O filme “Argentina Latente” é uma bela amostra, apesar da simplicidade técnica da obra, de como a luta popular tem força e como o cinema documental pode repassar ao público ensinamentos dos mais velhos de forma legível e branda, mesmo que o assunto seja pesado. Com vocabulário popular e cenas bem cotidianas, o filme parece inicialmente mais uma engrenagem utópica da esquerda em filmar a força do neoliberalismo. Mas “Argentina Latente” transcende a questão econômica sociopolítica. Quando se vê, estamos acompanhando décadas da história do país situado no extremo sul da América Latina, com “uma superfície quase tão grande como à Europa Ocidental, mas com apenas 15% de sua população”, como observa o narrador logo nos primeiros segundos, contudo, através da história de uma amizade leal e real, da visão de ex-trabalhadores das grandes empresas nacionais do século XX e dos trabalhadores que revolucionaram a forma de empreender em plena Argentina pós crise de 2001.
O filme inicia com imagens esplêndidas da natureza e das construções tecnológicas e urbanas do nosso irmão vizinho. Junto às imagens, o narrador demonstra o objetivo do produtor, da equipe e dos próprios entrevistados: demonstrar como a crise Argentina de 2001 teve o neoliberalismo como incendiário-mor.
“Cultiva 30 milhões de hectares e mantêm outros tantos de terras fiscais, mas sem uma legislação que a proteja frente ao latifúndio e sua crescente ‘estrangeirização’. É um dos grandes produtores mundiais de alimentos, mas um terço da população vive em condições de pobreza”.
Dá-se o desenrolar da história mostrando-nos como após vários governos, entre eles o de Carlos Menem, entregaram a preço de banana as grandes indústrias argentinas de carros, aviões, navios etc. Até projetos com os irmãos da América Latina foram quebrados, como uma parceria com a EMBRAER. A Argentina, nas primeiras décadas do século XX, produzia seus próprios carros, tinha planos de montar o primeiro motor automobilístico totalmente nacional e, além de tudo isso, construía aviões capazes de disputar a hegemonia dos países ricos, como França e Alemanha. De um país que enviou ao espaço um ser vivo depois de EUA, URSS e França, partimos para uma Argentina que começa a ser entregue às grandes multinacionais. A quebra era visível.
Então, depois de muita sucata e gente lamentando o que ocorreu, o filme, assim como o país depois de 2001, dá uma guinada e mostra o que de mais interessante pode acontecer entre a classe operária. Obviamente não em seu todo, mas depois da(s) crise(s) e da entrada dilacerante do neoliberalismo, várias cooperativas de trabalhadores argentinos se reuniram para salvar as fábricas. São operários das indústrias gráficas, têxteis, metalúrgicas, de bens pequenos, que, unidos contra o desemprego, escolheram não se render à bandeira da submissão a poucos patrões estrangeiros. Nas fábricas operárias, todos decidem e dividem o lucro.
“Argentina Latente” é uma cooprodução entre Argentina, França, Espanha e foi realizado no ano de 2007. O Diretor do filme é Fernando Solanas.
Para quem quer saber mais sobre o assunto, busque informações sobre a Fábrica de los Obreros Zanon.
ARGENTINA LATENTE, pelo viés de Bibiano Girard
bibianogirard@revistaovies.com