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A longa discussão sobre o papel do jornalismo digital não pode ser pensada de forma desvinculada de outra discussão ainda mais longa: a questão da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Antes de qualquer coisa, aliás, é preciso se perguntar: o que é um jornalista? E qual sua função geral? É por esses caminhos que seguiu uma excelente entrevista com o diretor do Comitê para a Proteção dos Jornalistas, Joel Simon, publicada originalmente na Deutsche Welle e traduzida para o português pelo Outras Palavras.
A primeira pergunta da entrevista foi “qual é a sua definição de jornalista”. Trechos da resposta: “Os jornalistas existem para colher e disseminar informação de relevância para a população. Há jornalistas profissionais que fazem isso, e há pessoas que fazem isso como cidadãos. (…) As novas tecnologias garantiram que nos dias de hoje existam um número nunca visto de jornalistas cidadãos. Na Alemanha, o jornalismo não é profissão para a qual se precise de um diploma. Qualquer um pode ser um jornalista”.
Joel Simon fala também sobre blogs e jornalismo (“Blogueiros podem ser jornalistas. Nem todos os blogs fazem jornalismo. Mas existem vários que são absolutamente jornalísticos, que condizem com o que nós entendemos por jornalismo e cujos autores têm direito de serem defendidos pelo Comitê”), e afirma que hoje as redes sociais já superaram os blogs como forma de jornalismo cidadão. Além disso, conta que em 2010 o Comitê registrou 145 casos de jornalistas presos, sendo 69 deles de mídias online, a maioria blogueiros.
Dos dois parágrafos acima muita coisa pode ser dita. Os desdobramentos são gigantescos. Mas foquemos em dois pontos: primeiro, a constatação numérica do que já temos visto na prática: o cerco contra os blogs vem aumentando pelo mundo inteiro. A entrevista fala em China e Irã, mas essa prática já chegou ao também ao Brasil (mesmo que, por enquanto, sem prisões), através da judicialização da censura, uma forma de prisão intelectual.
Mas o fundamental da fala de Joel Simon é seu conceito de jornalismo cidadão, e o entendimento de que essa forma de jornalismo – não profissionalizada – está em expansão. Pode-se pensar ainda um pouco além. Por que não a profissionalização do jornalismo cidadão? O crescimento da distribuição de publicidade governamental em blogs é um dos caminhos que podem levar a essa aproximação. A melhora da qualidade desses espaços e o ganho de credibilidade de alguns deles como espaços jornalísticos, também. Aos poucos a sociedade vai entendendo que um novo jornalismo vai se formando na internet, um jornalismo em que cada cidadão pode e deve produzir conteúdo, pode informar e ser informado com qualidade e de forma horizontal.
Nesse contexto, a exigência de diploma para ser admitido como jornalista é retrógrada e fora da realidade, servindo apenas como reserva de mercado nas grandes empresas de comunicação e como forma de exclusão que logo será atropelada pelo grande campo de inclusão que é a internet. A profissionalização do jornalismo cidadão e a cidadanização do jornalismo profissional são práticas fundamentais para que a mídia torne-se verdadeiramente democrática e plural.
JORNALISMO CIDADÃO, JORNALISMO PROFISSIONAL E A QUESTÃO DO DIPLOMA, pelo viés de Alexandre Haubrich*
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*Haubrich é jornalista e editor do blogue JornalismoB. Colabora com diversas publicações, entre elas a revista o Viés. Leia outros textos publicados por Haubrich na revista o Viés aqui