A televisão me deixou burro, muito burro demais…
Somos parte dos idiotas que andam por aí, não há como negar. As recentes passeatas pelas avenidas do Brasil, assim como as filhas santa-marienses, ganham em coro também pedidos pela abertura do sistema das comunicações brasileiras. Gritamos contra as grandes redes de televisão, exigimos retratação dos jornalões, ironizamos as reportagens das rádios e, pelas redes sociais, conclamamos pela união das pessoas contra o pedantismo da imprensa, fundamentada pela burguesia, esse monstro que os jovens de esquerda aprendem a falar antes mesmo de “mamãe”.
Mas nós é que somos os verdadeiros idiotas. Infelizmente chegamos a tristes conclusões como essa, e temos que aceitar algumas alcunhas, mesmo que não sejam as esperadas. Por que somos os idiotas? Ora, está na cara: somos os empregados dos reaças, o rebanho da grande mídia, os imbecis usuários de seus produtos.
Pelos quatro cantos, a luta da juventude indignada ironiza a velha e viciada imprensa. A imprensa machista, oligárquica, reacionária, preconceituosa, a imprensa da polícia, do lado dos barões. Sim, a grande imprensa é tudo isso e pior. Sabemos, claro, que toda regra tem suas exceções: dentro dos jornalões há grandes [e alguns dos melhores] jornalistas do país, na televisão há, sim, o programa quase minimamente preconceituoso, quase santo, meio ovelha negra da família. Mas o resto, o pesado e influente resto, continua assim, atrasado, meio bobo, fascista, justiceiro, defensor da riqueza dos mercados monopolistas, até mesmo ridiculamente capacho das políticas idiotizantes. O jornalista indignadíssimo com a poluição do mundo no telejornal patrocinado pela FumaçasCo.
Aí é que entramos nós, os idiotas. Por que, por exemplo, a Operação Cidade Limpa ganhou tanto a atenção da sociedade progressistanas últimas semanas?
Porque saiu nos jornalões e deu na TV, a TV das cinco famílias do Brasil. Porque os delegados colocaram o rosto nas telinhas. Ora, mas não havia operações cidade limpa antes disso? Já não sofríamos as batidas policiais preconceituosas em nossas ruas, o julgamento convencionalista em nossas residências? O abuso que coloca pixador como bandido no horário nobre dos canais de televisão surgiu semana passada? Não. E sabemos disso. Mas é aí que nos tornamos idiotas: esperamos nossas marchas nas capas dos jornalões. Não nos bastam cem mil blogues e sítios unidos na difusão de políticas populares progressistas, não nos bastam cinco mil jovens caminhando pelas ruas erguendo cartazes, não nos bastam os inúmeros atores sociais da imprensa dita alternativa? Parece que não. Nós, os idiotas, só acreditamos na greve se for motivo de reportagem no Jornal Nacional. Queremos a popularização das mídias, somos ávidos emissários de manifestos pelas redes sociais, de campanhas contra Belo Monte, somos os grandes e melhores e verdadeiros guardiões da liberdade do povo, da liberdade de escolha, os guerreiros dos oprimidos, dos esquecidos, dos ironizados pela mídia de poltronas aveludadas. Mas no fundo, nós, os idiotas, esperamos como bestas a chamada do monopólio, a foto de capa do periódico dos netos dos visionários de nossa imprensa. Porque a gente é bem idiota. Não basta a palavra dos vizinhos, tem que vir no informe da prefeitura. E infelizmente o que nós, os idiotas, fazemos, é dar mais crédito a eles. Somos filhos da era do dinheiro: a verdade de quem tem o poder é mais válida. Somos vassalos sem vergonha.
Agora todas coisas que eu penso me parecem iguais.
Não. A imprensa não mente. Poucos são os casos em que os canais de televisão, as emissoras de rádio, os sítios oficiais dos grupos telecomunicacionais difundiram mentiras, mentiras puras. O que temos que saber é que eles raramente mentem. Eles distorcem. Ou pior: falam pela boca do conservadorismo mais chulo, aquele conservadorismo que caminha junto às nunca mortas Marchas da Família com Deus pela Liberdade. Mas o que fazemos é continuar dando audiência, dando crédito, dando espaço, dando assunto. Ainda não entendemos, não alcançamos uma mídia popular, subsidiada pela informação de interesse público com viés social. Na verdade, nós, os idiotas, também somos preguiçosos: queremos muitas mudanças, mas que elas primeiro sejam notícias do Bonner. E depois arranjamos desculpas esfarrapadas dignas da preguiça: “somos reféns da mídia hegemônica, não é?”, ao contrário de formarmos nossa rede de interlocutores, crermos nela e participarmos dela. Nós, os idiotas, primeiro queremos ver nosso rostinho na tela da TV, no meio desse povo. E, depois, em manifestos da rede social, a gente reclama dos distorcidos que a grande (sic) mídia nos fez.
texto muito bom!