No ano em que o bloqueio megalomaníaco dos Estados Unidos a Cuba completa 50 anos, vemos a mídia hegemônica brasileira dar pulos de excitação ao poder dizer que “a liberdade e o desenvolvimento” chegarão, então, ao país de Fidel Castro. Ambos termos, muitos usados quanto se fala de qualquer sociedade que não segue à risca os dítames ‘ocidentais’, são extremamente amplos e podem ser interpretados de várias formas. Já aí depomos o reinado de palavras que soam tão livres e doces na boca daqueles em quem, pior que sua própria ideologia escrota, só sua alienação a ela mesma. Enfim, o que significa desenvolvimento? É possível planejá-lo e mensurá-lo?
A primeira ligação que fazemos é entre as palavras ‘desenvolvimento’ e ‘pessoa’. À nossa época, pelo menos suponho, falamos prioritariamente de gente quando nos referimos a desenvolvimento. Assim, temos o campo do ‘desenvolvimento humano’, já tão famoso nas universidades dos supostos países de ‘primeiro mundo’, onde as consciências nacionais são tão pesadas que os ‘outros mundos’ se tornam objeto de estudo para suas penitências cristã-profissionais. No sítio da ONU (Organização das Nações Unidas), Amartya Sen, professor de Economia na Universidade Harvard, nos EUA, e ganhador do Nobel de Economia em 1998, proclama que:
“Desenvolvimento humano, como uma abordagem, preocupa-se com o que considero ser a ideia básica de desenvolvimento: a saber, o avanço da riqueza da vida humana em vez da riqueza da economia na qual os seres humanos vivem, que é somente uma parte do todo”.
Logo, em tese, devamos ver a economia como parte do todo e, não, como a origem das nossas discussões – erro que tanto capitalistas quanto comunistas cometem. O dinheiro, os sistemas de troca – a economia não é a raiz de todos os problemas e não está mais imbricada na vida do que qualquer outro elemento constituidor da realidade (parentesco, sistema de educação, religião, língua etc.). Cada platô age sobre o mapa-completo assim como o resultado do mapa-completo e os indivíduos agem sobre os platôs e sobre si mesmos. As coisas não são, portantos, coifadas, mas ramificadas – espalhadas, rizomáticas.
Quando falamos em países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento (meras substituições politicamente chatas para países de primeiro e de terceiro mundos), prontamente estabelecemos que existe uma subida e que países como Suécia, Canadá e França (para não citar toda a lista) deverão ser vistos como modelos e todos os outros que não o são devem tentá-lo, em reverência e semelhança àqueles. A Europa Ocidental, a Austrália, a Nova Zelândia, os Estados Unidos e o Canadá são o que todo país deve ser – eles são desenvolvidos! Essa é uma concepção cultural e filosófica que vem dos antigos gregos, para os quais todas as sociedades que não fossem a própria grega eram bárbaras, selvagens, primitivas, terceiro-mundistas, em desenvolvimento. Os nomes se adaptam às máscaras da época, mas a ideia é a mesma: nós sempre seremos melhores do que eles!
O Iluminismo criou a ilusão das coisas objetivas, palpáveis, mensuráveis, mas se esqueceu da auto-crítica e, de sua falta, veio o cientificismo, que, só para um exemplo, mata a criatividade e as liberdades nas universidades brasileiras. Se tudo pode ser racionalizável, dentro da lógica capitalista ainda mais, surgem os índices: de igualidade, de mortalidade, de expectativa de vida, de produto interno bruto – juntos com muitas outras coisas, fazem o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). O cálculo de todos esses índices está tão culturalmente posicionado que aqueles que o calculam não percebem a ironia de serem justamente os seus países a sempre terem os maiores resultados – “devemos ser deuses”!
Para o antropólogo norueguês Thomas Hylland Eriksen, “analiticamente, esse tipo de modelo [de análise de desenvolvimento por índices] é inaceitavelmente evolucionista e reducionista”. Ele defende que uma dose de relativismo cultural vem a calhar quando pensamos em impôr mundo afora a mesma ideia de aonde devemos chegar ao nos desenvolvermos. Ele continua: “Devemos levar em conta o fato de que noções como ‘qualidade de vida’, ‘progresso’ e ‘desenvolvimento’ são construídas localmente”.
Quando mesmo, façamos uma pequena demonstração numérica para os mais céticos. Tabelando alguns dados de três países (Brasil, Cuba e Estados Unidos), podemos ver que, pela lógica, Cuba é um país altamente desenvolvido: tem sete dos melhores indíces, contra três dos EUA e dois do Brasil. Cuba é o país mais desenvolvido dos três, podemos dizer? Não! A minha escolha de índices é tão aleatória quanto a mais extensa lista de índices existentes no mundo seria. O desenvolvimento não se mede universalmente – o que é necessário no Brasil é diferente daquilo que é necessário em Cuba e nos EUA; as realidades são diferentes e as noções de progresso, qualidade de vida e de desenvolvimento também.
Então, podemos dizer que tudo é definitivamente relativo? Tampouco! Nem tanto a Marx nem tanto a Bauman. A relatividade cultural que se aplica às ideias de desenvolvimento não existe em si mesma, ela também é construída – ou seja, em cada país, em cada sociedade existe uma cordilheira de agentes que disputam entre si o grau das lentes pelas quais o grupo enxerga. Nem tudo é, portanto, relativo porque não existem verdades definitivas. Cada qual carrega suas percepções – e isso influencia as noções de desenvolvimento. Alguns verão o PIB per capita, o índice Gini ou a taxa de desemprego como mais importantes; outros dirão que o número de crianças na escola, o nível de desnutrição ou o quanto se gasta em educação são mais importantes. A única conclusão a que podemos chegar é que não existe ‘desenvolvimento’ perfeito, assim como tampouco existem sociedades já desenvolvidas e outras em desenvolvimento. Números não definem quase nada e o que tem maior influênca no fim é o poder de ditar (ou debater) qual o desenvolvimento que é almejado para nós (ou que almejamos nós mesmos).
DESENVOLVIMENTO É, PRIMEIRO, UMA IDEIA, pelo viés de Gianlluca Simi
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