RELATOS DE UMA CERTA VENEZUELA

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O auditório é de médio porte e o público é seletivo na noite de uma segunda-feira bem fria. Apenas algumas cabeças estão dispersas pelo auditório do Centro de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Federal de Santa Maria. Em sua minoria-maioria, estudantes do curso de História, professores, militantes do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) de Santa Maria e dois ou três jornalistas. Esperamos pacientemente pela chegada de Alexandre Dornelles. Sua presença é o principal motivo de estarmos reunidos no auditório. A palestra que será ministrada por Alexandre foi organizada pelo curso de História e pelo próprio partido PSOL. O tema: os rumos da Venezuela. Tema bastante polêmico e que renderia uma discussão para milhares, mas os poucos que estavam lá ouviam com bastante atenção. Ao chegar ao auditório, Alexandre nem precisou se apresentar muito formalmente. A maioria dos que estavam alí o conheciam. Ainda mantendo aspecto de um estudante de jornalismo, Alexandre pede a todos que se aproximem do palco para que ele possa dispensar o microfone. Formando em jornalismo pela PUC do Rio Grande do Sul, Alexandre investiu em uma especialização em sociologia. Como recurso para seu trabalho, passou cerca de dois meses na Venezuela para estudar os movimentos sindicais e a conjuntura política desse país tão polêmico. Ainda mais polêmico que sua própria conjuntura, a Venezuela é berço de um dos líderes mais instigantes da história contemporânea: Hugo Chávez.

Alexandre iniciou sua palestra apresentando a história do país que foi conhecer, as formas como os partidos e mesmo o governo se estruturam, o surgimento de Chávez, sua primeira tentativa de golpe e o crescimento de sua popularidade. Explanou também a respeito dos costumes de um povo que discute política até mesmo na hora do almoço, vive de políticas públicas, de contradições políticas, de petróleo e de Chávez. A Venezuela pulsa política. Foi exatamente esse o tema que a equipe da revista o Viés quis beber de Alexandre. Acompanhe a entrevista que realizamos com ele a seguir:

revista o Viés: Como iniciou a sua vida política?

Alexandre Dornelles: Eu comecei a militar  na oitava série, em grêmio estudantil – só que nessa época eu era petista. Na época do colégio, no segundo grau, continuei participando do movimento secundarista. Quando entrei na universidade foi quando decidi me organizar – entrar para uma organização política de forma mais orgânica. Eu continuei como ativista independente da universidade, do ano que eu entrei, em 2001, até o ano de 2004. Daí foi quando eu me aproximei do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade).

: E o seu interesse pelo Hugo Chávez, pela trajetória política dele, partiu de dentro de um partido?

AD: No Brasil a gente vive uma conjuntura de marasmo político total, não existem mobilizações de massa. Por mais que existam algumas greves no país, na atual conjuntura a classe não está na rua reivindicando e nem ampliando os seus direitos –  quando sai na rua, e que são poucas vezes, é para tentar impedir que se retirem mais direitos. Na esquerda existe essa polêmica sobre a Venezuela, e  isso despertou em mim o interesse de saber o que de fato está acontecendo lá. No ponto de vista acadêmico eu quero estudar a sociologia do trabalho, e dentro disso passa a questão do sindicalismo. Então  quis conhecer como que era o sindicalismo e a conjuntura política na Venezuela.

: E o sindicalismo lá é mais forte do que é aqui no Brasil? Quais são as semelhanças…

AD: É difícil de dizer. Porque se por um lado tu vês um movimento que é mais radicalizado, ou seja, pessoas que fazem parte do mesmo partido do governo organizam greves contra o governo exigindo a ampliação de direitos, e na Venezuela tu vês um processo muito mais progressista do que é no Brasil, por outro lado o sindicalismo não é organizado. Os sindicatos no Brasil, mesmo fazendo menos lutas, são mais organizados, mais estruturados do que os da Venezuela. Por exemplo, na minha pesquisa eu vi usar como uma das fontes prioritárias, da formação da comunicação e dos jornalistas, os jornais dos sindicatos: os sindicatos não têm nem jornais, não conseguem nem fazer um diálogo com a própria categoria. É tudo muito limitado. Na verdade, os sindicatos estão surgindo de 2003 para cá, eles estão refundando – ou mesmo se fundando. Estão começando a caminhada eu diria que agora. Até o ano de 2003 eu observei que o sindicalismo lá era pelego (jargão política que designa aquele que se deixa montar pelo patrão e/ou pelo governo). Era todo da antiga central sindical, que acabou deixando de existir a partir do ano de 2005. Aí começou o movimento por uma nova central que se chama UNET. Ou seja, tem um pouco mais de quatro anos  que o movimento sindical começou a se organizar na Venezuela.

: Ainda com relação ao sindicalismo, qual a ideia que eles tem do presidente Lula, por ele ser um sindicalista que acedeu ao poder?

AD: Eles acham que o que o Lula está fazendo no Brasil é igual, ou mais, ao que o Chávez está fazendo na Venezuela. Todos eles acham isso. O Chávez faz muita propaganda do governo Lula para se defender da burguesia. Então a ideia que eles fazem do Lula é a de que é um governo muito progressista, a de que ele está estatizando coisas, a de que ele está ampliando direitos dos trabalhadores quando na verdade é o contrário – a última vez que foi estatizada uma fábrica no Brasil, acho que foi lá pelo ano da ditadura militar em 64. Eu não me lembro de alguma fábrica que tenha sido estatizada. Óbvio que eu sei que na minha geração nenhuma foi estatizada. Acho que a última foi na geração do Brizola, quando foram as últimas estatizações de fábrica…

: O seu foco de estudos foi o sindicalismo, mas o que foi que você reparou com relação ao movimento estudantil na Venezuela (Alexandre citou durante a palestra que durante os meses em que ficou na Venezuela morou em um local próximo à Universidade)? Como o jovem vê a política venezuelana em seu país?

AD: Lá todos eles são muito parecidos no ponto de vista ideológico. Ou tá com a burguesia ou tá com o Chávez. Mas o movimento estudantil também é bastante imaturo, eu diria assim. Por exemplo, aqui no Brasil o movimento estudantil já consegue se organizar de modo a fazer bastante material editado, de propaganda, de panfleto, usar a internet, essas coisas… Lá eles ainda fazem tudo à mão.

Eu acho que eles estão em um paralelo, lembra o Brasil da década de setenta, primeira metade da década de oitenta. Em todos os aspectos eles são parecidos: os automóveis, o trânsito, o jeitinho brasileiro que eles criam como o jeitinho venezuelano. O movimento sindical nascendo no Brasil, pois até a década de setenta todo o sindicalismo no Brasil era pelego. É muito parecido. O movimento estudantil a mesma coisa, surgindo ali, a criação da UNE (União Nacional dos Estudantes).

: A diferença do movimento brasileiro que existia na época para o movimento estudantil que existe agora pode dar um futuro um tanto que mais progressista para a Venezuela?

AD: Eu não sei ao certo, talvez. É difícil de dizer porque tudo depende da organização da classe. Se a classe não se organizar e não entender seu papel, o processo venezuelano retrocede. O movimento estudantil lá é muito importante nas passeatas e nas mobilizações, sempre tem aquele que puxa palavras de ordem, é o setor mais “animado” mas não é protagonista das lutas sociais na Venezuela. O movimento popular, eu diria assim, é o setor protagonista das lutas sociais da Venezuela – muito mais do que o sindicalismo, inclusive. Eu citei o exemplo do 23 de Enero (23 de Janeiro em português, bairro com tradicional luta política, localizado na capital Caracas), que é onde pulsa. Se tu queres derrubar Chávez , tu tens que derrubar antes o 23 de Enero. Derrubando o 23 de Enero é meio caminho andado para a burguesia juntar o seu poder.

: Como são as políticas públicas implantadas na Venezuela (Alexandre citou durante a palestra as diferenças entre a assistência brasileira, que gera dependência, e a venezuelana, que realmente auxiliaria os necessitados)?

AD: Antes eu dei o exemplo da comida. Para tudo lá existe o plano Bolívar 2000. O plano é uma série de pacotes, de reformas e de políticas públicas que são intituladas de missões. São medidas emergências que o governo teve, de caráter paliativo, para que se conseguisse mudar a correlação interna do país. Então para cada área, tu tens um tipo de missão. A saúde, por exemplo: a saúde é um dever do Estado, como em muitos outros setores. Mas, vindo de uma lógica neoliberal na Venezuela, tu observavas que o povo não tinha uma assistência para a saúde. E a estrutura de sítio no país quando o Chávez chegou ao poder era muito frágil e muito fraca. O que havia de público era muito pouco, meia dúzia de hospitais, e os hospitais sucatiados. Então a população não tinha acesso à saúde, e a medida que o governo encontrou foi levar a saúde para os bairros pobres. Ele criou o que é chamado de “Missão Bairro Adentro” – como se fossem postos de saúde ambulantes. A construção de postos de saúde extremamente equipados dentro da favela para que as pessoas tivessem acesso. Os postos de saúde de lá nem se comparam aos do Brasil. Tu vais num posto de saúde aqui, de madrugada, tirar uma ficha para conseguir ser atendido da metade do dia em diante. Mesmo assim, tu vais ser atendido quase que obrigatoriamente só por um clínico geral. Postos de saúde são completamente equipados: tem psiquiatra, psicólogo, fisioterapeuta, cardiologista, ortopedista, tudo que tu possas imaginar. São nove áreas, mais ou menos, que tu és atendido lá. O posto de saúde é completamente limpo, cadeiras estofadas, tu és atendido no máximo em 10 ou 15 minutos. O exemplo mais clássico é uma das principais medidas que o governo faz propaganda, que é da área da oftalmologia: chegando lá com problema de visão, saí na mesma hora com óculos. Tem mais de mil tipos de armação que você mesmo escolhe, e o governo que concede o óculos. Ele não te dá porque é uma coisa que é do povo, mas você sai de lá com um óculos, podendo escolher o modelo. Faz o exame de vista, vê o grau, fábrica a lente e saí na mesma hora com os óculos. Tem um complemento dessa missão “Bairro Adentro” que é a “Milagro”, que é para quem tem catarata. O governo financia para pessoas que tem catarata irem todas juntas, de tempos em tempos, até Cuba, próxima à Venezuela. Aí Cuba faz a operação de catarata nas pessoas de forma gratuita.

Com relação à comida, tem, por exemplo, o que seria o Bolsa Família, que na Venezuela se chama Mercal, que são supermercados populares em que a pessoa compre – e não ganhe –  a sua cesta básica. O governo propicia que a pessoa compre a comida.

: A um preço mais baixo?

AD: A preço de custo. Os preços são ridículos. Tu compras uma cesta básica por um valor muito baixo, valor de custo. Não tem ali os 200 ou 300 por cento de lucro que os capitalistas colocam em cima das mercadorias.

: Existe muita produção local de alimentos?

AD: Muito pouco.

: E como é essa relação com o Brasil? Muitos produtos brasileiros?

AD: A Venezuela ainda depende muito das importações. Do Brasil, são muitos produtos. Não sei exemplificar quais são as mercadorias que a Venezuela importa do Brasil, mas com certeza importa muita coisa – inclusive alimentos.

: É fácil encontrar marcas brasileiras lá?

AD: É muito comum. Eu diria que, na verdade, é difícil dizer isso. O venezuelano acaba não compreendendo muito bem isso. Se o venezuelano de esquerda estivesse vivendo a experiência no Brasil talvez ele entendesse o que é que o Lula está fazendo com a Venezuela. O Lula, eu acho, se aproveita da Venezuela. Ele, em certa medida, tem uma condição progressista, é óbvio, em relação a Venezuela, em dizer que está com o Chávez , mas por outro lado ele está lá a serviço da burguesia. Ele é o lobista da burguesia existente no Brasil.

Existe  uma política imperialista do Lula. Então digamos que, ao mesmo tempo que a burguesia pode tomar o poder na Venezuela se a classe não se organizar, pode acontecer em algum momento dessa política sub-imperialista do Brasil  de se  ampliar ainda mais com um caráter mais imperialista. Esse é o objetivo.

: E o povo que é a favor do governo percebe isso? Ou eles acreditam que o Lula é uma figura amigável mesmo?

AD: Não, eles não percebem. Eles acreditam que o Lula é um amigo. Por exemplo, não sei se meu exemplo é dos melhores mas tenta imaginar: um amigo teu que não tem a mesma ideologia que a tua. Mas, esse teu amigo te defende sempre e te trata muito bem. A tendência é que tu defendas ele também perante aos outros quando o criticarem – mesmo que ele seja um canalha.

: É mais emocional, digamos assim?

AD: É quase isso sim.

: Uma questão que você colocou: se o Chávez hoje cair, como em partes aconteceu com Fidel Castro, não existiria ninguém e nem uma força que o substituísse. Você não acha que isso tem um pouco da mão do própria Chávez, que impede que alguém o substituía, de certa forma?

AD: Tem gente que fala isso. Como eu não sou um neoliberal,  não parto da metodologia de análise liberal de responsabilizar apenas o sujeito pela sua formação do meio. Ou seja, o cara é pobre porque o cara é vagabundo, porque não quer trabalhar – tu acabas responsabilizando apenas o sujeito. Eu acho que o sujeito tem o seu papel importante, assim como o meio também tem. O Chávez tem um pouco de responsabilidade mas toda a responsabilidade não é do Chávez. O meio também tem responsabilidade sobre o que acontece. Uma coisa completa a outra, uma coisa constrói a outra, uma coisa força a outra. A relação do sujeito-objeto, objeto-sujeito.

: Mesmo assim, você não acha que ele nutre um medo de criar uma nova liderança que seja tão importante quanto ele no futuro, também pela questão do meio em que ele está inserido?

AD: Eu acho que o que acaba acontecendo é o seguinte: como não existe uma classe organizada, não existem condições do meio de proporcionar uma nova figura, ele também se aproveita e se acomoda com isso, ele também não contribui para que surja. Digamos que a realidade é essa e faz vista grossa. Chávez faz de conta que não é com ele, apesar de ele saber que se ele sair já era. O que vai acontecer é o seguinte: os setores mais de esquerda e progressistas que estão no governo vão tentar chegar ao poder ao mesmo tempo que a burocracia, que é maioria, também vai tentar a mesma coisa. Esse é o objetivo da burocracia.

Das duas uma: na briga entre os dois, ou a burocracia chega ao poder, se os trabalhadores não ganharem certa musculatura, ou a burocracia faz um acordo com a burguesia e acabam tomando o poder. Bom, isso podemos dizer hoje. Não significa que daqui há algum tempo a conjuntura não seja outra.

: Você falou da importância do Chávez para a América Latina, para o contexto que surgiu depois (como, por exemplo, Evo Morales). Hoje, qual é a importância da América Latina para o próprio Chávez? E se o contexto atual mudar e a maré virar?

AD: Se a maré virar, em certa medida, isso vai influenciar no governo Chávez. Tu vês bem, o Chávez foi eleito no final de 98, a partir do projeto da Terceira Via que é o projeto do capitalismo humanizado – o que defende a candidata Marina Silva (candidata pelo Partido Verde à Presidência da República), seria o programa da Marina. A partir da tentativa de golpe, no ano de 2002 (tema do famoso documentário A Revolução Não Será Televisionada), que o governo Chávez passa a ter uma postura mais radicalizada. Isso tem relação também com a conjuntura internacional da América Latina. Há cada novo governo de esquerda que chegava ao poder, mais fácil ficava para o Chávez fazer uma política progressista. Ele se fortalece quando Evo Morales (presidente da Bolívia) chega ao poder, se fortalece quando Rafael Correa (presidente do Equador) chega ao poder. E aí tem um momento em que cada um deles vai saindo do poder e também vai se enfraquecendo.

: Alexandre, você como jornalista e conhecedor da mídia em si, acha que a mídia hegemônica no Brasil tem uma boa análise da conjuntura latino-americana, ou ainda somos muito pobres e deturpamos essa ideia?

AD: Acho que são duas coisas. Uma, é que o brasileiro,  foi construindo culturalmente de forma a não se importar com o que se passa na América Latina. É um certo egocentrismo. O brasileiro acha que a única discussão que tem que se fazer a respeito da América Latina é se o Pelé é melhor do que o Maradona. Para o brasileiro, a questão da América Latina não passa disso.

: Acredita que se trate de  certo “imperialismo brasileiro”?

AD: Não sei bem como eu chamaria isso. Não sei se podemos chamar de imperialismo, pois não estão tentando dominar os outros com a cultura do Brasil. Mas é uma arrogância e um isolamento. É um egocentrismo ideológico e político, cultural. O brasileiro não se importa com o que está acontecendo. Como ele não se importa, e a burguesia sabe disso e tem medo que os brasileiros em certa medida passem a se interessar por coisas que estão acontecendo em outros paises da América Latina, ela passa a sua versão da história da forma que ela quer. E aí dá para se imaginar: se a Revolução Francesa influenciou o mundo sem internet, e a Independência dos EUA influenciou todos os processos de independência na América Latina, imagine a relação de oprimido e opressor. Existia uma opressão sobre os paises latinos, e existiu uma convulsão pela liberdade. Tais paises se ligaram que precisavam se mirar nos exemplos internacionais. No Brasil, como em outros paises do mundo, tem essa relação de oprimido e opressor.

Para perceber o quanto a mídia deturpa: como diria o Plínio de Arruda Sampaio (candidato à Presidência da República pelo PSOL), enquanto houver alguém sendo explorado, uma pessoa sofrendo, vai existir espaço para o socialismo. E a burguesia sabe disso. Políticas anti-capitalistas, que é o caso do Hugo Chávez, vão contra os interesses da burguesia. E para evitar que logo agora o brasileiro deixe de ser egocêntrico e decida reproduzir o que está acontecendo na América Latina, ela (a burguesia) distorce as informações para que se prolongue ao máximo possível esse sentimento egocêntrico e o mínimo de informação que se tenha seja uma informação deturpada.

: A mídia brasileira teme uma aproximação do governo brasileiro com os conceitos venezuelanos?

AD: Com certeza. Em especial a mídia. Quando Chávez não renovou a concessão (da emissora venezuelana RCTV) e ainda estatizou outras emissoras…

: E quanto à mídia alternativa que vem surgindo, por parte da internet principalmente. Você pensa que o fato de o Chávez ter feito um twitter, isso conseguiria aproximá-lo das pessoas que querem saber o que de fato se passa na Venezuela? Ou isso estaria retraindo, uma vez que a mídia fez muita chacota desse fato em especial…

AD: A mídia quando tem um twitter, ela é bacana. O José Serra ter mil seguidores é animal. Agora, o Chávez  no twitter conversando com as pessoas, para a burguesia é ridículo. É obvio que todo o experimento de comunicação, que te possibilite trocar informações com as pessoas, é positivo – ainda mais se for alternativo. Tem poder quem detêm informação. O Chávez estar no twitter é uma forma a mais de manter as pessoas informadas sobre as coisas. E como a burguesia não quer as pessoas informadas, logo o twitter do Chávez é uma bosta.

: Os canais de televisão na Venezuela são todos ou quase todos estatais…?

AD: Entre os canais abertos, sem querer mentir, acredito que só exista um que seja privado. No máximo dois. Um é o GloboVisión.

: Então na Venezuela quase todos os canais são controlados pelo Estado. Mesmo detendo esse imenso poder na mídia, como o Chávez pode perder seu poder em determinados lugares?

AD: Essa é outra questão, do ponto de vista metodológico de análise. O positivista deposita no objeto toda a responsabilidade sobre o resultado em relação ao sujeito. Seguindo uma linha positivista, pela linha de Augusto Comte e Emile Durkheim, uma análise positivista sobre a mídia vai dizer que nós somos manipulados constantemente, ou seja, somos seres passivos e tudo aquilo que a mídia nos disser nós vamos reproduzir. Um mero produto do meio, sem o poder de escolha. É o meio que diz quem tu és, está dentro do ser humano – uma análise positivista do meio sobre o sujeito.

Eu concordo com a dialética materialista: o sujeito interfere no objeto, mas tem a volta do objeto em relação ao sujeito, e assim vai. Isso significa que as pessoas não são cem por cento manipuladas pela mídia. Mas, se a pessoa não tem informação, fica ainda mais difícil de ela sair de certo estado de alienação. Porém, não significa que ela não possa sair.

O que acontece no caso da Venezuela: lá existe burguesia – o Chávez não acabou com a burguesia. Ela quem tem dinheiro, ela quem tem poder de fato. E existe uma cultura muito forte na Venezuela da mídia alternativa. Existem milhares de jornais alternativos, muita rádio comunitária, qualquer um pode ter a sua rádio comunitária em casa. E a burguesia sabe explorar isso – fora os lucros e os espaços de formação de opinião. Uma campanha eleitoral, pintando o muro, tanto a esquerda quanto a direita se utilizam desse meio. Muito mais a esquerda. Mas eles (a direita) começaram a usar por conta de o Chávez usar muito essa prática. O que fez a direita chegar ao poder no estado de Zúlia  (estado venezuelano em que o atuak governador é de partido social-democrata) por exemplo, é uma combinação de fatores. Tem o fato de o governo Chávez não ter conseguido responder às necessidades objetivas da população. As pessoas revoltadas e a mídia alternativa sendo de direita. As pessoas não estavam apenas buscando por uma saída de direita – elas estavam buscando por uma saída. E a direita dizia que ela era a melhor. O próprio investimento da burguesia para formar a opinião nas pessoas, os próprios jornais impressos em sua maioria são da burguesia.

: Existe controle sobre eles (os jornais impressos)?

AD: Não existe. Eles circulam livremente. Não há censura na Venezuela. A mídia trata isso de uma forma muito falaciosa. Há casos de não-renovação de concessão, ou do horário eleitoral gratuito que a burguesia propositalmente usa. O Chávez, na verdade, às vezes erra o método: horário eleitoral gratuito – lei nacional – pronunciamento do presidente. Aí o canal da burguesia não passa o pronunciamento do presidente, que quê o Chávez faz? Ele fecha o canal. A multa dele é fechar o canal. É óbvio que ele dá margem para a burguesia bater nele.

: Você defende os avanços do governo chavista, porém também defende que precisamos manter um pensamento crítico com relação ao governo. Você reconhece excessos por parte do governo de Hugo Chávez?

AD: Eu apóio o processo que existe na Venezuela. Tu tens que entender o processo. É uma construção e tu tens que estar nessa construção. Tentas imaginar um foguete que está subindo –  tu sabes que existe a probabilidade daquele foguete começar a cair. Ninguém sobe eternamente. A tua tarefa é garantir que quem está dentro daquele foguete continue subindo, uma caminhada rumo a uma nova sociedade. Tu estás apoiando essa movimentação de subida, e não necessariamente o foguete. O processo do Chávez deve ser apoiado, pois existe uma conjuntura de ataque neoliberal, e ele está enfrentando o imperialismo. Só que tem suas limitações. E talvez possa, e provavelmente vai, naufragar o projeto dele. Mas a coisa precisa continuar avançando, e não retroceder. O que acaba acontecendo é que justamente por não existir correlação de força favorável, por não existir musculatura na organização da classe, e a burguesia fazendo um governo de coalisão com a burocracia, ele (Chávez) acaba cometendo alguns equívocos. Mas eu acho que os equívocos que o Chávez comete são aquelas coisas que ele deixa de fazer, e não o que ele faz. O grande problema do Chávez é o que ele não está fazendo, no meu entendimento.

: Como que funcionam os conselhos comunais (durante a palestra, Alexandre afirmou que seria um aprofundamento do “Orçamento Participativo”, implantado no  mandato petista à frente da prefeitura de Porto Alegre)?

AD: Eu tive a oportunidade de conviver com um brasileiro que está realizando seu doutorado com base nos conselhos comunais, e por isso eu tive a oportunidade de ir aos conselhos fazer entrevistas juntamente com ele. Os conselhos comunais respondem, politicamente falando, diretamente ao Executivo, e não ao Legislativo. Então a relação deles é direta com o Executivo que disponibiliza verbas para os conselhos Não é necessário passar  por uma aprovação no Legislativo para que possa chegar aos conselhos comunais. Existe uma legislação sobre os conselhos comunais, para que se estruturem de certa forma. É quase como se fosse um sindicato popular, um sindicato da comunidade. E são vários critérios: podem ser de uma quadra, pode ser de um bairro, dependerá da organização pois eles devem seguir uma certa lógica de organização. Eles devem ser institucionalizados: o conselho comunal tem presidente, tem tesoureiro, tem secretário, toda uma estrutura. Eles atuam com, basicamente, tudo que envolva grana. São obras, contratações de profissionais, tudo que tu possas fazer com dinheiro. Contratar mais médico, ou equipar melhor postos de saúde, nova escola, novo hospital, asfaltar ruas, água encanada, luz elétrica, restaurante popular, Mercal (mercados populares). Não se discute o que acontece ali, são os conselhos comunais que decidem. Se o conselho decidir que aquela comunidade precisa de uma determinada coisa, o governo vai ter que dar cabo disso.

: E eles (conselhos comunais) funcionam?

AD: Funcionam, mas são repletos de contradições. Tu estás num sistema capitalista onde existe uma lógica e não existe uma bolha dentro do sistema. Sempre vamos ser influenciados pelo meio em que estamos inseridos. O grande problema dos conselhos comunais, que é bastante latente, é a corrupção. Tu não podes responsabilizar apenas o governo. A direita faz essa distinção, o lema deles é “todo poder ao Legislativo”. Tirar o poder que é do povo e levar ao Legislativo. Como se no Legislativo não roubassem, não fosse o mesmo problema de corrupção. E o roubo é uma consequência do sistema em que a gente vive. Às vezes a obra não saí e os caras desviam toda a verba. É o sistema capitalista  de que tu tens que ter mais do que  o outro.

: Você conseguiria delimitar quais são as maiores contradições que o governo Chávez enfrenta hoje na Venezuela?

AD: Por exemplo, se por um lado ele não atende aos anseios imediatos da burguesia, por outro ele não consegue responder às necessidades da classe trabalhadora. Como ele tenta ter uma política anti-capitalista, esse é o caráter do governo – reformista radicalizado – ele consegue fazer com que a classe trabalhadora tenha avanços, porém limitados. É o fato de a burguesia continuar existindo, continuar detendo poder, influenciado em certa medida na política da Venezuela. É tipo a lógica do cobertor curto: tu estás na cama, com frio, ou tu tapas o peito ou tapas os pés. É sempre contraditório, e sempre tem o contraditório. Por exemplo, o conselho comunal: eu defendo que o povo possa decidir pelo seu próprio destino e participe ativamente da construção política, ao mesmo tempo que essa oportunidade faz com que alguns se tornem iguais aos capitalistas corruptos e a comunidade venha a perder com isso. É uma contradição: o poder gera problemas, a democracia gerando problemas…

: E qual seria o futuro da Venezuela e do governo chavista, do socialismo bolivarista (referente ao revolucionário Simón Bolívar)?

AD: Não tem como eu dizer exatamente o que vai acontecer no futuro, porque tudo depende dessa relação dialética materialista do sujeito com o objeto e do objeto com o sujeito – mas tu podes trabalhar com uma tendência. A tendência na Venezuela – por conta dos fatos que ocorrem lá, dos fatos que a burocracia vem ocupando, por conta do terreno que a burguesia vem recuperando – ou a classe empurra o processo bolivariano da Venezuela a avançar em direção ao socialismo, ou ele vai retroceder ao capitalismo neoliberal que é o que a gente vive hoje. Eu diria que na Venezuela há um processo de implementação de capitalismo de estado.

Se as coisas permanecerem como são hoje, retrocede. É a aquela frase legítima de “socialismo ou barbárie”. A lógica do capitalismo é levar a um certo caminho, o cara quer extrair e extrair e não existe mais limite para essa extração. Tu não vais convence-lo de que ele deve extrair menos. Não tem fim a obstinação da burguesia em querer lucrar mais, e isso leva à destruição da humanidade e da natureza. E como na Venezuela ainda há o capitalismo, isso vai significar ou a destruição do país ou a opção de ruptura mesmo. No atual momento, está muito mais para ruptura do que para o capitalismo, porém se continuar assim a tendência é que reverta.

Alexandre é assessor de comunicação do pré-candidato à presidência pelo PSOL Plínio de Arruda Sampaio e mestrando em Sociologia. Mantém um blog com relatos, impressões e fotos do período em que passou na Venezuela.

Participaram desta entrevista João Victor Moura e Mathias Rodrigues.

RELATOS DE UMA CERTA VENEZUELA, pelo viés de Nathália Costa

nathaliacosta@revistaovies.com

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