IMIGRAÇÕES E A ASCENSÃO DA EXTREMA DIREITA NA EUROPA

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Um breve histórico do curso das migrações

A constante busca por novos pontos de assentamento – definitivos ou não – é uma característica do ser humano, continuamente evocando à necessidade de melhores condições de vida e ao moderno conceito do direito de ir e vir. Da procura do homem nômade à procura do homem moderno, a questão de deslocamento sempre foi a mesma: a busca por maximização de fatores necessários à vida.

As primeiras grandes emigrações ocorreram do século XVI ao século XIX, quando uma população grande de europeus deslocou-se às Américas. Colonização, exploração física de pessoas e de terras. Na busca por fazerem-se mais prósperos ou na fuga de epidemias, de instabilidades econômicas e de guerras, os imigrantes também impulsionaram e financiaram outra grande migração, dessa vez um processo forçado: a dos africanos para as colônias.

Em meados do século XIX, novamente os europeus desenraizaram-se da terra em que viviam e continuaram o movimento migratório em busca de riquezas e terras prósperas. O continente escolhido era o africano e a consequência imediata era a sobreposição de uma cultura sobre a outra e a exploração econômica, social e cultural do branco sobre o negro.

No final do século XX e, agora no século XXI, os movimentos de migração remodelaram-se e até se inverteram. Latino-americanos partindo para a Europa e para os Estados Unidos, bem como asiáticos para o território europeu e para outras partes do seu próprio continente e africanos e árabes partindo para o continente de cima. Na Europa, a gravidade com que é tratado o assunto destes último grupo de imigrantes, os africanos e árabes, gerou um fenômeno complexo.

Os países da África e do Oriente Médio que fazem fronteira com a Europa, ou são próximos dos pontos de cruzamento, são os mais propensos a realizar a imigração. Impulsionados pela proximidade de passar da barreira que separa os continentes e os modos de vida, decidem mais facilmente a tentativa de estabilidade econômica em países como Suécia, França, Alemanha, Espanha, Inglaterra, entre outros. Buscam fugir de conflitos, ter uma renda e constituir um melhores padrão de vida. Mas nem sempre é o que acontece. Fatores como a ilegalidade podam os direitos humanos dos imigrantes. A exclusão social e cultural os marginaliza.

A Diretiva do Retorno e o retorno da extrema direita

A volta de grupos de extrema-direita, com propostas radicais de combate à imigração, em vários países europeus, reflete a ascensão da xenofobia nos moradores natais. Por motivos de revolta pela suposta perda de empregos e serviços sociais para os imigrantes, pelo não reconhecimento de uma cultura e religião diferentes ou por quaisquer outros pontos, uma grande parcela da população europeia decidiu apoiar medidas radicais e problemáticas. Uma delas é a Diretiva do Retorno (ou “Diretiva de Vergonha”, como foi apelidada), aprovada pelo Parlamento da União Europeia em 2008 e em vigor desde 2010.

A diretiva instaura leis que criminalizam o imigrante “ilegal” e o pune mais severamente. Desde 2010, os imigrantes pegos, inclusive menores, podem ser retidos em uma prisão especial por até 18 meses. Depois disso, devem manter-se afastados dos países da União Europeia por cinco anos.

“Por sua condição de excedente no interior do Estado que adotou, o imigrante é uma ameaça que provém do exterior. Não está autorizado a entrar em conflito com os que legitimamente pertencem ao Estado-nação. Não pode lutar pelo poder político.” A afirmação do sociólogo argelino Abdelmaleck Sayad, grande estudioso dos movimentos migratórios, define a situação à qual o imigrante se enquadra, quando no país de destino.

Nativos dos países europeus veem aqueles necessitados que chegam com a vontade e necessidade de ficar como um excesso de contingente que não tem legitimidade para reivindicar o direito permanecer. Assim, também não podem se fixar como cidadãos daquele lugar, sendo privados de serviços sociais, de saúde, habitação e educação. Na contrapartida, muitos nativos aproveitam-se do desespero do migrante e relegam a este os serviços mais precarizados e menos remunerados. Um mercado ilegal é formado, e não só pelo viajante ilegal.

Para aqueles que se julgam prejudicados, que sentem seus países sendo invadidos pelo vírus da pobreza e do caos, cresce um sentimento de indignação. Há uma raiva que, em muitos casos, é retroalimentada pelo poder de designar as condições mais subumanas àqueles que chegam já numa situação crítica.

A Diretiva do Retorno é uma materialização desse ódio pelo imigrante, o audaz que se desloca da sua terra e vai concorrer no mercado de trabalho com os puros europeus. A diretiva é uma norma da União Europeia que não impõe de forma direta as regras, como seria o caso de um regulamento. Porém, deve ser levada aos diversos ordenamentos jurídicos através dos processos legislativos nacionais. Diferentes países têm diferentes características e, assim, certa autonomia para a aplicação da diretiva. Mas as bases dela em si já são problemáticas.

Os pontos aprovados na Diretiva da Vergonha instauram uma caça ao imigrante. Mantê-lo preso em cárceres não especificados – ditos “especiais – e, depois, mantê-lo afastado de qualquer país da União Europeia, parece mais uma crise de histeria do que uma política equilibrada de resolver o excesso de imigração sem marginalizar o imigrante.

A medida foi aprovada por todos os países-membro do Parlamento Europeu. A posição de outros países, como os do bloco do MERCOSUL, foi crítica e contrária à aprovação. Notas de repúdio foram publicadas. Lula, em junho de 2008, disse “Não é proibindo pobre de ir para a Europa, é ajudando a desenvolver os países pobres. Por isso que falamos tanto na construção de parcerias.” Chávez, o presidente venezuelano, falou em cortar a exportação de petróleo a países que aprovassem a medida. Uma carta, antes da votação, foi entregue ao Parlamento por mais de 50 artistas, entre eles Manu Chao, pedindo que a Diretiva não fosse aprovada. Nada adiantou e nunca mais se viu notícias sobre a aplicação das novas medidas.

Tanta a diretiva quanto a ascensão de grupos e partidos de extrema direita na Europa representam um grande problema no continente: a xenofobia.

charge de Rafael Balbueno

 

 

A extrema direita ganha força

Uma onda de mudanças tem passado pela Europa. Motivados pela insatisfação com as políticas de imigração, países que antes recebiam estrangeiros em grande quantidade estão agora se mostrando desagradados. A votação no ano passado, na Suécia, resultou em vagas para o partido de extrema-direita no Parlamento. A reação do primeiro-ministro, da centro-esquerda sueca, é publicamente desgostosa. Ele qualifica a extrema-direita de “xenófoba e populista”. O jornal Svenska Dagbladet publicava em suas páginas: “Um governo de centro-direita sem maioria, uma Social Democracia destroçada, e um partido com raízes no extremismo de ultradireita detendo o equilíbrio do poder.” As manifestações mostravam o estranhamento com a radical mudança no panorama político da Suécia.

Por que a população teria escolhido, então, esse partido retrógrado? Descontentamento. Parece que estão lavando as mãos quanto à democracia e abrindo brechas a políticas graves de extermínio à imigração. Na Suécia, os imigrantes já representam 14% da população, segundo dados de censos. Com 31 anos, o militante do Democratas (como se chama o partido da extrema direita sueco) Jimmie Akesson deu um rosto renovado ao partido e conquistou uma simpatia significativa entre os jovens.

Preocupados com a inserção no mercado de trabalho e com medo da concorrência com imigrantes, a população jovem votou em peso nas ideias de Jimmie. O desemprego atinge cerca de 21% de adultos com idade entre 20 e 24 anos e a crise econômica na Europa poda as perspectivas de acabar com esses dados.

Na Suécia, o partido de extrema-direita representa, agora, 5% do Parlamento. Em outros países da Europa essa representação chega a 15%. A nova face sueca surpreendeu não porque esse era um fenômeno atípico no território europeu atualmente, mas por o país ter sido sempre mais pacífico e tranqüilo com essa questão. Há uma lei recente lá, inclusive, que permite que pessoas de países vizinhos possam trabalhar em território sueco. Espera-se que a entrada das pautas racistas no Parlamento não destruam essas iniciativas.

Na Espanha, o partido de extrema-direita mostrou recentemente sua ideologia xenófoba e agressiva. Em campanha eleitoral no município de Igualada, um vídeo foi lançado na internet. Nas imagens, moças de mini-saia pulam corda ao som de uma música tradicional espanhola. Depois de um corte, aparecem mulheres de burka dançando ritmos árabes. Em seguida, uma frase dizendo que aquela seria a imagem de 2015 na cidade, mas que esse “pesadelo” poderia ser impedido. A população acaba acostumando-se a esse tipo de pensamento e aderindo aos argumentos da extrema-direita, que julga os imigrantes como os responsáveis por toda a criminalidade e desemprego no país.

Na Finlândia, em abril desse ano, para dar mais um exemplo, o partido nacionalista de extrema-direita Verdadeiros Finlandeses conseguiu 39 dos 200 assentos parlamentares (oito vezes mais que nas eleições de 2007). Liderado pelo populista Timo Soini, o Verdadeiros Finlandeses defendeu, na campanha, a saída da Finlândia da União Europeia e do Protocolo de Quioto e a limitação da imigração.

Disse Soini: “O mais importante é que a Finlândia não precise pagar pelos erros dos outros” e defendeu uma política economica social só para os finlandeses. Parte da população começa a concordar com esse tipo de ideias e, assim, a direcionar a solidariedade apenas para os nativos, porque eles seriam os únicos preocupados com a evolução do país. Ideias retrógradas entram na pauta do parlamento e dão indícios da perda do bom senso nos ares da política.

Na Hungria, na Constituição recém aprovada, o país se declara uma nação cristã, dando mais uma mostra de intolerância com outras religiões (asiáticos e africanos constituem grande parte dos imigrantes). Lá, a extrema-direita venceu eleições em 2010.

Essa mudança no panorama político europeu, tendo em vista os problemas com a imigração, poderia ser explicada com o pensamento do sociólogo Sayad: “Do ponto de vista político, das suas relações com o Estado, outros já vivenciaram ao longo da história e por outros meios essa exclusão que aparece como legitimada. Assim foi com os escravos – e ainda o é com os apátridas, os deportados, os refugiados. O imigrante desmascara as fragilidades da ordem nacional, expõe a arbitrariedade de seus pressupostos e encarna o perigo porque vive fora do mundo comum, do mundo nacional.”

As políticas de fechamento de fronteiras e reestruturação do que seria um Estado nacional mais puro são mal concebidas, principalmente porque a ideia de pureza já deu provas de que aflora racismos, e também mal pensadas. “As políticas européias foram todas baseadas, principalmente, no princípio de que protegendo nossas fronteiras e impedindo as pessoas de entrar não seria preciso fazer mais nada. Sempre haverá pessoas que vão entrar, e em condições bem piores do que se fosse feito de uma maneira organizada”, disse Maryse Tripier, da Universidade Paris 7-Denis Diderot e co-autora do livro Sociologia da Imigração, em entrevista.

A Organização das Nações Unidas fala em encarar a imigração como uma solução, já que é baixa taxa demográfica da Europa. Mas os estrangeiros já foram responsáveis por 89% do crescimento no continente entre 1999 e 2000 e as sociedades européias não encarnam bem essa visão positiva da ONU. Chamam de invasão a migração e esquecem que foi ela que os enriqueceu e nutriu a vanguarda modernizadora europeia.

Espera-se que a agitação por mudanças na Europa não continue conduzindo medidas e atitudes grotescas e retrógradas. E, enquanto crescem os países que aderem à histeria conservadora, analistas buscam um meio de fomentar o pacifismo e a convivência harmônica. É um desafio, mas os indícios mostram a urgência em redesenhar os rumos do respeito. O asseguramento dos direitos, não importa a que ser humano e nem de qual nacionalidade ele é, deve ficar livre interpretações restritivas e excludentes. 

Imagem de capa: Pintura “As cores do mundo”, de Chagall

 

IMIGRAÇÕES E A NOVA ASCENSÃO DA EXTREMA DIREITA EUROPEIA, pelo viés de Liana Coll

lianacoll@revistaovies.com

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