Qual sua opinião sobre investimentos públicos na arte?
CO: Eu acho certo, na verdade, porque é imposto que você paga. Já que a gente tem que pagar imposto, vamos pagar imposto para usar o dinheiro em alguma coisa que valha para nossa sociedade. Como a gente vive num país carente de saúde, educação, estrutura e tudo mais, eu acho que a arte não tem que ser tão priorizada dentro dos recursos públicos. É que é uma merda a gente viver num sistema político em que as coisas tenham que ser colocadas como prioridades. Na verdade tudo deveria ser investido de uma forma igualitária, só que aqui não. A gente sabe que, por exemplo, os esportes estão na frente, exatamente por questões econômicas, e depois vem a arte – até na frente da educação e da saúde – porque a gente trabalha com uma pirâmide de interesses públicos e investimentos, quando não deveria ser assim. Acho que a arte é importante de ser investida para quem precisa também, porque recurso o Estado tem – tanto para ajudar um edital para o Caetano Veloso, que é podre de rico, quanto pra mim. Só que é uma pena que às vezes muitas pessoas, por exemplo, de ONGs e de projetos sociais não consigam participar desses editais por serem vetados por esses outros maiores. Você vê uma casa de show X que tem muita grana e usam o edital só para não ter que pagar a mais acima da coisa, sabe. É uma coisa má distribuída. Eu acho importante o investimento público, porque é um dinheiro nosso – por mais que pareça um pouco coxinha esse discurso de “ter que tomar nosso dinheiro”, mas é isso na verdade – que você investe para que seja reinvestido no todo, então tem que fazer funcionar. Uma exposição que é através de edital (tenho muitos amigos que participam de edital) é legal da maneira que acontece.
É muito ruim quando o dinheiro limita nossas relações. Eu não tenho dinheiro para fazer um painel, mas aí eu não consigo participar de um edital. Seria bom se eu não tivesse dinheiro e participasse do edital e conseguisse. Eu acho que é importante o investimento público na arte, assim, desde que seja feito junto com educação, com saúde, a porra toda.
Você comentou que os quadrinhos seriam uma forma de se expressar e se comunicar com outras pessoas. Como você enxerga a relação entre a comunicação social e a arte, essa transversalidade entre as áreas?
CO: São coisas que deveriam andar juntas, na verdade. Eu não gosto dessa canonização da arte, de enxergar a arte como algo imperfeito, intocado – não, a arte tem seus defeitos, mas a arte nem sempre é prioridade, a arte não mata fome, né. A arte ela existe, mas ela é inútil. Ela só está aí, porque querem fazer arte, mas existem muitas outras prioridades que a gente pode fazer além da arte.
As mídias que existem, eu acho importante a gente usá-las e entender que as mídias são as ferramentas. As mídias são instrumentos de veiculação do que você faz. Não achar que a arte é um meio de comunicação. A arte é a comunicação em si, é a ideia em si. O veículo que eu uso é o Facebook, a internet, a exposição, a palestra – esse é o veiculo que eu uso para passar a minha ideia, passar o que eu faço, mas nunca tentar entender a arte como algo sagrado, intocável, que deva sempre ser colocado frente de tudo. Esta conversa que a gente está tendo agora é muito mais importante do que tudo que eu faço, assim. Eu estou conhecendo vocês, vocês estão me conhecendo. Para mim não faria sentido fazer quadrinhos e escrever, se eu ficasse dentro de casa o tempo inteiro.
Você chegou a fazer uma turnê com uma banda – a Deaf Kids – como foi essa experiência?
CO: Deaf Kids é uma banda de amigos meus. Eles vieram para o Sul em julho do ano passado, quando eu conheci a região. Foi na mesma época que eu lancei o “Câmera Lenta” – meu livro de contos. Eu aproveitei que eles iam passar pelas cidades e como eu já conhecia algumas pessoas que iam organizar os shows, eu falei “vamos fazer o seguinte: durante o show, eu vou junto com a banda. Tira uma meia hora, eu faço uma fala sobre arte marginal, arte independente e vira um lançamento do livro.” É um trio a banda – éramos eu, eles três e mais a namorada de um deles. A gente passou por Curitiba, Porto Alegre, Lajeado, Santa Cruz e Estrela. Era isso, durante os eventos eu fazia essa fala e algumas exposições também. Sempre fui metido com punk rock, banda independente. Eu tenho banda até hoje também e não quero me desvincular disso – acredito nisso ainda como um meio, como uma mídia. A gente não pode abrir mão de mídias. Eu acho não acho que é muito mais formal um evento dentro de uma faculdade do que num bar – tudo tem o mesmo valor e, na verdade, é importante participar dos dois para atingir públicos diferentes.
Comentários sobre o livro “Câmera Lenta”.
CO: São três contos interligados sobre vida em sociedade. São personagens paralelos durante os contos, só que em alguns momentos eles se encontram; as histórias se encontram para falar sobre o efeito da sociedade, da cidade engolindo as pessoas. É basicamente o que eu faço em quadrinhos só que em forma de conto. Fiz 400 cópias e pretendo lançar na internet para download. Agora estou fazendo outro livro, pela editora da Revista Prego, que é em quadrinhos. Chama-se “Horas Desiguais” – é baseado naquele costume popular de acreditar que, por exemplo, se você olhar para o relógio e for 14h14min, isso tem um significado – então eu fiz um livro baseado nessa crença, só que em horas não iguais.
A educação tem um papel hoje de desconstruir muitas questões ligadas a esse sistema político, como a própria meritocracia. Como você acha que a arte pode influenciar os educadores a utilizarem mais essas novas formas de construção do conhecimento exposto em sala de aula?
CO: Acho que quando você interage com a arte acaba criando uma sensibilidade maior com algumas coisas. Porque a arte, na verdade, é fruto de uma sociedade. você faz parte de uma sociedade que cria arte. Tudo que eu faço é por causa das coisas que eu vivo. Acho que o professor, quando abre um pouco a sua alma para a arte, acaba colocando na sala de aula um fruto da sociedade que ele mesmo aborda dentro do que ele trabalha. O professor que entende (pelo menos lá no rio) que o funk carioca é um produto da sociedade que ele vive, e trabalha isso em sala de aula, acredito que ele está dando uma aula mais rica (rica é uma palavra ruim) no sentido de que, ao mesmo tempo em que ele está mais próximo do aluno, ele está abordando a sociedade de uma forma que ela é abordada. Não adianta eu falar que existe a pobreza, se eu não mostrar o que a pobreza produz, o que é fruto disso. Não adianta eu falar para eles que existe literatura independente, se eu nunca mostrar para eles uma literatura independente, se eu nunca levar um autor, levar o que é o zine.
Você trabalha a literatura com os seus alunos na ordem cronológica? Ou também procura trazer coisas novas para eles se identificarem?
CO: Quando a gente é professor tem que trabalhar com programas, infelizmente. Eu gosto de literatura, de Quinhentismo, Barroco – não é a toa que eu dou aula disso tudo, porque eu realmente gosto, mas eu sempre tento colocar comparações. Por exemplo, pego um quinentismo da vida, aí você mostra um filme, uma outra mídia; isso é legal. Começar mostrando como nasceram as pinturas dessa época para depois partir para a literatura; isso é uma comparação que acaba me deixando mais confortável para dar aula.
Mostra o realismo que existia a critica à sociedade dentro da literatura realista. Daí eu mostro “o que hoje em dia também é uma crítica à sociedade na vida de hoje?” – o rap – então, pode falar que o rap funciona como o realismo funcionava na época do século XIX.
Você acha correta essa ordem imposta pelo programa ou mudaria?
CO: É correto porque ninguém teve coragem de mudar ainda, na verdade. O cara acha que até hoje é importante falar sobre orações subordinadas, mas não é. Têm propostas nos programas que são inúteis de serem trabalhados, óbvio que é uma opinião pessoal, mas isso passa por discussões e sempre acaba continuando. Eu pego o programa e na maior parte das vezes já sei decorado. O maior problema de professor em trabalhar numa escola, independente de ser privada ou publica, é a falta de autonomia. Se você recebesse um programa geral ou se cada professor criasse seu próprio programa, seria uma coisa muito mais produtiva, talvez, para o professor –claro que isso é delicado também, imagina pegar um professor de História de direita…Vai ser complicada a aula do cara – mas tentar achar um meio termo disso, eu acho mais importante. Programa de aula é complicado, mas já que existem limites, vamos tentar trabalhar livre dentro deles.
Para conhecer mais os trabalhos artísticos de Cristiano, acesse: http://anticris.tumblr.com/
O CARA MAIS SUJO DA FACE DA TERRA, pelo viés de Marina Martinuzzi e do colaborador Marcelo De Franceschi*
*Jornalista