Um interessante artigo de Marco Antônio Araújo resume a virada de um movimento que, antes, pedia a redução do preço da passagem do transporte público em São Paulo. “O movimento, por absoluta cegueira e incompetência dos governantes, não é mais por passe livre. Agora é por um País livre. Por uma nação que tenha o direito de ocupar as ruas reivindicando um futuro melhor”, disse Araújo.
As cenas vistas em pleno centro de São Paulo não são o resultado de um arroubo de violência perpetrado pela Polícia Militar paulista. O que aconteceu no dia 13 de junho, dia que ficará marcado, pelo menos por um longo tempo, nas cabeças de paulistanos, representa o modus operandi clássico da Polícia em casos semelhantes.
Muito já se falou da similaridade entre o que aconteceu na quinta-feira, 13, e o que acontece em outras partes da cidade de São Paulo e do Brasil. As comparações entre uma atitude agressiva e desmedida da polícia em frente às câmeras com as atitudes que esses mesmos policiais podem tomar quando não estão sendo filmados são inevitáveis.
Da TV a crueldade era evidente, policiais cercavam manifestantes, agrediam pessoas que, desavisadas, passavam por ali, e avançavam sobre repórteres que, como os policiais, faziam seu trabalho. Aí, nessa comunhão de comparações e de uma maneira semelhante de abordagem esconde-se a grande chave para entender a comoção criada sobre a violência policial.
A Marcha da Maconha de 2011, um exemplo
O que precisa ser encarado pelo Estado hoje, e, ainda mais, pela polícia, é a possibilidade de um levante que se espera muito maior nos próximos dias. Mas, se colocarmos em perspectiva, o trabalho dessa mesma polícia paulista já demonstra o despreparo para o diálogo ou, seu análogo, o preparo para a violência desmedida.
Em maio de 2011, há pouco mais de dois anos, outra manifestação, que serve como triste analogia para o trabalho da polícia de São Paulo, ocorreu na mesma Avenida Paulista.
Tanto nos movimentos contra o aumento esse ano, como a Marcha naquela ocasião, mostraram uma agressividade desmedida, com inúmeros feridos e presos. A Marcha da Maconha daquele ano acabou com perseguição da polícia, como a própria Folha considerou.
Dois anos depois, a mesma agressividade, só que em escala muito maior, aconteceu na mesma região. E o modo de atuação da polícia, diga-se, foi semelhante – senão pior.
O que diferencia a repressão de 2011 e de 2013
Essencialmente, ainda que se considere o número muito superior de presos e feridos, a grande diferença, que deveria deixar os governantes, municipais e estaduais, muito mais preocupados, é o argumento central do ato e sua conjuntura.
Sobre a conjuntura digamos, de passagem, os protestos que balançam a Turquia – e mostram aos manifestantes a força dos movimentos populares, e os protestos, de grande magnitude, e de alguma vitória real, representados por Porto Alegre e Goiânia.
Sobre os argumentos, diga-se que é evidente que os atos tratam de temas diferentes logo de vista: enquanto um manifesta-se pela descriminalização do uso da maconha, o outro trata das tarifas do transporte público. Mas, para além dessa diferença, há uma questão ainda mais relevante, a diferença de status dos argumentos.
Enquanto a Marcha da Maconha de 2011 pode ser lida como uma coletividade de indivíduos em busca de um direito individual, os protestos contra o aumento das passagens em 2013 atingem outro caráter: o coletivo reúne-se por um direito coletivo. E aí se esconde o ponto central para compreender porque pode-se dizer que hoje o movimento não é só pelo aumento das passagens. A pauta não é mais a passagem porque a união das pessoas vão aderindo a uma infinidade de pautas também coletivas: repúdio à violência policial, aos baixos investimentos em saúde e educação, aos grandes investimentos públicos numa Copa que mostra-se, cada vez mais, privada e para poucos, às desocupações que vem de arrasto dessa mesma Copa, à política de implantação de projetos como Belo Monte e Jirau. Um repúdio ao que Giuseppe Cocco chamou de “Brasil Maior” vinda diretamente do bRASIL menor dos movimentos sociais, dos “ignorados”, das maiorias silenciosas.
O estado de estupor “das massas” caminha para uma consciência geral das reivindicações populares. E se o movimento tem esse caráter de rebelião é porque ele representa justamente isso: um grito de basta do bRASIL menor ao Brasil Maior.
A REPRESSÃO POLICIAL E AS REIVINDICAÇÕES COLETIVAS, pelo viés de João Victor Moura
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*Foto: Gustavo Basso