Algumas centenas de metros antes do arco de entrada da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), um olho de ave observa do alto todos que por ali passam. Algumas centenas de metros depois do arco, um tranqüilo e colorido Albert Einstein dá boas-vindas aos apressados estudantes de Física, Química e Matemática que entram atrasados no prédio principal do Centro de Ciências Naturais e Exatas (CCNE) para suas aulas. Muito longe de qualquer arco santa-mariense, uma revista produzida na cidade é guardada nas estantes da biblioteca do Congresso estadunidense.
O olho veio de São Paulo. É uma foto comprada de um banco de imagens. Agora habita o outdoor da revista Ciência&Ambiente. O Einstein veio de bem pertinho, do Centro de Artes e Letras (CAL). A revista abrira parceria para que os alunos do Desenho Industrial desenhassem a capa da edição número 30, sobre o famoso cientista. Deu tão certo que muitas capas foram parar dentro da revista, e que, sob orientação do professor André Dalmaso, foi realizado o mosaico da porta do prédio 13.
A revista Ciência&Ambiente nasceu, na Boca do Monte, em 1990 e desde então publica edições temáticas semestralmente. Essas quase quarenta edições estão nas estantes da biblioteca do Congresso dos Estados Unidos da América, em Washington. Sempre foram compradas pelo escritório carioca da biblioteca e enviadas à cidade da Casa Branca. Nas páginas que podem ser folheadas pelos estadunidenses estão artigos que muitas vezes chamam atenção já pela assinatura. O ex-presidente da república Fernando Henrique Cardoso, os geógrafos Milton Santos e Aziz Ab’Saber (este também no Conselho Consultivo da revista), os escritores Moacir Sclyar e Rubem Alves, e o deputado Fernando Gabeira são alguns dos nomes que preenchem as folhas da revista.
O professor de Engenharia Florestal da UFSM, Delmar Antonio Bressan, foi um dos idealizadores de Ciência&Ambiente, e é, desde o início, seu editor. Conta com a ajuda do programador visual Valter Antonio Noal Filho, da revisora de textos Zília Mara Scarpari, e de outros professores da universidade, que compõe o Conselho Editorial. A revista foi mantida somente por seu conselho até que o professor Delmar assumiu a direção da editoraUFSM e com ela estabeleceu um convênio. Em 1997 o acordo de cooperação editorial foi com a universidade, a partir do CCNE, do Centro de Ciências Rurais (CCR) e do Centro de Ciências Sociais e Humanas (CCSH). Acordo nada financeiro, por sinal. Ciência&Ambiente é auto-financiada, e o próprio professor é quem cuida das vendas e da distribuição, o que, segundo ele, traz a independência editorial. A UFSM auxilia disponibilizando uma sala no CCNE para ser a sede da revista, e de outra no CCR para estoque, além de ceder recentemente computadores novos para a revista.
Lá em 1990 foi decidido que a revista seria temática, ou seja, cada edição teria um tema pré-escolhido a partir do qual o editor buscaria artigos. Essa decisão teve três motivos: primeiro, trazer uma abordagem multidisciplinar ao tema escolhido, já que especialistas de várias áreas do conhecimento poderiam participar com artigos; segundo, tentar reunir o conhecimento diverso em torno desse tema, na contramão da fragmentação do conhecimento; e terceiro, a perenidade que não existiria numa publicação não-temática e compromissada apenas com as vicissitudes da temporalidade.
Uma vez escolhido o tema, o professor Delmar e, costumeiramente, um editor convidado – conhecedor do tema – procuram textos a serem incluídos no próximo número. Começa a fase, como diz o professor, de “provocação” dos possíveis autores: tentar convencê-los a escrever. Tarefa que pode não ser fácil, já que Ciência&Ambiente não paga a seus colaboradores, apenas lhes dá 3 exemplares da edição.
A revista é de divulgação científica. Tem o público-alvo maior que revistas científicas – aqueles tijolos cheios de artigos – e menor que de uma revista de divulgação científica vulgar – das que se encontra em bancas de jornal. Seu público é maior que apenas a comunidade acadêmica envolvida no assunto, porque Ciência&Ambiente tem uma maneira um pouco mais jornalística ao escrever. A introdução dos artigos, por exemplo, é quase um lead. Mais instiga o leitor a ler do que introduz cientificamente o tema. Mas falta o jornalismo – lembra Delmar. A revista não acha jornalista estagiário especializado em ciência para dar forma a um dos seus projetos: uma entrevista temática por edição. Sem o especialista na entrevista, apenas alguns exemplares foram contemplados com ela.
Além de Washington e de todos os estados brasileiros, a revista chega à Argentina, à Áustria e ao Uruguai. Chega também, de forma incipiente, à França, terra de Pascal Acot, um dos pouquíssimos historiadores de ecologia do mundo, e membro do Conselho Consultivo da revista. E é justamente a língua francesa a próxima inovação de Ciência&Ambiente. A próxima edição, de número 39, trará metade dos textos em português e outra metade em francês. Apesar de publicar normalmente textos em castelhano, essa é a primeira vez que a língua da terra de Monet estará nas páginas da revista.
Ciência&Ambiente quer agora expandir-se para outras mídias, mas Delmar ainda não sabe como. Tem medo de perder em vendagem caso coloque a revista gratuitamente na internet. O tema da quadragésima edição, que comemora os 20 anos da primeira edição, não poderia ser outro: o processo de substituição do papel por outros meios. O editor convidado é o ex-reitor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Carlos Vogt. E esse é mais um passo rumo ao crescimento da divulgação científica santa-mariense.
Quando cai a noite em Santa Maria e a UFSM dorme, quando o porteiro da Biblioteca do Congresso estadunidense fecha as portas, o olho do outdoor continua aberto. Assim como os olhos do fragmentado Einstein. E esses olhos vislumbram um horizonte profícuo para a divulgação científica.
Reportagem produzida sob a orientação de Rondon de Castro, com a colaboração de Gabriel Eduardo Bortulini e Gregório Lopes Mascarenhas.
A AVE E O EINSTEIN, pelo viés de Mathias Rodrigues
mathiasrodrigues@revistaovies.com
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