Se você, caro leitor da @revistaovies, conhece o universo do microblog de mensagens de até 140 caracteres, o twitter, sabe bem a respeito do tema que tratarei a seguir. Ultimamente, temos recebido dúzias e mais dúzias de mensagens de outros usuários repudiando atitudes da mídia tradicional. Os ataques estão direcionados seja à emissora ou seja aos seus subordinados, mas o que não pode mais faltar no cotidiano de quem utiliza o site é alguém reclamando do quê ou de quem for. Plenamente natural, se levarmos em conta que o twitter tem funcionado como a tribuna popular dos agregados às mídias sociais.
Tiro duas conclusões disso. Primeiro: é de que as pessoas estão vendo além do que a Vênus platinada quer que elas vejam (as pessoas significa um número, porém não um total). Segundo: o advento das novas tecnologias proporcionou que procurássemos por informação em todos os cantos. Também ficou mais difícil de varrer a poeira para debaixo do tapete (coisa que durante décadas as emissoras consolidadas faziam e, por conseguinte, ainda fazem). Porém, tornou-se mais difícil congregar e mobilizar a juventude que está tendo acesso à toda essa enxurrada de informações. Dentre as boas maçãs ainda existem as podres, e nem sempre é fácil separar o joio do trigo. O que eu disse com toda essa metáfora? Que mentira existe até mesmo onde existe verdade. Vamos continuar enfrentando o velho problema de sermos vez ou outra enganados, mesmo mergulhados em redes, blogs, sites e canais de informação alternativos. Eu não tenho uma resposta exata de porquê está cada vez mais difícil mobilizar jovens e adultos em prol de causas sociais. A gurizada ainda vê as redes sociais como uma forma de se mobilizar em prol dela mesma, e não de terceiros. É muito fácil entrar em comunidade no Orkut para salvar as tartarugas marinhas ou difamar no twitter o presidente do Senado. Mas ir até lá, bater panela, exigir que o ladrão deixe de roubar, ou apenas procurar votar consciente – por que tais atitudes ainda são sacrifícios? A solução está a um clique do mouse ou a um enter. Somos feitos por ondas. Quem vai pela onda não sabe porque está indo, e ao invés de nadar contra a corrente apenas se deixa levar. Esse entulho de informações que a internet e as redes mundiais têm nos proporcionado não nos deixou mais críticos. Pelo menos, com aquilo que realmente importa, pois a camiseta do Faustão bem que vira assunto no twitter…
Não sou uma especialista no assunto, mas arrisco palpitar que o twitter chama mais a atenção pela sua característica de instantaneidade. Somos muito carentes (mesmo que não admitamos) e precisamos de atenção (e nada melhor para quem precisa de atenção do que alguém perguntando o que ela está fazendo – a chamada principal do site é “o que você está fazendo agora?”). A rede social do microblog funciona como um MSN gigante (os antenados em tecnologia me entenderão). Podemos proferir aquilo que bem quisermos, e a sensação é de que a resposta é imediata. É como o episódio que virou piada no país. Ao ser questionado por um jornalista do que iria fazer depois de ter sido barrado no show da banda de happy rock Restart, um mocinho olha para a câmera e diz: Vou xingar muito no twitter!
Com todo o ar de superioridade e de certeza que vemos nele, podemos imaginar que para alguns a vida realmente parece dar jeito ao ser comprimida, exposta e divulgada no twitter.
Quando o site surgiu, foi aclamado por uma parte mais conectada e empolgada da mídia tradicional. Até virou assunto quando milhares de jovens no Irã jogaram sujeira no ventilador, mandando mensagens ao mundo todo sobre as manifestações ante-fraude nas eleições do país. Até aí tudo bem. Mas qual foi a notícia que saiu no outro dia no telejornal para as mais de milhares de pessoas que tem acesso ao Jornal Nacional, mas não tem acesso ao twitter? Somos um país de analfabetos digitais, e a mídia que surge pelas beiradas, a dita mídia alternativa na internet, deveria vir com complemento e não com perfumaria.
Um dos primeiros políticos a experimentar as vantagens do twitter foi o atual presidente dos Estados Unidos Barack Obama. Por ter uma característica mais jovial em sua campanha política, Obama utilizou-se de mídias também jovens que atingissem os novos norteamericanos e lhes implantasse a verdadeira idéia de renovação. Hoje, o twitter também é recurso nas campanhas de presidenciáveis aqui no Brasil (algumas vezes disputando o primeiro lugar em número de seguidores e em outras vezes escorregando um pouquinho).
A morte do astro do pop Michael Jackson saiu primeiro no twitter. E foi a partir daí que o negócio virou fenômeno. Além de saciar a medida de atenção que alguns precisavam, o site ainda vinha com a opção de divulgar e expandir informações em uma velocidade bem mais rápida. E tudo isso gerou o que podemos chamar de uma febre pós-moderna.
As redes sociais são um fenômeno da globalização caracterizado pelo geólogo David Harvey como instrumentos de distanciamento tempo-espaço e de deslocalização. Estamos lá ou eles estão aqui? A sensação que permeia é de que permanecemos interligados e de que podemos surtir efeito em diversos locais do mundo. Deve ser por isso que as pessoas sentem a sua carência momentaneamente suprida ao notar o número de seguidores que lerão sua mensagem ou o número de retweets dados por outros usuários (que no dicionário twitteiro seria republicar aquilo que outro já disse, só que desta vez dando os devidos créditos – nada mais velho que o bom copia & cola).
Já falei de ondas, já falei da juventude e já falei do repúdio à TV Globo. Tudo isso encaixa perfeitamente no mais novo fenômeno da internet no twitter, o Cala Boca Galvão Bueno, uma espécie de brincadeira dos brasileiros (digo espécie, pois tenho minhas dúvidas). Através do twitter foi possível que centenas (arrisco dizer milhares) de brasileiros dissessem “cala boca cara!” toda vez que o comentarista global proferisse mais uma de suas famosas pérolas. E o assunto tomou gosto pelo pessoal que utiliza o site, até o momento em que chegou ao topo da lista dos mais comentados mundialmente. E aí sim que Galvão virou piada. O que antes era uma espécie de escracho público virou até mentira. Alguém inventou de dizer aos usuários do twitter em outros países que Galvão era um pássaro. Os brasileiros adoraram a piada de papagaio direcionado aos pobres gringos que não entenderam o que significava aquele #CALABOCAGALVAO nos seus tão amados Trending Topics (o nome dado aos assuntos mais comentados nacional ou internacionalmente no twitter). O brasileiro gosta de ser malandro, e a garotada achou um máximo (que fez até vídeo) enganar a gringaiada toda com a maior piada interna nacional. Teve até gente dizendo que para salvar o pássaro Galvão era preciso apenas dar um RT (retweet) na mensagem que a Fundação Galvão Bueno recebia dez centavos pelo número. Quem está preocupado com a natureza achou maravilha salvá-la sem sair de casa. Coisa para inglês ver.
A revista Veja direcionou até mesmo uma capa (talvez a melhor que a revista já produziu nos seus últimos cinco anos) ao assunto Cala Boca Galvão. A imagem é a do pássaro azul (símbolo do twitter) em cima de uma árvore, cagando no ombro (ou na cabeça) do comentarista. Achei a idéia genial. Mas o conteúdo (além do formato gráfico) é mais discutível. Ainda não li a matéria, e confesso que gostaria de ler. Mas, concordo com alguns que direcionaram críticas à revista quando a lembraram de que o assunto dito banal e restrito aos internautas superou a situação de José Saramago, um dos maiores e melhores escritores em língua portuguesa que ao falecer apenas recebeu uma notinha na revista mais ’lida do país’.
Mas a verdade é que não podemos ignorar a febre que o twitter tem provocado na geração que segue descobrindo e redescobrindo a internet. A bola da vez (para usar um trocadilho temático) é o jornalista esportivo Tadeu Schmidt. Ao se pronunciar durante o programa dominical Fantástico, Tadeu apresentou imagens do técnico da seleção brasileira Dunga xingando o jornalista Alex Escobar, que o teria debochado através de um aceno negativo de cabeça. A crise entre o Dunga e a imprensa da Globo ficou evidente, e quem é esperto o suficiente para juntar dois mais dois saberia dizer que a emissora bem que quis provocar no povo uma revolta com o técnico, que desde o início (até mesmo antes) do mundial vinha sendo caracterizado como rabujento e agressivo. Agora ele também é intolerante e mal-educado. Porém, o tiro saiu pela culatra e o “povo” (mais uma vez) usou o twitter para manifestar a sua esperteza e gritar pra Globo e para o mundo que não acreditava em nada daquela baboseira que estava tentando ser passada. E foi para o topo o CALA BOCA TADEU SCHMIDT.
Só que penso aqui comigo que a coisa desandou novamente. Por que os cala-bocas viram moda por aqui? Ou melhor, por que as pessoas querem sempre um bode expiatório? Ao tentar colocar a nação contra o técnico Dunga, a Globo utilizou Tadeu Schmidt. Utilizou, que é bem diferente de liberar que ele próprio falasse. Sendo apenas um porta-voz dos interesses do patrão, quem tem que calar a boca é quem idealizou o discurso e não um jornalista que nada mais faz do que obedecer aos seus mandantes. A Globo caga na cabeça de seus subordinados da mesma forma que o passarinho do twitter caga na cabeça do Galvão.
Através das manifestações de repúdio a Rede Globo, aqueles que acessam o twitter constantemente conseguem abrir uma brecha para tornar público o que pensam sobre a emissora. É uma forma de as pessoas manifestarem que já não aguentam Galvão Bueno proferindo dúzias de bobagens e arrogâncias; jornalistas da Globo querendo jogar o país contra aqueles que manifestam seu desagrado com o desempenho maniqueísta da emissora; apresentadores de TV sem-noção e seus papagaios falantes que parecem dotar de um senso de moral maior do que os próprios.
A coisa toda precisa ter força e precisa ter meta se não quiser desandar novamente, e repetir o histórico de outros meios que, como nós mesmos sabemos, reclamam e reclamam e não dizem nada. O próprio Orkut, do seu surgimento ao ápice de usuários brasileiros, pipocou com as ditas ‘comunidades’ de repudio à emissora e ao comentarista global. Os ‘cala-boca Galvão Bueno’ são do tempo que o Orkut surgiu no país. E aí? No que é que deu?
O que provavelmente eu gostaria de deixar de legado para as gerações futuras é o mesmo conselho que recentemente o jornalista Robert Fisk deixou: leiamos livros de História. Com H maiúsculo mesmo. É uma lição para a mídia que quer produzir conteúdo com qualidade e uma lição para a sociedade que quer entender como funcionam os fogos-de-palha. Passamos por uma época conturbada, e se eu tivesse respostas prontas é óbvio que eu as daria. Mas como não as tenho, e desconfio que ninguém também as tenha, o que podemos fazer é resumir menos e aprofundar mais. Vamos utilizar a gama de informações a que temos acesso para democratizá-las e para ampliar nossa capacidade de sermos críticos. E não o contrário.
Revoluções, mudanças e reviravoltas são jogadas muito complexas na História das sociedades. E elas não cabem em apenas 140 caracteres.
XINGANDO MUITO NO TWITTER, pelo viés de Nathália Costa
nathaliacosta@revistaovies.com
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ótima materia!
(: ótima materia mesmo,adorei!
Engraçado eu ter feito um comentário sobre o mesmo tema em outro blog – na ocasião um pouco fora do assunto – e depois ver uma matéria inteira sobre esse assunto. Devo estar sintonizado nisso.
Na minha opinião não está acontecendo uma coesão maior das pessoas em prol de alguma coisa por que elas não estão vendo resultados. Elas estão querendo uma pílula que resolva tudo em 15 minutos, e não é assim que acontece. Veja o exemplo do #diasemglobo. A Globo voltou a atacar o Dunga? Não vi nada. E perderam 2 pontos no ibope se comparados com o primeiro jogo – já que durante um final-de-semana é diferente e as pessoas se juntam mais para assistir ao jogo a melhor comparação é com outro jogo durante a semana.
Foi derrubada a Globo? Claro que não. Quer dizer que não adiantou para nada? Longe disso! Foi um passo firme na direção que queriam, mas se desestimularam por não terem resultados grandiosos logo de cara e começaram a falar que não deu nada. Eu também gostaria de mover montanhas em 90 minutos, só não acho que essa seja uma expectativa sensata.
No momento em que as pessoas pararem de querer “gratificação instantânea”* e começarem a pensar mais a longo prazo é o momento em que estaremos mudando coisas que até hoje julgamos impossível.
*comida rápida, a cantada perfeita (pra ele), ser arrebatada pelo príncipe encantado (pra ela), acertar na loto, emagrecer dormindo, passar sem estudar, ficar reclamando, ter as coisas sem fazer nada, dinheiro fácil, etc etc etc…
http://dicas-passei.blogspot.com/