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SOBRE OS DEBATES
Quem teve a oportunidade de acompanhar os debates pela TV destas eleições notou que faltava alguma coisa. Não fosse Pedro Ruas (PSOL), na instância gaúcha, Plínio de Arruda (PSOL), na instância nacional, e Marina Silva (PV), também nacional, os debates seriam mornos. Dilma Roussef (PT) apenas se defendia e repetia o orgulho sobre seu passado (já que José Serra tanto bateu na tecla) e José Serra (PSDB) parece nem ter ido aos debates. Morno, com cara de cansado e sem frases realmente interessantes.
Para José Serra, todo mundo é propenso a virar criminoso. Só não será se as políticas do PSDB forem implantadas, como aumentar os presídios e o tempo da pena dos jovens. Plínio assegurava momentos de crítica com humor, porém, pode ter sido esse seu principal opositor. Plínio apenas deturpava, mas não conseguia acabar uma frase com consistência. Marina foi uma surpresa para quem esperava que a acreana mantivesse a passividade. Caiu em cima. O problema? Bateu no próprio governo que construiu e, ainda por cima, acompanhada de novos “camaradas”, como Guilherme Leal, seu vice, dono da Natura, empresa que utiliza extratos da Amazônia. Dilma parecia intranquila na Globo e na Band. Tem que aprender a não se mexer tanto na câmera.
No Rio Grande do Sul, José Fogaça (PMBD) chegava a colocar as crianças para dormir. Yeda Crusius (PSDB) tentou se fazer de coitada e sofredora. Acusou, no último debate, que os colegas estavam a apunhalando, que era uma força contra aquela pobre mulher. A governadora, porém, sabe que as primeiras punhaladas vêm de dentro de seu governo, como o medo que Yeda tem de viajar e deixar o Piratini para o vice. Pedro Ruas soltou o verbo e mostrou que a baixaria de Yeda ao tentar colocá-lo como réu na justiça era a forma mais desonesta de escandalizar: Yeda é processada por improbidade administrativa; Pedro, porque o marido de Yeda o colocou na justiça. Aroldo Medina (PRP) era só “segurança”, sem plano algum além. Se Fogaça fazia os bebês dormirem, Montserrat (PV) acalmava na hora do mamá. Schneider (PMN) propagandeava para Tarso sem querer.
Tarso apenas manteve o que a população já sabia. Não bateu no governo Yeda diretamente (algum medo?) e não continha as participações de Fogaça (aliado nacionalmente). Pedro Ruas criticava Tarso ao mesmo tempo em que dava alguns tapinhas nas costas do candidato. O petista esqueceu de criticar muita coisa. Ao final, saldo positivo para Tarso e Pedro Ruas, intermediário para Fogaça, Scheneider, Aroldo e Montserrat e negativo para a tucana nervosa.
Às vezes, bate uma saudade de debate com Brizola, Lula pré-governo e Olívio Dutra. Os candidatos andam muito cordiais. Vai ver é influência da linha politicamente-correto. Pena que essa linha deturpa a noção também de crítico.
ENCISTAMENTO
Há cada quatro anos, escolhemos novos deputados, governadores, senadores e presidente. Há cada quatro anos, também, assistimos à Copa do Mundo de futebol – para muitos, o esporte nacional. Pela segunda vez, desde 2002, fomos aterrados por um movimento pseudo-social de nacionalismo para que a Seleção Brasileira – em que a maioria de seus “guerreiros”, como propõe a publicidade da cerveja Brahma (veja o vídeo abaixo), joga no exterior – se tornasse hexacampeã do mundo. As ruas foram tomadas de assalto por bandeiras, bandeirinhas, bandeirolas. O mesmo aconteceu às sacadas, às fachadas de casas e lojas. Todos, de repente, portavam junto à pele a camisa canarinho.
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Neste domingo, dia 3 de outubro, temos eleições. Onde estão as bandeiras, os adesivos, as camisas a bradar por um país melhor, de fato campeão, a não ser aqueles que proponham o número de um candidato junto? Onde estão os brasileiros? Hibernando até 2014 quando a copa será aqui – imaginemos! O que interfere mais num país: a escolha do novo presidente (ou presidenta) ou uma taça simbólica? Vejamos bem, ambos interferem, mas qual interfere mais? Para mim, é óbvio: a primeira opção. E, para variar, os média têm um grande papel nisso – endeusam os esportes e demonizam a política. Procuremos vídeos sobre a copa e vídeos sobre as eleições: fora os que o próprio governo produz, não me lembro de nenhum da grande imprensa a incitar o cidadão ao voto consciente – nada de música olímpica, câmera lenta e discursos motivadores. E aí, onde estamos, brasileiros?
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Na semana passada dois dos maiores jornais do país escreveram editoriais impactantes na corrida eleitoral que podem entrar para a história política do Brasil. Seguindo o exemplo da Carta Capital (que há meses já deixou claro seu posicionamento pró-PT), Folha de São Paulo e Estadão quebraram a “imparcialidade” ao assumirem publicamente sua preferência pelo candidato José Serra (PSDB) na disputa pela presidência do Brasil.
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Não que algo de novo tenha surgido – durante todo o processo eleitoral os dois jornais se mostraram muito mais críticos com o PT e a candidata Dilma Roussef do que com o PSDB e o candidato José Serra -, mas os editoriais marcaram definitivamente de que lado estão os dois veículos, algo raro no jornalismo brasileiro e por isso uma atitude para entrar para a história.
Nos EUA essa “tomada de partido” é comum. Já no Brasil os veículos preferem se manter na corda bamba da “imparcialidade”, mesmo que as coberturas feitas mostrem por si só seus posicionamentos políticos.
Independente do lado que assumam, os veículos de imprensa que “abrem” publicamente seus votos demonstram maior respeito pelo leitor ao deixar claro que, naquele veículo, as eleições serão vistas de um ângulo específico e não da enganosa falácia da imparcialidade.
É pena que outros veículos tão enviesados quanto Estadão e Folha ainda não tenham assumido publicamente suas prefências ideologicas. A tal “Democracia”, que tais veículos tanto defendem, agradeceria.
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OS DOIS LADOS QUE SE ENFRENTAM NAS URNAS
Vimos durante essa campanha eleitoral uma reprodução da sociedade extremamente desigual na qual vivemos. De um lado, os candidatos ricos. Dilma, Serra e Marina, com milhões de reais investidos na campanha e com ampla cobertura – e propaganda – da mídia. Do outro, os pobres. Plínio, Zé Maria, Ivan Pinheiro, Rui Costa Pimenta, (não vou citar os reais pára-quedistas do pleito), com pouco dinheiro e sem nenhuma cobertura da mídia.
Infelizmente, justo os candidatos comprometidos com a igualdade social e com a democracia são os deixados de lado pela máquina e pelo negócio em que se transforma a eleição (que coincidência, hein?). Pelo menos há a internet e, com ela, a mídia alternativa. Conseguimos conhecer um pouco mais das propostas dos “nanicos”, mas, ainda assim, falta muito para que as eleições desse Brasil “democrático” sejam realmente democráticas.
DESBUNDANDO POR AÍ
A principal diferença entre a pura e simples graça e o verdadeiro desbunde é justamente o propósito do segundo. Desbundar de algo não é tão somente debochar, escarnar, tirar sarro, ser cômico ou diferente. Quem compreende que o desbunde é antes um propósito político igualmente compreende que aquilo que vemos tachado e pintado nos rostos de nossos políticos não é puro desbunde. Tampouco a desinformação do eleitor é uma forma de fazer graça. A comédia hoje virou propósito político – camaradas coloridos, comediantes natos, personificações do popular e do escracho, mulher pêra uva maçã salada mista. Onde perdemos a graça e conquistamos o ridículo?
A seriedade que antes vinha na estampa da política (global) é hoje, aos poucos, substituída pela descrença, pela ironia, pelo deboche. Por que muito antes de o Tiririca querer ser o candidato “bunito”, a gente já ria (para não chorar) dos milhões desviados de nossos cofres públicos, do nepotismo escancarado, da preguiça parlamentar, das propostas inviáveis e “favoráveis” aos poucos mandatários? Quem explica?
O brasileiro quer achar graça até da política. É culpa dela própria. Vemos candidatos ao posto maior da República rolar de fazer graça em raposas velhas, as mesmas que parecem optar pelo morno – intercalando dúzias pífias e sem propósito de escândalos e de acusações. Vemos que o povo quer seus candidatos sendo cutucados, atiçados, prontos a responder aos anseios. Há quem diga que eleger as peças raras da graça nas campanhas é uma forma de protesto. Não sei se concordo. Precisamos sim aprender a arte de rirmos de nós mesmos, mas em instâncias da importância de uma eleição – a risada não pode se antepor ao esforço.
Renovação na política não significa elegermos comediantes ou apenas candidatos jovens. Vamos utilizar a graça e o humor pela boa ironia, pela cutucada naquele candidato que há anos se elege e que nunca fez nada mais sério pelo seu país – e não para desgastar aquilo que já anda tão desgastado e nem substituir o nosso sorriso momentâneo pelo pranto da desesperança futura.
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ELEIÇÕES PARA PROFISSIONAIS
É verdade que, como muitos têm comemorado, o processo democrático – quando observado a partir de seu ápice, as eleições – e o exercício da cidadania sem ressalvas vêm se fortalecendo no Brasil a cada novo pleito. Outro processo que ocorre em paralelo é a profissionalização das campanhas políticas – o que não é exatamente uma vantagem.
Chegamos ao fim de um período de campanhas tranquilo. A amenidade das campanhas eleitorais é um êxito dos marqueteiros e coordenadores de campanha, empenhados em manter limpa e forte a imagem dos candidatos, mas traz como inevitável consequência o esvaziamento do debate político e de projetos políticos para o país de fato.
Todos buscam a vitória, é óbvio, mas em um cenário político cada vez mais asséptico, quem sai perdendo é a própria Democracia. O zelo pela imagem, o receio da palavra e os eufemismos marcaram a participação dos três “principais” candidatos e a cobertura midiática pautada por resultados de pesquisas parece transformar a política em um campo de apostas. Sem dúvidas, é positivo que o processo eleitoral transcorra sem grandes problemas, mas a questão que fica é até que ponto interessa-nos que a discussão se limite à concorrência de estratégias discursivas de quatro em quatro anos.
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SOBRE A POLÍTICA DESPOLITIZADA
O resultado de anos de participação polida é a despolitização. O descaso com o panorama político. Não precisamos indagar a muitas pessoas para notar. A maioria ignora o cenário eleitoral. Nunca se teve uma participação popular de fato nas lideranças políticas. Mobilização, sim. Participação, sempre podada. Inserção, sempre uma tentativa repelida. A democracia no Brasil é recente e ainda não concluída.
Assim como em muitos países da Sudamérica, a existência de governos populistas plantou em muitos a ideia de pais no governo. Um pai que cuidasse dos rebentos mal formados. Laços afetivos, palavras carismáticas. Talvez bom o vínculo não fosse usado para a descaracterização de um interesse pela esfera pública.
Ocorre a passagem a um interesse pela figura do “personagem” em si. Olha-se televisão, ouve-se rádio, leem-se publicações com olhos de análise do indivíduo quase desvinculado de propostas e ideias. Caminhamos lentamente, tropeçando ainda por resquícios de séculos passados e indícios de sujeira moderna. Votos de cabresto, políticos como coronéis, cooptação de lideranças promissoras, alianças ideologicamente contraditórias e outros empecilhos de desenvolvimento (e envolvimento) eleitoral.
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COBERTURA INTERNACIONAL
Neste ano, a cobertura internacional das eleições brasileiras é a maior que já tivemos, contando com mais de 250 correspondentes em território nacional. Um dos destaques é o canal venezuelano Telesur, que, nesta semana, acompanhou ao vivo a tentativa de golpe ao presidente equatoriano Rafael Corrêa e que fará uma cobertura completa das eleições do Brasil em seu projeto “Cuando Latinoamerica decide”.
A maioria dos textos publicados em grandes mídias de outros países destaca a iminência de uma mulher na frente do Brasil, ancorada no carisma do presidente Lula, como é o caso de matérias dos jornais “The Guardian”, “The New York Times”, “The Washington Post” e “The Independent” (este último começou um artigo nesta semana com: “A mulher mais poderosa do mundo começará a andar com as próprias pernas no próximo fim de semana (…). Como chefe de estado, a Presidente Dilma Rousseff irá se tornar mais poderosa que a Chanceler da Alemanha Angela Merkel e que a secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton.”).
Muitos são os fatores que podem ser apontados como causa da atual visibilidade do Brasil: seu crescimento político, econômico e social; a Copa e as Olimpíadas que iremos sediar; a própria figura do presidente Lula, o operário que chegou ao poder; as descobertas no pré-sal; as lideranças em debates sobre meio-ambiente; as relações diplomáticas cada vez mais importantes etc. O fato é que parece que, nestas eleições, não estamos apenas escolhendo o futuro de nosso “pequeno” país, mas, sim, tomando uma decisão de âmbito mundial, o que torna ainda maior nossa responsabilidade, como eleitores brasileiros, no dia 3 de outubro.
ELEIÇÕES 2010, pelo nosso Viés
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