Transcender o espaço dos muros universitários é uma regra quase sem exceção quando a arte e a inventividade arrebentam dentro da mente e do corpo, ocasionando o engenho de grupos artísticos, literários, jornalísticos, musicais, militantes e afins para que o debate, a arte, a cultura, a contra-cultura e a política vazem pelos poros da Universidade sem que a mesma seja a instância que culmine o encontro entre sociedade e academia. É uma forma de Extensão, parte do tripé base das universidades federais – Ensino, Pesquisa e Extensão-, extrajurídica, que não esbarra na burocracia processual e que busca perpetrar os ensinamentos e teorias universitárias de forma mais cotidiana e menos doutrinada.
A academia não é adotada como o problema, mas sim como o alicerce para que o empreendedorismo não seja uma vírgula, uma teoria a ser ensinada. Do ensino universitário, desde os primeiros semestres, são diversos os educandos que procuram ir adiante, sabendo da dificuldade que uma universidade tem em acatar projetos além-pesquisa ou que não façam parte de grupos institucionais.
Há de se apontar, contudo, que nem só a deficiência, tanto econômica quanto espacial, seja o único fator evidente na concepção de grupos que despontam de dentro das salas de aula ou dos laboratórios para arriscar levar à sociedade de forma mais prática aquilo que receberam disciplinarmente. O empenho por parte das Universidades brasileiras sobre elementos que proveem à comunidade benefícios cotidianos, como a aproximação com a cultura e a política, tropeçam na morosidade e abnegação acadêmica em colaborar com inventos e inovações.
Projetos que não se situem pré-determinados nas páginas dos livros ou que não trarão créditos diretos à instituição são rejeitados, e o que resta é o afastamento, por parte de universitários, da tenacidade em conservar o pensamento crítico dentro da instituição. Esta deficiência tem os pés sujos na lama do provincianismo e do descaso, principalmente, dos Ministérios com as mutações sociais propostas por muitos estudantes.
Enquanto os governos abdicaram apoio a coletivos (agrupamento de pessoas por determinadas causas) perpetuadores de cultura e debate, o eixo central, governamental, fora rejeitado pelos civis. Surge assim, desde os anos 1990, uma enorme rede infindável de cultura e política afastada de conceitos governistas. O maior exemplo é o Circuito Fora do Eixo.
Circuito Fora do Eixo é uma rede de trabalhos concebida por produtores culturais das regiões centro-oeste, norte e sul no final de 2005. Começou com uma parceria entre produtores das cidades de Cuiabá (MT), Rio Branco (AC), Uberlândia (MG) e Londrina (PR), que queriam estimular a circulação de bandas, o intercâmbio de tecnologia de produção e o escoamento de produtos nesta rota desde então batizada de “Circuito Fora do Eixo”.
A rede cresceu e as relações de mercado se tornaram ainda mais favoráveis às pequenas iniciativas do setor da música, já que os novos desafios da indústria fonográfica em função da facilidade de acesso à qualquer informação criou solo ainda mais fértil para os pequenos empreendimentos, especialmente àqueles com características mais cooperativas.
Os debates cotidianos conseqüentes das intervenções de tais grupos ficam à mercê e ao encargo dos próprios universitários para a manutenção da inovação social e humana. Estamos ainda submergidos no positivismo, dando maiores razões, e consequentemente incentivos, aquilo que é unicamente palpável, como pesquisas clínicas e refutando as ciências sociais e os frutos lúdicos da humanidade, como o teatro e a música, tão importantes como quaisquer outras ciências. O buraco é mais embaixo. E o engano quanto ao exercício destes grupos habitualmente ficam restritos à crítica e a desconfiança por parte da sociedade. Podemos dizer que a imagem positiva sobre os coletivos ainda engatinha, mesmo que milhares de pessoas no país sejam entusiastas do estilo de se fazer cultura e se debater o espaço e o estilo de vida no qual estamos inseridos de forma coletiva. Pode-se dizer, com otimismo, que o Fora do Eixo relativiza o pensamento mais popular e de cunho socialista tão procurado para que se possa lutar contra a rede mercadológica fechada de grandes gravadoras, opressoras e excludentes.
Prática, porém, não se apresenta como o lado antagônico da teoria, porque mesmo que seja de caráter técnico, nas bases dos movimentos que vão além da universidade, a teoria está sempre rondando o discurso e o debate. O teatro, a música, os movimentos de intervenções culturais ou políticas, os blogues, os ilustres e antigos zines não deixaram de lado a teoria, até por que é a partir dela que todos estes grupos conseguiram tornar palpáveis seus projetos sociais, como o grupo “Teatro Por Que Não”, durante as próximas cinco semanas, apresentarão cinco espetáculos já altivos na comunidade santa-mariense e que trarão a cultura por finais de semanas seguidos.
Unir-se e criar formas de ultrapassar os muros da Universidade deveria ser orgulho das instituições, mas até hoje, muitos são os empecilhos depositados por parte destes órgãos. Mesmo com tempo lacônico e trabalhando para mais do que têm obrigação, muitos são os professores que confiam e apóiam as inovações que não fazem parte de grupos de pesquisa ou estão ligados diretamente à universidade. Ficar suportando currículos defasados, privados e que só ensinam o mesmo de sempre, é a primeira rachadura aberta para que os alunos tentem criar sem esperar a boa vontade das instituições, alguns docentes e reitores.
FAZER ARTE SEM ESPERAR, pelo viés de Bibiano Girard
bibianogirard@revistaovies.com
Para ler mais crônicas acesse nosso Acervo.