Nesta edição da revista o Viés, há um texto especificamente interessante do ponto de vista jornalístico: ele é baseado numa “não-notícia”. A princípio, isso é bastante estranho. Afinal, tradicionalmente, o jornalismo é baseado no contrário: na notícia, no fato consumado, no relato cotidiano. Na faculdade, aliás, uma das frases mais folclóricas do jornalismo dita: “um cachorro morder um homem não é notícia, um homem morder um cachorro é”. Desta vez, o cachorro mordeu o homem e isso virou – e tem que virar – notícia.
Tudo começou com uma pequena nota do jornal local Diário de Santa Maria. Nela havia notícia de que os moradores da ocupação da Gare teriam que sair da área, e sem indenização. A redação da revista, que já havia tratado daquela ocupação alguns anos antes, decidiu averiguar a situação (o que pode ser visto na matéria “O que realmente está acontecendo na Ocupação da Gare?“) e daí percebemos: a notícia era uma “não-notícia”. Nenhuma decisão sobre a ocupação era dada como certa e a nota do Diário baseava-se apenas no anseio da prefeitura em tratar dessa questão, sendo que um processo desse porte poderia se alongar por vários anos.
Daí é que se podem gerar várias questões. A primeira: seria essa nota fruto de uma apuração precisa, de um trabalho considerável, de horas de entrevista e visitas à área, conversa com moradores, com seu representante legal e, também, com a prefeitura? A primeira vista, não é o que parece, uma vez que a infeliz nota (infeliz por ter deixado os moradores daquela região preocupados com suas casas e suas famílias) parecia mais um desejo, e um desejo apenas da prefeitura municipal. Agora uma segunda questão: uma ocupação com mais de cem famílias a serem despejadas não merece uma boa pauta? Uma cobertura bem feita e completa? Assim não pareceu ao Diário de Santa Maria, veículo de comunicação mais lido da região.
Outra questão interessante suscitada desse debate é com relação ao desejo da prefeitura em transformar aquela região em um parque, o chamado Parque dos Ferroviários. A proposta defendida pelo poder público seria a solução para a preservação da suposta área verde.
Ora, aí podemos traçar dois paralelos. O primeiro é com relação ao espaço ser, realmente, uma área verde: onde estaria esse documento que designaria aquela região como área verde? Que documento seria esse? É preciso pontuar que nos últimos anos a revista o Viés acompanha de perto as discussões sobre o aumento da tarifa do transporte público e, segundo a prefeitura, o maior entrave para que se abra uma licitação pública para os transportes é justamente a ausência de um plano diretor. Quer dizer, os documentos e mapas da prefeitura são suficientes para mapear as áreas verdes da cidade e determinar a retirada de uma centena de famílias de uma parte da cidade, mas não são suficientes para que uma licitação seja feita, a favor da maior parte dos habitantes e contra o interesse de apenas algumas famílias donas das empresas de transporte?
Além disso, há outra questão importante com relação às áreas verdes da cidade, pois atualmente o centro de Santa Maria visivelmente carece delas. Mas e aquelas áreas que já tem esse fim, bem no centro da cidade, como o Parque Itaimbé? É flagrante o descaso público com o parque, que não oferece condições para as diversas atividades que poderiam ser realizadas ali, só para citar alguns exemplos: a falta de torneiras de água para aqueles que desejam utilizar as quadras do parque, a má conservação das próprias quadras, a má iluminação durante a noite, a falta de limpeza e a falta de banheiros públicos.
Só por aí é possível perceber: a “não-notícia” da ocupação da Gare gera muito mais discussões do que poderia parecer. 
SOBRE A OCUPAÇÃO DA GARE E AS QUESTÕES QUE ELA GERA, pelo viés de João Victor Moura
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