DIÁRIO DE UMA PASSAGEM parte I

O que pode resultar de uma viagem rápida? Algumas impressões, muitas dúvidas e questionamentos. Um ou dois dias em cada cidade. De passagem, algumas notas, comentários e vivências na Bolívia e no Peru.

parte I: A fronteira Argentina-Bolívia (La Quiaca e Villazón), as estradas bolivianas, Potosí e o trabalho de mineração, Sucre e La Paz.

28/11, 18h55: À caminho de La Quiaca, a cidade argentina que faz fronteira com a Bolívia. Depois de dois dias e uma noite pela província argentina nortenha de Jujuy, seguimos rumo ao país vizinho.

21h40: Em um hotel em Villazón, a cidade boliviana fronteiriça. Não havia mais ônibus a Potosí, então restou passar a noite aqui. Estamos em um hotel. Pagamos 40 bolivianos por um quarto bom com banheiro privado eainda temos direito a café da manhã. 40 bolivianos são 10 reais. No Brasil, esse preço só pagaria algo de baixíssima qualidade. Antes de dar uma volta, ligamos a TV. Um canal veiculava um tipo de programa que creio que no Brasil não seria transmitido. Indígenas sentados em uma mesa redonda discutiam as mudanças climáticas e criticavam ferozmente o sistema capitalista, grande desestabilizador da madre tierra (mãe terra, Pachamama, uma deusa para as culturas andinas). Falavam sobre a “Ley de los derechos de la Madre Tierra”, que tramita no senado boliviano (a lei acabaria por ser aprovada no dia 8 de dezembro).

Hoje chegamos por volta das 20h em La Quiaca e passamos pela migração dos dois países. No terminal de ônibus da parte argentina, já se nota a mescla entre as culturas de ambos os países. Senhoras caracterizadas como campesinas bolivianas, as famosas cholas, vendem sementes e frutas sentadas no chão. Em panos grandes e coloridos guardam o que não foi consumido e seguem às suas casas, que talvez sejam do lado daqui ou talvez sejam do lado de lá. Cidade de fronteira sempre tem essas coisas de indefinição de limites de costumes, embora tenham também o marco geográfico de fim de um território e início de outro. Mas essa zona fronteiriça não parece ser tão perigosa como outras tantas. Bolivianos mesmo dizem que há bastante policiamento, porém também afirmam que a cidade não é tranquila. Saímos pelas ruas de noite. A praça central é iluminada e bem cuidada. Não entramos nos caminhos mais escuros ou desertos, mas a impressão entre todos é de relativa calma.

Ah! Ao entrar em Villazón, é impossível deixar de notar uma parede onde o rosto de Evo Morales figurava. Uma pintura viva, cheia de cores e sentimentos de adoração.

29/11, 8h05: Quase perdemos o ônibus. Se na Argentina costumam atrasar, na Bolívia são pontuais e não perdoam atrasos nem de um minuto. Chegamos na porta do ônibus, acenamos com as passagens para o motorista, que com cara de bravo balançou a cabeça e partiu. Corremos até o próximo ponto de “coleta” de passageiros e conseguimos subir. O ônibus viaja lotado. Há pessoas nas poltronas, no corredor e no chão. Pessoas caindo por cima de pessoas. As janelas existem, mas não são abertas. Muitas paradas em povoados pequenos, muitos campesinos subindo e descendo mais além. A estrada, a princípio, é boa. Depois de um trecho que não chega a durar uma hora, começam desvios e mais desvios. Em pouco tempo esses desvios tornam-se permanentes: a estrada é uma carreteira de terra e por alguns momentos o ônibus atravessa rios rasos. A paisagem é de montanhas, precipícios, casas simples e olhos curiosos ou acostumados de moradores dos povinhos. Muita curiosidade e vontade de parar em algum lugar, porque o ar já se torna quase insuportável dentro do ônibus e porque até então não tivemos muito contato com as gentes da Bolívia. Mas são nove horas de viagem e recém começamos. O sol começa a incomodar e a deixar tudo denso e a poeira da estrada vem entrando pelas frestas.

16h40: Chegando em Potosí. A vista inicia nossa recompensa. Agora passamos por uma região de minas e começamos a entrar na zona urbana.

18h: Já alojados em um hostel bom e simpático de estilo colonial. Também barato: 30 bolivianos (R$7,50). O centro da cidade é lindo. Cores, casas antigas e reformadas, ruas charmosas e às vezes um pouco labirínticas. Entretanto, a vista da cidade denuncia que o centro é uma pequena ilha. O tom que predomina na cidade, de longe, é o marrom das habitações simples. No centro, em meio a um ar pomposo, circulam muitos pedintes. Os pedintes se arriscam até no meio das ruas, com os veículos em movimento. E os veículos não são predominantemente velhos ou simples. Veem-se camionetes de grande porte, carros modernos e alguns mais comuns. A Bolívia é o segundo país com maior desigualdade social na América Latina, só perdendo para o Haiti.

30/11, 2h: Passando pelas ruas centrais a caminho do hostel. Drugs! Drugs! é o que gritam dois homens de 20 e poucos anos e muita toxina no corpo. Caindo, rindo, tentando articular a fala e mostrar aos turistas o que têm. O tráfico se mostra.

Às 23h, mais ou menos, as barraquinhas de lanche na rua começam a fechar e as cholas varrem as calçadas. São muitas mulheres deixando as ruas limpas para o dia seguinte.

31/11, 9h: Uma hora de fotografias pelo centro. Muitos bolivianos humildes estão sentados nos bancos da praça principal, a Plaza 10 de Noviembre, e olham desconfiados para a lente. Não sei o que eles pensam, mas acredito que se perguntam o porquê desse monte de turistas ficarem com os olhos em cima deles. Muitos estrangeiros visitam a Bolívia e tentam registrar a cultura e as pessoas do país. Isso me parece bom, mas me pergunto se essa valorização do boliviano não deveria ter começado no mínimo há cinco séculos.

Carrinhos de comida começam a ser montados nas ruas – é uma das atividades que mais se vê no centro. Restaurantes e cafés abrem as portas. Os atendentes destes não são os donos e não moram no centro. Certamente moram na parte marrom. Para onde e para quem vai tanto dinheiro de turismo?

Em um restaurantezinho está toda uma família no atendimento aos clientes. As crianças anotam os pedido e os levam até as mesas. Durante a preparação, assistem a desenho animado em uma pequena televisão.

1/12, 00h: Sucre, em um alojamento muito simples e muito mais barato. Não vou conseguir escrever muito. Vômitos e diarréia. O almoço não fez bem ou o mal de altitude recém veio se manifestar. Antes estava tudo bem com o corpo. Visitamos uma mina em Potosí hoje de tarde. É incrível. Estando dentro pode se ter uma pequena noção do que é o trabalho mineiro. Muitas coisas a escrever, mas fica pra amanhã.

9h20: Durante toda a madrugada passei indo do quarto ao banheiro (que era um pouco longe e muito mal cheiroso e sujo). Bom, às vezes não conseguia chegar a tempo no banheiro para vomitar. Agora já me sinto melhor, apesar de muito fraca. A última refeição foi o almoço de ontem e ainda não sinto a menor vontade de comer. Saímos em busca de um hostel, porque o alojamento não foi uma boa opção e queremos passar outra noite aqui. Depois de um café da manhã (o meu: um suco), saímos para conhecer o cemitério municipal, que é uma das atrações da cidade. Ele se chama Cemitério General, tem cara a ares de parque (muitas árvores e plantas) e abriga nomes importantes na história boliviana. Famílias reais, militares importantes… Mas o que mais chama atenção, na verdade, é o nosso guia. Ele tem 12 anos, trabalha há quatro como guia, e vai explicando resumidamente a história das figuras que se encontram nos túmulos.

Depois do cemitério, seguimos ao Castillo de la Glorieta, um castelo que pertenceu a príncipes bolivianos enriquecidos pela fortuna das minas de Potosí. A construção é imensa e nela há uma mescla de estilos. Ao que consta, o castelo era só a casa de campo deles à qual iam apenas duas vezes por ano. O casal, príncipe e princesa, era caridoso (será que uma forma de aliviar a consciência?). Não podiam ter filhos e construíram muitas creches e abrigos, entre os quais alguns existem até hoje.

Sobre as minas, ontem: o passeio é realizado por uma agência e começa com a colocação dos equipamentos de proteção. Botas, roupas impermeáveis, capacete com luz. Daí, passamos ao mercado mineiro: uma ruazinha com várias lojas onde se vendem todos os materiais e equipamentos necessários para o trabalho nas minas. Compramos dinamites e folhas de coca para dar de presente aos mineiros. É uma tradição. Qualquer um pode comprar um kit completo de dinamite por 40 bolivianos (R$10,00). A coca é um item indispensável para os trabalhadores e, por isso, dar de presente dois punhados a cada um é um ato de extrema gratidão pela hospitalidade. Do mercado, vamos a um local de processamento dos minérios. Lá se realiza, por exemplo, a remoção da sujeira presente no material bruto extraído das minas.

Após essa visita, é a hora da entrada na mina. No Cerro de Potosí, ou Cerro Rico, estão os minérios extraídos atualmente. Nele também estava a prata que alimentava as colônias espanholas e o império da metrópole. A prata, fruto de cobiça não só da Espanha, mas de todas potências, não é mais o principal produto extraído hoje. As pepitas foram esgotadas, bem como os indígenas, que forçados a trabalhar pelo estabelecimento da mita – trabalho compulsório forçado –, morreram aos montes pelo esforço desumano requisitado no labor e pela intoxicação com o mercúrio. A mina que entramos se chama Rosário. Além dela, várias outras se estendem pelo cerro.

O nosso guia é jovem, mas tem a experiência de três anos de trabalho como mineiro. Pode parecer pouco, mas o pouco para esse trabalho é muito. Conforme vamos entrando na mina, o ar torna-se escasso. Os nossos olhos são as luzes dos capacetes. Sem elas, a escuridão é total. O caminho é estreito e por oras é coberto de barro. A altura quase sempre não chega a um metro e meio e, por isso, a caminhada de mais de 4 quilômetros é feita quase sempre com o corpo abaixado. Todo o caminho é seguido por trilhos. Às vezes nosso guia grita Pra parede! Encostem na parede que lá vem um vagão! A parede, na verdade, fica colada aos trilhos. Os vagões pesam em torno de duas toneladas, estão cheio de minérios e são empurrados por mineiros até os locais de descarregamento.

A mina Rosário está em plena atividade e o trabalho não cessa. Por volta de 17h perguntamos a um trabalhador a quanto tempo ele estava trabalhando: Desde às 8h, mais ou menos. O suor, a respiração dificultada por uma altitude de quase 5 mil metros acima do nível do mar e por uma mistura de poeira e minérios sufocantes e tóxicos. Pessoal, os mineiros são conscientes. Eles sabem que o trabalho  é horrível. Mas a remuneração é maior que a de um advogado, por exemplo. Eles sabem que irão morrer cedo com o mal de mina, mas ainda assim preferem continuar. Opção? Crescer em um contexto de pobreza, não ter oportunidade de estudar – porque pequenos precisam contribuir na renda das grandes famílias –, saber que a valorização dos trabalhos mais comuns ou tradicionais na cidade é baixa e, então, “escolher” a submissão a um trabalho pesado que reduz a vida drasticamente. Trabalhar para extrair os minérios que servem de base para os bens de consumo, para os itens de desejo que tornam o esforço das famílias quase zero. Extremos. Em uma ponta aqueles que trabalham duramente e quase sem descanso garantindo para que, na outra ponta, outras pessoas tenham mais conforto e menos esforço.

O guia explica que a expectativa de vida de um mineiro está ao redor dos 50 anos. Eles trabalham 35 anos respirando o ar contaminado das galerias. Se desgastam, sofrem dos pulmões. Acabam contraindo a silicose, doença conhecida como “mal de mina”. Aí começam a cuspir sangue e em seguida morrem. Deixam as famílias relativamente bem, mas isso também depende da “classe” de mineiro que foram. Existem três níveis de mineiros. O primeiro é o trabalhador mais comum, que deve trabalhar três anos para ter todos os direitos que hoje existem para a classe. O último nível é uma espécie de gerente. Ele tem conhecimento suficiente de toda a extensão da mina, das melhores formas de extração e também resolve os problemas que surgem, como o enfrentamento entre dois ou mais grupos por uma pepita.

A desestruturação e sofrimento da família foi outra consequência que o nosso guia sentiu. Quando ele tinha 3 anos, o irmão mais velho, mineiro, entrou numa mina pela noite à convite de um amigo. A lamparina a gás, que serve também para identificar quando algum elemento tóxico está no ar (pois muda a cor da chama) se apagou e os dois ficaram na escuridão e na insegurança. Andando para achar o caminho de volta, o irmão caiu em um buraco e faleceu. O pai, que também era mineiro, entrou em crise e começou a beber demais.  A família, entristecida, criou o atual guia pedindo que ele não seguisse a tradição no trabalho. Mas, mesmo com medo, ele começou no serviço, até decidir trabalhar como guia. Não abandonou o ambiente, mas a exposição aos malefícios do ar e aos desgastes do corpo reduziu-se muito. Hoje, se vira no inglês com os “gringos” e guia com a sabedoria de quem conhece bem o ofício tanto tecnicamente, como fisicamente e emocionalmente.

Uma das conversas interessantes que temos com os mineiros é sobre o trabalho em cooperativa e o trabalho para empresas privadas – quase sempre estrangeiras. Na empresa privada se têm mais benefícios, se ganha um pouco mais. Mas sabe como se entra? Aconteceu com o meu primo… Ele ficou meses trabalhando de graça até ser aceito pela empresa. E nem sempre contratam depois desse trabalho gratuito. Nas cooperativas há um movimento forte para reivindicação de mais direitos, pois o trabalho danifica, e muito, o corpo. Houve muitas conquistas ao longo das décadas se compararmos a duração da jornada e os planos de saúde, por exemplo. Mas a luta  ainda é grande e necessária. O trabalho, na prática, é realizado de segunda a sábado e dura cerca de 12 horas diárias, passadas com a ajuda de muita folha de coca, que espanta o sono e dá sensação de saciedade. Quando uma pepita está em processo de extração, o limite diário é o esgotamento do corpo. A saída dos vagões não pode cessar.

Durante a caminhada, vamos conversando com os mineiros e com o guia. Em um trecho, chegamos ao Tío. Tío é o deus das minas e protetor dos mineiros. Ele é também um diabo, mas não no sentido cristão de maldade. Diabos, para a religião indígena e andina, são os deuses das festas e da alegria. Podem ser maus, bons, jovens ou velhos. O Tío da mina Rosário está rodeado de folhas de coca, cigarros e serpentinas. São oferendas. Durante o período de carnaval, que é a época de pedir bons frutos no campo e nas extrações, o trabalho cessa. São sete dias de festas, tragos e oferendas. Além dessa fase, a cada primeira e última sexta feira dos meses, e quando se encontra uma boa pepita de minério,  são realizadas oferendas. Proteção e segurança no trabalho também são pedidos ao Tío. Todos respeitam o deus. Temem-no e o veneram.

O trabalho nas minas é realmente algo que impressiona e que rende muito assunto e discussão. Ontem, saímos de lá impressionados. O contato com esses trabalhadores expões feridas de um país que foi o mais rico da América e que, sugado ao máximo, sofre ainda com as desigualdades. A dívida pela repressão cultural e pelo trabalho forçado ainda existe, mas ninguém irá lhes pagar.

3/12, 22h: La Paz. Saímos às 19h30 de Sucre depois de uma tarde de visita ao Museu Nacional de Etnografia e Folclore e ao parque Simon Bolívar. O museu é bem cuidado e a exposição mais marcante é, sem dúvida, a de máscaras folclóricas usadas em danças tradicionais de comunidades variadas da Bolívia. O parque é extremamente limpo, com canteiros bem cuidados. Muitas pessoas descansam nos bancos e passeiam por lá.

A viagem até aqui foi de 12 horas, durante a noite passada. O ônibus era muito bom, bem como as estradas. Dormimos muito, chegamos de manhã cedo em um hostel e já saímos ao centro e às feiras artesanais. São ruas e mais ruas com lojas e bancas de roupas, bolsas, telas e artesanatos típicos. Os donos são cholas e artesãos humildes ou empresários rebuscados. Há também uma rua fechada para feira de alimentos. Frutas, verduras, queijos, grãos e muitos tipos de batatas. Os comerciantes são paceños, designação aos nativos de uma região próxima a La Paz, e a maioria dos produtos é cultivado e produzido diretamente por eles. Quase todos são extremamente fechados, não abrindo muita brecha para conversas. Alguns são bravos. Não olha se não vai comprar, é o que diz uma chola quando passamos encantados olhando a variedade de frutas, que é muito semelhante a do Brasil.

Sobre as cholas, mais informações. A palavra designa mulheres de distintos povoados. Em comum: as saias rodadas com várias camadas, chapéu sobre a cabeça, o cabelo longo sempre dividido em duas tranças que caem atrás dos ombros e que podem ser atadas umas a outras com fios coloridos (depois lembrei que no clássico “As veias abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano, havia uma passagem sobre a tradição chola: a atual vestimenta indígena foi imposta por Carlos II em fins do século XVIII. Os trajes  femininos que os espanhóis obrigaram as índias a usarem eram calcados nos vestidos regionais das camponesas espanholas da Extremadura, Andaluzia e país basco, e o mesmo ocorre com os penteados das indígenas repartidos ao meio, impostos pelo vice-rei Toledo.) Hoje, a vestimenta é característica de identidade dessas mulheres.

4/12, 9h: Amanhecemos. Minha carteira estava aberta sobre uma mesinha no quarto e 150 bolivianos haviam sumido. Estamos em um dormintório com 16 camas. Em todas estão europeus e americanos. Começamos a ficar com certa impaciência com o modo como o hostel está organizado. Tudo é escrito em inglês e os atendentes do bar, em maioria, não falam espanhol e olham estranho quando abrimos o verbo em castellano. Os canais de televisão nas salinhas são europeus ou estadunidenses. Não é veiculada uma notícia sequer sobre o país no qual estamos e os hóspedes (que são muitos) parecem estar em uma bolha recriada para eles. Há uma bandeira da Irlanda no hostel e quase nenhum símbolo boliviano. O cardápio do pequeno restaurante imita receitas tradicionais das nações do outro lado do oceano. É estranho. Creio que houve uma tentativa de fazer com que os turistas se sentissem bem, mas a extrapolação está em desestimular a vivência na Bolívia. A maioria deles fica boa parte do dia no hostel conversando entre si.

O carro de uma agência passa no hostel e vamos a um passeio nas ruínas de Tiwanaku. Tiwanaku é considerado o primeiro modelo de estado existente. Vestígios informam que a cultura tiwanacota existia já em 400 aC. Naquela época, era uma pequena comunidade agrícola. Com o tempo, foi crescendo e complexando seu sistema de vida. Englobou comunidades vizinhas, expandiu territórios – abarcando partes do Chile, Peru e Bolívia – e desenvolveu modelos econômicos e políticos para a vida na grande área.

18h10: O sítio de Tiwanaku que visitamos fica a 1h30 de La Paz e era considerado o centro de todo o estado tiwanacota. Estudiosos, a princípio, acreditavam que a grande cidade era somente um enorme centro religioso e cerimonial. Conforme os estudos foram aprofundando-se e teorias foram sendo criadas, a conclusão converteu-se em que Tiwanaku, além de importante local cerimonial, era uma complexa zona urbana. Nas ruínas, há paredes dos centros, área funerária (de onde foram escavadas dezenas de múmias para estudo), monolitos (imensos blocos de pedra esculpidos com o formato dos deuses da cultura), entre outras peças arquitetônicas. A foto abaixo mostra o monolito Ponce, o qual  leva o nome em homenaguem ao arqueólogo que o descobriu, Carlos Pone Sanjinés. No ombro direito dele observa-se uma cruz. A marca é fruto da ira dos espanhois que, ao não conseguirem destruir a escultura, deixaram a marca da sobreposição cultural  que iriam realizar.

Na área de Tiwanaku há dois museus. Um exibe um outro grande monolito, retirado da área original, e o outro exibe todo o material escavado do sítio: cerâmicas, tecidos, utensílios cerimoniais e de cozinha, vestimentas, entre outros. Uma múmia também figura entre as vitrinas do museu.

Tiwanaku, em sua fase mais complexa, mantinha tudo em ordem por uma ideologia que usava a religião para a manutenção da ordem do trabalho. Todos serviam ao estado para servir aos deuses. O sistema agrícola era avançado, a fundição de bronze fora descoberta e o intercâmbio com outras culturas era permanente. Entretanto, não se sabe o motivo, houve um colapso ou por perda de força dos chefes ou por desastres climáticos ou por revoltas. Talvez por uma combinação de todas essas hipóteses é que o estado de Tiwanaku fragmentou-se. Depois, teria seus moldes reutilizados pela cultura inca. As bases incaicas seguem a linha da organização tiwanacotenha.

Depois de muita explicação em inglês (o guia também só falava em inglês pois o grupo era formado quase só por europeus) sobre o sítio arqueológico, voltamos à cidade.

22h00: Há pouco aconteceu uma cerimônia grande em frente à casa do governo. As ruas ao  redor da praça estavam trancadas e em cada uma delas havia algo acontecendo. A banda do exército tocava e marchava. Nas sacadas da casa, trompetes anunciavam que alguma coisa aconteceria. Na rua da frente do prédio, soldados aguardavam algo. O uniforme de todos exibe a bandeira boliviana ao lado de uma Wipala, a bandeira que representa todos os povos indígenas andinos. O uso da Wipala foi imposto no governo de Evo e, além dos uniformes, a maioria dos prédios governamentais possuem, na frente, as duas bandeiras voando.

Uma narração explicava os passos executados e as músicas interpretadas. Em seguida, um grupo de soldados deixou a casa do governo, dando lugar para que outro entrasse. Não entendemos direito o porquê de não haver muita gente assistindo tudo isso.

5/12, 13h00: No táxi. Acabamos de saber que a grande cerimônia de ontem acontece todos os dias. É uma cerimônia usual realizada a cada troca de turno da guarda nacional. Ou seja: os guardas diurnos saem, os noturnos entram, as ruas param e o ritual começa.

Agora estamos a caminho do terminal rodoviário para pegar o ônibus a Copacabana, cidade às margens do Lago Titicaca. Lá, vamos estar muito perto da fronteira com o Peru e a intenção é conhecer Cusco. De Cusco, voltaremos à Bolívia para conhecer o Salar e deserto de Uyuni.

em breve: DIÁRIO DE UMA PASSAGEM parte II – Lago Titicaca e a Copacabana boliviana, sistemas de cultivo andinos, Cusco, ruínas incas, salar de Uyuni, um pouco sobre Evo Morales e a reserva de lítio.

DIÁRIO DE UMA PASSAGEM parte I, pelo viés de Liana Coll

lianacoll@revistaovies.com

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