Segundo o sítio 15october.net, plataforma que tomou a frente da mobilização global 15-O e para a qual convergiram relatos do mundo inteiro, no dia 15 de outubro do ano que começou com a “Primavera Árabe” e viu saírem às ruas los indignados, foram contabilizadas mobilizações em 951 cidades de 81 países, principalmente na América e na Europa. Em algumas delas, foram às ruas dezenas e até centenas milhares de pessoas, como em Madri, epicentro e origem da primeira convocação à manifestação global; em outras, centenas ou dezenas de pessoas ocuparam praças, ruas e vias públicas, para marcar sua adesão ao chamado daqueles que decidiram levar às ruas e praças sua indignação.
A chamada para o 15 de Outubro (15-O), sob o lema de “unidos pela mudança global”, foi realizada pelo movimento Democracia Real Já, que integrou a onda de mobilizações contra as “medidas de austeridade”, como são chamadas as medidas de restrição aos direitos dos cidadãos impostas pela cartilha neoliberal dos organismos financeiros internacionais, iniciadas na Espanha em maio deste ano. O movimento 15-M (chamado assim em referência ao dia das primeiras mobilizações no país, 15 de Maio), já naquele mês, recebeu manifestações de apoio de diversos locais do mundo e começou a articular uma mobilização maior, de caráter global, para outubro.
Desde então, frente à evidência da continuidade da crise do sistema capitalista e da incapacidade dos Estados de conciliarem a manutenção deste sistema com o bem-estar da população, ocorreram mais mobilizações pelo mundo: entre outras, greves gerais na Grécia, mobilizações estudantis no Chile contra a precariedade do sistema educacional, revolta da população jovem das periferias de Londres, além de manifestações com altíssima repressão e mortes na Síria, no Bahrein e o desenrolar de uma guerra civil na Líbia. A alta adesão ao 15-O foi também impulsionada por outra mobilização recente, iniciada no dia 17 de setembro – o movimento Ocupar Wall Street, que já reuniu milhares de pessoas no coração do sistema financeiro mundial, apesar das restrições impostas ao movimento, ironicamente, no país que mais faz guerras em defesa da “liberdade” e da “democracia” para além de suas fronteiras.
As diferenças da Praça Tahrir, no Cairo (assim como das demais Revoltas Árabes) para a praça Syntagma, em Atenas, a Puerta del Sol, em Madri ou a Times Square, em Nova Iorque, cunham também a semelhança entre as mobilizações que despontaram e ainda despontarão pelo mundo neste ano: nas últimas, a democracia, a liberdade, a participação – ou seja, aquilo pelo que os povos árabes lutaram e lutam – já são consenso histórico, são valores inalienáveis e, ao menos na teoria, práticas vigentes. Ainda assim, o nome de um dos movimentos e o grito de ordem que mobilizaram pessoas em diversos países – democracia real já – reflete a ligação entre ambos os eventos: a insatisfação com a submissão, seja aos desígnios de ditadores ou à ditadura do mercado livre.
A liberdade e a democracia, princípios que desde a queda do Muro de Berlim pareciam ter descoberto no capitalismo a única alternativa para sua concretização, encontram nele justamente a limitação para sua realização plena.
Apesar das diferenças no caráter e nas reivindicações agregadas às manifestações nos diversos países, a participação no 15-O foi gigantesca em diversas cidades do mundo: foram mais de 18 mil pessoas na Times Square, em Nova Iorque, cerca de 200 mil em Roma, onde ocorreram confrontos com a polícia, cerca de 500 mil em Madri, 350 mil em Barcelona, outras milhares em Londres, Berlim, Bruxelas, Munique, Atenas, Compostela, Corunha, Lisboa, Porto, além de centenas em muitas outras.
No Brasil, mobilizações ligadas ao movimento global estavam marcadas em diversas cidades. Para acompanhar o 15-O no país, contatamos pessoas que participaram e ajudaram a construir as manifestações em algumas cidades brasileiras. Reunimos aqui os relatos, para que os leitores possam ter um panorama das mobilizações ocorridas pelo país.
SANTA MARIA, RS
Se possível, quero ressaltar que foi uma pena a manifestação de Santa Maria ter sido tão pequena e se resumir a uma manifestação partidária. Questiono-me se realmente estamos em rede, porque o movimento se desenvolveu nas redes sociais e culminou nas praças, mas, em Santa Maria, isso não ocorreu. Algumas pessoas argumentaram que houve distorção, mas pergunto: por que não buscaram se informar quanto ao movimento 15O? Afinal, o chamado era para a sociedade se desacomodar, sair do sofá, sair da frente do computador e ir para as ruas, ir para as praças, para mostrar a sua indignação contra este sistema econômico desigual, injusto e corrupto. Uma pena a falta de consciência e engajamento social e, aqui, não me refiro a engajamento partidário! Porém, tenho esperança e participar do evento foi mais do que sair de casa e ir à praça. Foi lutar por uma sociedade mais justa e com direitos reconhecidos.
Pelo viés de Priscila Ferreira, mestranda em História pela UFSM
PORTO ALEGRE, RS
Respondendo ao chamado global, cerca de duas mil pessoas caminharam no sábado do Parque da Redenção até a Praça da Matriz, em Porto Alegre, onde algumas delas acamparam até a manhã deste domingo.
Organizações de esquerda e de direita estiveram juntas, com pautas que se tocavam em alguns aspectos e se distanciavam em outros. A crítica à corrupção era gritada por quase todos, mas o não ao capitalismo não foi ouvido onde se concentraram os representantes da OAB e do Agora Chega. Mas nem era preciso ouvir os gritos para saber de que lado estava cada um. Os tipos físicos e as roupas denunciavam: de modo geral, os anti-capitalistas eram jovens, de camiseta e bermuda, muitos carregados com mochilas e cartazes; os anti-corrupção eram senhoras enchapeladas vestidas para o footing matinal, com adesivos muito semelhantes aos que o PSDB tem usado em suas campanhas eleitorais.
A convivência foi pacífica. Os pequenos desentendimentos foram rapidamente resolvidos. Além dos diversos grupos de estudantes, reunidos em bandeiras como o Movimento Juntos, a ANEL e a Juventude do PT, alguns sindicatos e organizações, como o SindBancários e a Associação Software Livre estiveram à frente das mobilizações.
Como no restante do Brasil, faltou em Porto Alegre um direcionamento claro para o movimento. O dia foi de muitas pautas dispersas em uma mobilização que dificilmente terá uma continuidade direta por aqui. A noite foi mais de festa do que de política e os debates da manhã de domingo foram cancelados. O clima político e econômico no Brasil é o oposto do clima europeu, onde as manifestações foram mais intensas e politizadas. Mas aqui também temos indignados. Indignados com o que e até que ponto se sustenta essa indignação são as questões que ficam.
Pelo viés de Alexandre Haubrich, jornalista e editor do Jornalismo B
PELOTAS, RS
Por uma mudança Global , já !
Em Pelotas, a manifestação começou no chafariz do calçadão , da rua Andrade Neves, cerca 200 ativistas participaram da marcha dos #indignados, contra a “ditadura financeira no mundo”.
Os manifestantes seguiram pelas ruas da cidade, com faixas e palavras de ordem, chegaram a Praça Coronel Pedro Osório, onde houve uma Assembleia pública e popular . O ponto de unidade de todos os presentes , é que necessitamos construir outros parâmetros para a sociedade em vivemos, combater o capitalismo e a todas as formas de dominação e discriminação.
Logo após, a programação teve sequencia com a exibição e debate de filmes sobre temas relevantes, devido ao mal tempo, não houve acampamento na praça e os filmes foram exibidos na sede do DCE.
Veja o vídeo produzido pelo Coletivo Rede sobre o 15-O Pelotas:
Pelo viés de Roger Peres, jornalista, integrante e um dos fundadores da radioCom e integrante do Coletivo Rede
A voz dos indignados e das indignadas também foi ouvida em Pelotas, onde a mobilização por mudanças globais do dia 15 de outubro levou às ruas jovens, trabalhadores, movimentos sociais e sindicatos, que se somaram ao coro “Contra a crise global, democracia real já!”. A partir das 14 horas houve concentração em um dos pontos mais movimentados da cidade, o Chafariz do Calçadão. Com um megafone, representantes de entidades e pessoas que passavam pelo local expressaram a sua indignação e convocaram a mobilização, que tomou conta das ruas. Por volta das 16 horas, em ato simbólico, foi ocupada a Praça Coronel Pedro Osório, localizada no centro histórico da cidade e em frente à Prefeitura Municipal. Em Assembleia Popular, manifestantes criticaram o atual sistema econômico e político, que ao invés de atender as demandas da maioria da população, segue beneficiando e enriquecendo uma minoria de políticos, empresas e bancos. Já na tarde de domingo, um grupo de manifestantes se concentrou novamente na principal praça da cidade e seguiu rumo à Parada do Orgulho LGBT. Com faixas e a palavra de ordem “A nossa luta é todo dia, contra o machismo e a homofobia”, o movimento 15-O foi recebido com aplausos e convidado para subir ao palco. Milhares de pessoas ouviram a fala do estudante Luan Badia, militante do Juntos!, que defendeu a necessidade de uma democracia real e o fim de todas as opressões.
Pelo viés de Cristina Altmann, professora IFSul Campus Pelotas e Militante do Juntos! Juventude em Luta
GOIÂNIA, GOIÁS
Em Goiânia, o protesto do dia 15 de outubro estava marcado para começar às 14 horas na praça cívica (centro da capital). Com um começo desanimador, apenas conseguimos atingir o auge dos presentes às 16 horas, com aproximadamente 70 pessoas reunidas no Coreto (monumento histórico da cidade). Essa reunião gerou uma assembleia em que se viu uma vontade de formar um grupo em Goiânia para tentar acabar com a apatia e a calmaria que rondam as ruas da cidade.
Na reunião seguinte, as pessoas já começam a se dispersar, mas um grupo ficou e ficou também o desejo de montar acampamento – o que foi feito. No começo da noite, havia 15 acampados e, no decorrer da noite, mais pessoas foram chegando e, no fim, trinta pessoas passaram a noite acampadas, com o indicativo de resistir semana a dentro.
Creio que, por haver poucos militantes experientes presentes nesse grupo, assim que o sol nasceu, todos tinham compromissos e se retiraram e, de forma quase vergonhosa, a acampada Goiânia se encerrou.
Pelo viés de Pedro Guilherme, estudante da UFGO e militante do Coletivo Barricadas Abrem Caminhos
SÃO PAULO, SP
O 15-O de São Paulo foi construído por diversos setores, como coletivos do movimento estudantil, movimentos sociais e partidos políticos, que se uniam na luta contra o capitalismo e a democracia representativa. Por unir organizações de diversas origens, a acampada paulistana contava com diversas bandeiras reivindicatórias, como, por exmplo, a aplicação de 10% do PIB para a educação pública já, contra a construção de Belo Monte, pela legalização do aborto e pela tarifa zero no transporte público.
Apesar da forte chuva que caiu sobre São Paulo no dia 15 de outubro, cerca de 400 pessoas tomaram praças do centro da cidade exigindo um novo mundo e, em assembleia, decidimos erguer as nossas barracas no Vale do Anhangabaú. Logo após de estabelecida a acampada, a Guarda Civil Metropolitana (CGM) exigiu que desmontássemos o nosso acampamento ou teríamos de ser retirados de lá à força, dizendo que as barracas caracterizavam uso indevido do solo. Seguimos a ordem da CGM e cerca de 200 pessoas passaram a noite dormindo ao relento e sob forte chuva, mas com grande vontade de construir uma nova sociedade. Permanecemos acampados no centro da cidade e sem previsão de até quando vamos permanecer.
[Nota da redação: a mobilização continua durante a semana em São Paulo e pode ser acompanhada pelo sítio 15-O SP]
Pelo viés de Felipe Moda, estudante da PUC-SP e militante do Coletivo Barricadas
FORTALEZA, CE
Juventude e trabalhadores na luta no 15-O sob o sol de Fortaleza
Em Fortaleza, o 15 de Outubro (15-O) ocorreu durante a manhã na Praça do Ferreira, centro histórico da cidade e tradicional local de manifestações e atos políticos, congregando cerca de 50 pessoas que se manifestaram às milhares de pessoas que passam todos os dias pelo local, agitando os principais problemas de se efetivar uma “democracia real” com os parcos investimentos em educação que temos hoje no Brasil.
A atividade foi construída como parte da campanha dos 10% do PIB para educação pública já!, que tem um comitê local no estado do Ceará desde o início de agosto e já promoveu várias atividades no estado para agitar a campanha. Nesse sentido, o 15-O em Fortaleza foi construído para possibilitar um espaço de diálogo entre a população e os setores dos movimentos sociais que estão na efervescência da luta por melhorias na educação, como, por exemplo, os professores do ensino básico estadual – que estiveram nos últimos 60 dias em greve reivindicando, principalmente, o cumprimento do piso salarial nacional na atual carreira de desenvolvimento profissional e, com isso, chegaram a levar 8 mil pessoas para as ruas da cidade na última semana.
Além de agitações e diálogo com a população, aproveitou-se também para coletar assinaturas para o abaixo-assinado da campanha, que recolhe assinaturas até o final de novembro. A ação teve a participação das entidades que constróem a campanha no estado: ANDES, Oposição de Esquerda da UNE (Coletivo Barricadas), CSP-Conlutas, ANEL, Sindicato dos Rodoviários, DCE UECE, entre outras, e também entidades e movimentos que foram convidados, tendo uma grande participação dos professores do ensino básico estadual que ainda estão mobilizados.
Pelo viés de Marcelo Ramos, estudante de História da UECE e membro do Coletivo Barricadas
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15-0: A PRIMAVERA QUE SE ESTENDEU, pelo viés dos colaboradores Priscila Ferreira, Alexandre Haubrich, Roger Peres, Cristina Altmann, Pedro Guilherme, Felipe Moda e Marcelo Ramos. Introdução de Tiago Miotto
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