Ted Boy Marino é como aquela velha marca de leite que toda a família sabe como era, conhecia a embalagem e o jingle. Fazia parte do censo comum: os antigos diriam, ao receber uma das fotos de suas incontáveis vitórias: é Ted Boy, o do catch. Ted foi estrela numa televisão que era uma incógnita. Os espetáculos nos deixavam submissos àquele aparelho da sala. Ficávamos indignados com Ted deitado no chão esperando o adversário ganhar impulso contra as cordas do ringue. Clássico, segurava o vilão no ar com os dois pés e o jogava longe. Era dramaticamente tocante.
Alguns de nós, filhos em nossa época de colégio, eram proibidos de assistir TV sábado à noite, quando Ted já trabalhava na Rede Globo combatendo os piores vilões. Nos outros horários o nosso grande lutador encarnava personagens menos rudes, ainda que seu nome artístico fosse mantido. Quando apresentava os desenhos de tarde, na Sessão ZásTrás, ou na novela “Orion IV versus Ted Boy Marino”, nossa emoção infantil nos levava a lutas fantasiosas de extrema bravura. Até lembro de “Oh, que Delícia de Show”, mas o Ted deste programa nem de perto lembrava o nosso verdadeiro herói.
O ex-lutador nascera Mario Marino, numa cidade italiana da região da Calábria, Fuscaldo Marina, aos 18 dias do mês de outubro de 1939. Quando tinha 12 anos de idade sua família fez uma longa viagem no porão de um navio até Buenos Aires, ao lado de mais de mil pessoas, onde residiu por um tempo trabalhando como sapateiro. Desde então as lutas já o deixavam sempre preparado: tempo de folga, tempo de treino. Pelo porte físico, virou o lutador número um do Club Atlético Independiente Sociedad Civil, de Avellaneda.
Ainda na capital argentina, aos vinte e três anos começa a participar de programas que se tornariam um dos maiores marcos da história da televisão mundial. Dedicado à exibição de combates de luta-livre que combinavam encenação teatral, combate e circo, o Telecatch – do Canal 9 de Buenos Aires, do canal 12 de Montevidéu, e da TV Excelsior do Brasil – levava multidões ao delírio mostrando cenas pela televisão que mais lembravam os grandes circos ainda proeminentes, os quais enriqueciam as tardes e as noites de pequenas cidades do interior.
A luta que ocorria nos ringues, tanto da TV quanto sob as lonas de circo, além de usar técnicas diversas, com golpes treinados em modalidades de lutas originais, o que era permitido no catch, surtia efeitos colossais de mágica com o público, sobretudo, acompanhada pela voz de um locutor que se mostrava às vezes heroico, às vezes acuado, e do comentarista, um turrão. Ted era sempre o mocinho em todas as lutas que participava na era de ouro das lutas coreografadas. No fundo, era um grande espetáculo artístico. Foi nessa onda da luta-livre popularizada, e da criação dos heróis da juventude, que Ted Boy Marino surpreendeu a plateia brasileira em 1965.
Chegando ao Brasil, tempos depois a extinta TV Excelsior Rio Canal 2, onde o catch havia se transformado no primeiro grande sucesso da televisão brasileira, contrataria Marino como um de seus lutadores para vingar público e colegas de ringue contra vilões transformados, hoje em dia, em parte da cultura popular do país: Aquiles, o que mordia os adversários, Verdugo, Rasputim Barba Vermelha e Múmia. Assim como um astro da televisão, Marino surge, com aquela cabeleira loira, que o iconizou, para despontar em muitas produções da televisão. Entre as décadas de 1960 e 1970, chegou a ser o artista com o maior número de participações semanais na TV. Em 1969 foi o artista que mais recebeu cartas na Globo. Sua fama ultrapassa os limites da televisão, estrelando, em 1968, o filme Dois na Lona, ao lado de Renato Aragão. Havia-se encontrado um ídolo literalmente popular.
Foi com o crescimento de sua imagem de herói, que Wilton Franco, diretor do canal, resolveu montar um programa estrelado somente por ídolos e estrelas da época, “Os Adoráveis Trapalhões”. Convidou-se o ban-ban-ban da cena musical da década, ídolo admirado da juventude Wanderley Cardoso, o cantor Ivon Cury, Renato Aragão seguraria a comédia e Ted Boy Marino levaria o charme e a garra de um vencedor. A audiência do programa comandado pelo quarteto alcançava índices entre 50 e 60 pontos de ibope.
Entretanto, tempo depois, a TV mudou. A partir da década de 1980, o Telecatch entra em declínio. Assim como muitos ídolos, outros apenas estrelas, da televisão, Marino foi sendo colocado à disposição de programas da casa. Seu papel, geralmente como vilão, no programa “Os Trapalhões” foi uma de suas últimas atuações públicas. Chegou a fazer uma ponta na célebre Escolinha do Professor Raimundo, mesmo que sua importância como o maior e mais admirado lutador do catch brasileiro já não encantasse tanto as gerações que surgiam em tempos de uma televisão remodelada.
Aos poucos, no turbilhão de um país que mudava politicamente, e de uma televisão que agora era entendida como um meio diferente do teatro, do circo e do rádio, nosso Ted Boy sumiu, e nos fez esquecer de que havíamos sido, por décadas, alunos aplicados de golpes fantásticos nos tapetes das salas. Minha mãe tremia de raiva.
Nas últimas décadas, Marino podia ser visto jogando vôlei com os amigos ou caminhando na orla do Leme, bairro que escolheu para viver no Rio de Janeiro. Segundo um de seus filhos, Mario Marino era submetido a sessões de hemodiálise há três anos, e seu organismo vinha se debilitando. Ao chegar de sua última sessão, na quarta-feira, 26 de setembro, sentiu uma dormência nas pernas, chegando a perder a sensibilidade de uma delas. Foi levado ao Hospital Pró-Cardíaco, em Botafogo, zona sul do Rio, onde os médicos constataram um entupimento das artérias. Ted Boy Marino, a medalha dourada do catch brasileiro, sofreu uma parada cardíaca, no início da noite do dia 27 de setembro de 2012, durante o procedimento de uma cirurgia de urgência e não resistiu.
(1939-2012)
NA NOITE DE HOJE: TED BOY MARINO, pelo viés de Bibiano Girard.