo para esse bom tema. As capas se referem ao personagem (Vovô Índio) ou simplesmente ao indígena em si? Por que, caso seja, há apenas a confirmação que os integralistas apelaram ao pobre indígena para fundamentar uma identidade nacional. Eu acho que a confusão que meteram o velho Lobato se deve ao fato desse livro (Fabulário…) ter sido publicado pela Editora Companhia Nacional, cujo o dono principal foi o próprio…Monteiro Lobato (fábulas – com a desse Vovô Índio, deveria agradar ao nosso principal escritor de livros infantis). Mas isso não significava nenhuma adesão à causa, já que Lobato publicou os modernistas, com quem tinha severas e profundas críticas. Mario de Andrade que o diga… Quanto a ser amigo de Plínio Salgado, eu não duvido. Conhecidos, ao menos, já que os dois pertenceram à Academia Paulista de Letras e, notoriamente Lobato tinha amigos e amigos, independente de ideologias etc. Contam que, quando morreu, o féretro de Lobato foi seguido por meia São Paulo, até o cemitério da Consolação. Lá, depois das orações de um padre, um amigo tomou a palavra: “Monteiro Lobato, esse querido comunista…”. Não terminou a frase, sendo cortado por outro amigo, que disse: “ele nunca foi comunista, foi mais integralista”. Bom, resumindo, os dois se estapearam e acabaram dentro da cova, em meio ao burburinho e estupefação daqueles que foram dar o último adeus ao grande escritor. Mas, com toda a certeza, pela bibliografia, ele era um grande liberal, a ponto de recusar emprego oferecido pelo governo do Estado Novo (que era seu grande alvo de suas crônicas), ser preso pelo Getúlio (que adorava um fascismo…) e de gostar de conversar com seus amigos de esquerda, lá no Café Girondino, ainda existente no centro de São Paulo.
Eu adoro afirmações, Vítor, mas jornalisticamente, todas elas devem ser pautadas por fontes, livros etc, e a a falta de acesso a documentos não te exime de comprovar suas palavras ao leitor. Quando escrever, busque isso. A afirmação de que ele era simpático ao integralismo é uma seara polêmica, que mexe com uma personalidade que não está mais entre nós e com uma importância social tremenda. Semelhante caso foi quando o (blargh!) colunista Juremir Machado apontou Eriko Verissimo como simpatizante do nazismo (ou integralismo, não me recordo…) e teve que se ver com o Luís Fernando (a priori, só dá para dizer que o sujeito foi infeliz). É óbvio que a leviandade foi recompensada, e Juremir, que escrevia na Zero Hora, passou para o Correio.
PS: que importância tinha o Papai Noel na época? Que eu saiba, insignificante. Somente depois da IIa. Guerra, começou a ter alguma significância para a simbologia nacional, a ponto de despertar reações. Pode não haver fontes, mas já que queres manter sua versão, procure reconstruir historicamente a história. Do jeito que está, está com muitos furos. De qualquer forma, adorei o tema e a oportunidade de procurar esse livro e pesquisar a situação em que foi criado.
Vítor, fui atrás das capas da revista… Mas no que elas comprovam sua tese? Apenas confirma o uso pelo integralismo da figura do indígena como identidade nacional… O histórico que traçastes não é confirmado. Os “galinhas-verdes” amavam falar dos primeiros moradores da terra, mas… falar de indígena não significa ser integralista. Ou vamos acusar José de Alencar, Antino Callado, de fascista…
Joao achei muito show a materia, parabens meu velho, nao é qualquer um que tem coragem de escrever.
Sr Rondon de Castro, o sr parece ser um bom escritor, você pode passar o link ou o nome da revista que você escreve ou comenta pois gostaria muito de ler suas materias também.
Obrigado, Ivan! Mas, na verdade, eu apenas acompanho o trabalho dos guris… Não escrevo em revista alguma e somente para mim. De qualquer forma, agradeço a amabilidade. Abraço
Muito interessante o texto, também veleu pela polêmica, vi algumas referências, entre elas http://www.releituras.com/joaoubaldo_jingobel.asp
vale a pena dar uma olhada.
Acabei de ler o livro “fabulário de Vovô Índio”, do escritor Christovam de Camargo… É incrível, mas desconfio que o próprio autor (salvo apareça algum documento que comprove o contrário) foi mais é envolvido pelo ideário integralista… O livro mescla contos e fábulas, como moral e tudo, bem ao estilo de Hans Andersen ou Irmãos Grimm (mas sem a qualidade dos mesmos). Afora o título do livro, a figura do Vovô índio aparece em apenas um conto/fábula, muito parecida com a história da corrida da lebre e a tartaruga (é um disputa entre a tartaruga e a preguiça). Os demais, tratam de chimpanzés, girafas, leões etc, mais da fauna africana que outra coisa. Para o ideário integralista, com certeza, o objetivo seria a adoção de representantes da fauna brasileira, como o bugio, onça pintada etc. Não uma fauna importada. O prólogo é o que há de mais político, escrito por Luiz Edmundo (conhecido escritor da primeira metade do século XX), que pode ter alguma ligação não mencionada com o movimento integralista. O certo é que esse senhor teve ligação com os simbolistas, ao menos, é isso que está documentado. É ele que escreve: “Nós devemos a Christovam de Camargo, agora, a enthronização do Vovô Índio no pedestal outr`ora occupado por um fantoche estrangeiro – Papae Noel, figura ridicula de velho septentrião com barbas piassabicas, forrado de pelissas de Astrakan e botas do Don. Num paiz de calor e de sol forte, esse velho friorento e carrancudo já se estava tornando impertinente.” O que me chama a atenção é o “outr`ora” da frase. Ele a construiu como se o Vovô Índio estivesse ocupando um vazio deixado pela figura estrangeira, que entrou e saiu da história mítica brasileira sem deixar pistas. Na verdade, a figura do papai Noel existe desde antes da guerra civil americana (começo da segunda metade do século XIX), foi adotada pela Coca-cola em 1931 e se esparramou pelo mundo. No Brasil, a Coca-cola chegou em 41 e a distribuição era restrita ao nordeste (onde está Base Aérea de Parnamirim, ocupada pelos norte-americanos), no chamado “trampolim para a Vitória”. Mesmo assim, a figura do velho Noel não foi utilizada mundialmente naquele período por causa da guerra. Usavam a propaganda comercial no esforço da guerra, com pracinhas alegres e satisfeitos, tomando a bebida nas pausas dos combates. Então, fica o mistério: quando foi que o barba branca entrou no Brasil? A Coca-cola teve pouca expressão (ou nenhuma) antes da IIa. Guerra, logo, não poderia transformar um símbolo tão forte que ameaçasse os dogmas integralistas. O guaraná Antártica ou a Tubaína tinham mais saída. Andei dando uma olhada em livros de publicidade (história) e a figura não aparece.
Mas uma coisa temos que admitir: se foram os integralistas que adotaram a figura indígena, quem as utilizou foi o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) de Getúlio Vargas que, em 37, já havia botado para correr do país (ou os colocado na prisão), os supostos autores desse fracassado símbolo do Natal tupiniquim.
Coloquei, para quem se interessar, no endereço
http://www.orkut.com.br/Main#AlbumZoom?uid=1472114710868529992&pid=1262211268103&aid=1224502089$pid=1262211268103
– a foto da capa do livro. Reparem na fauna estrangeira (tem até urso polar!!!), incondizente com os dizeres e supostos objetivos dos integralistas. A própria ilustração de Israël Cisneiros (conhecido ilustrador da época) retrata um índio saído de um terreiro de umbanda, ouvindo atentamente essa exótica fauna. Por curiosidade, Cysneiros é um dos autores do livro “Umbanda – Poder e Magia”, que escreveu junto de um pai-de-santo (“Omulubá”). Explica, ao menos, a iconografia adotada (e fracassada) para divulgação do símbolo (as religiões de origem africanas ainda eram , na década de 30, perseguidas) do Vovô Índio.
Prezados Srs.
O Integralismo, realmente, tentou substituir o negregado Papai Noel pelo Vovô Índio. Disso dou testemunho pessoal, pois, conheci pessoalmente várias dezenas de Integralistas da Velha Guarda(anos 30), que me confirmaram esta campanha. Mas, diante da rejeição, já em 1937. Agora, tenho quase todas as Revistas “Anauê!”, e em nenhuma delas o “Vovô Índio” foi capa. Aliás, a criação de tal figura é anterior ao Integralismo, pois, parece-me que surgiu na década de 20.
Anauê!
Sérgio de Vasconcellos.